Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

“A gente queria dar a sensação de que ele estava vivo novamente”, conta o diretor do filme Senna

Asif Kapadia fala sobre os dois Baftas recebidos pelo documentário e a decepção pelo filme não ter sido indicado ao Oscar

Stella Rodrigues Publicado em 18/02/2012, às 09h18 - Atualizado em 01/05/2016, às 15h55

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Asif Kapadia, diretor de <i>Senna</i> - AP
Asif Kapadia, diretor de <i>Senna</i> - AP

Foi preciso um britânico de origem indiana para realizar um filme que fizesse jus ao que representou Ayrton Senna no esporte brasileiro e na Fórmula 1. Asif Kapadia levou para casa no último domingo dois troféus no Bafta (premiação conhecida como o “Oscar do Reino Unido”), melhor documentário e melhor edição com Senna (2010).

“Senna transcendeu o esporte”, diz o diretor Asif Kapadia à Rolling Stone Brasil por telefone. “E tudo que queria fazer era um filme que transcendesse a ideia de documentários esportivos, algo pensado para quem se interessa por pessoas, vidas, jornadas. E ele se tornou o maior documentário da história da Inglaterra, na bilheteria de cinema e na venda de DVD. Teve bom reconhecimento de público, crítica e agora dos colegas do cinema, com o Bafta.”

O mesmo reconhecimento não veio dos norte-americanos. Ao contrário de todas as expectativas, Senna ficou de fora até da chamada “lista longa” dos filmes que a Academia indica previamente para concorrer à chance de disputar o Oscar. “Eles têm um sistema estranho de fazer a lista de documentários. Muita gente na indústria ficou surpresa que a gente não entrou nem na seleção preliminar. Fiquei chateado, mas agora passou”, afirma Kapadia, humildemente. “Para o ano que vem, a Academia mudou todo o sistema de escolha. Não vai adiantar para a gente, mas é uma boa notícia que eles tenham remodelado o sistema por terem achado que alguns bons filmes estavam ficando de fora com esses critérios, inclusive Senna. Então, espero que o problema não tenha sido o filme, e sim o sistema do Oscar.”

O documentário chama atenção especialmente por três pontos. Primeiro, não foi lançado para acompanhar qualquer efeméride. Segundo, contrariando a regra, é ilustrado inteiramente por imagens de arquivo, ou seja, não mostra o rosto dos entrevistados que falam de Senna em nenhum momento, fazendo com que eles se tornem narradores. Em terceiro lugar, a produção é quase toda assinada por estrangeiros, pessoas que não enxergam no piloto um herói de importância histórica, uma figura mítica da cultura popular da forma como fazem os brasileiros.

O timing

“O acidente de Senna aconteceu em 1994. Se no ano seguinte alguém quisesse fazer um filme sobre ele, seria cedo demais, ainda doía demais”, reflete Kapadia. “Quando a produção começou, já fazia dez anos que ele tinha morrido. Foi o tempo o suficiente e deu tempo de o resto do mundo o conhecer também, mas ao mesmo tempo não demorou demais ao ponto de as pessoas esquecerem. Eu mesmo não sabia o quanto ele era um herói para as pessoas no mundo inteiro.”

Narradores em off

“Meu trabalho como diretor é de mostrar, não de contar”, acredita o diretor. “Eu sempre acho estranho quando corta a cena do documentário para uma entrevista das pessoas falando hoje, porque de repente elas estão velhas e olhando para o passado”, pondera, explicando que queria fugir da sensação de flashback. “A gente queria dar a sensação de que o Senna estava vivo novamente, como se fosse mostrar o momento. Não ficar lembrando vocês do fato de que ele morreu, mesmo que todo mundo saiba disso, saiba o final. A ideia é lembrar de quando ele era jovem, corria e você acordava cedo com a sua família e ficava feliz de vê-lo ganhar. Entrevisto todo mundo, mas não posso entrevistar o próprio. Em vez de o filme ser a opinião de todo mundo sobre o Senna, ele fala pelas imagens de arquivo”, conta. E não faltou material: “Por ele ser tão inteligente e apaixonado, por causa da forma como ele falava, temos ótimas entrevistas dele”.

Porém, fazer as coisas fora do caminho convencional tem sempre seu preço. Neste caso, três anos de edição e um longo e complicado processo de pesquisa. “Queríamos investir em fazer os fãs gostarem, mas também realizar algo para pessoas que não acompanham Fórmula 1, que não sabem quem é o Senna. Os produtores só tinham um acordo inicial que permitia usar 40 minutos de material e a primeira edição do filme tinha sete horas! A renegociação foi dura, dolorida, estressante, mas o importante é o resultado. Preciso mencionar a trilha do Antonio Pinto, que deu a emoção, a sensação brasileira.”

Senna e o legado fora do Brasil

“A pressão em casa é de tentar contar tudo. Percebi que há muito interesse na parte das fofocas da história, as namoradas, rumores. Por estarmos fora desse mundo, tentamos contar somente a jornada dele como piloto, sem a parte de ‘com quem ele dormiu’”, explica Asif Kapadia.

Quando veio ao país promover o lançamento de seu documentário, o cineasta observou consternado que a reação dos brasileiros era diferente da que ele esperava após desenterrar tanto material para colocar no filme. “Foi interessante observar que as pessoas que me entrevistavam pareciam já saber tudo isso que mostrei que aconteceu com o Senna. Vocês estavam lá, viveram tudo isso”, ele reflete. “Por causa da TV Globo, toda semana pode ter um documentário, reportagem, matéria ou especial sobre o Senna. Ou um amigo ou uma ex-namorada dele falando, gente fazendo fofoca. Ele está sempre por aí. E talvez seja uma coisa boa o fato de ter sido alguém fora de tudo isso que foi lá fazer o documentário.”