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Na Estrada tenta levar ao cinema de forma concreta o que havia de mais abstrato em uma geração

Apesar de visualmente belo e com ótimas atuações, Na Estrada não traduz plenamente o impacto do livro On the Road, considerado por muitos infilmável

Stella Rodrigues Publicado em 13/07/2012, às 10h07 - Atualizado às 12h04

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Na Estrada - divulgação
Na Estrada - divulgação

Mesmo Na Estrada sendo um bom filme, ele comprova um dos maiores medos que os fãs do livro de Jack Kerouac tinham ao pensar em uma versão cinematográfica: de que a adaptação, por mais bem feita que fosse, não passasse de um filme bem feito, sem aquele impacto arrebatador que o livro tem sobre quem o lê até hoje. O longa serviu como uma espécie de Monte Everest para muitos cineastas ao longo dos últimos anos. Muitos tentaram continuar o projeto até o fim, mas somente o brasileiro Walter Salles, a esta altura um especialista na linguagem do road movie, conseguiu realizar o sonho e cumprir a meta de levar às telonas o inebriante, alucinante e sedutor livro de 1957 On the Road, um marco da cultura beat.

Entrevista: leia o P&R com o diretor Walter Salles publicado na edição 70 da Rolling Stone Brasil.

Tecnicamente, há uma longa lista de acertos no filme, que chega aos cinemas do Brasil nesta sexta, 13. Os aspectos cenográficos em momento algum dão uma sensação de anacronismo, o que seria fatal para contar essa história. A fotografia é impecável, o visual traduz bem os caminhos tortuosos e a jornada emocional dos personagens, sendo que esta ainda conta com a ajuda de um elenco escolhido brilhantemente. Todos estão muito bem em seus papeis, inclusive Kristen Stewart, que enquanto virava tema de um Tumblr que caçoa da sua incapacidade de variar as expressões faciais, deu vida a uma Marylou que conquista o espectador.

Estão junto a ela nesse time de atores Garrett Hedlund, que vive o irresistível Dean Moriarty, Sam Riley (Sal Paradise), como um protagonista à sombra de seu “sidekick” Dean, Kirsten Dunst (Camille, uma das esposas de Dean) e Viggo Mortensen como Old Bull Lee, um dos personagens mais deliciosos do livro e da adaptação.

Entrevista: leia as perguntas do P&R com Walter Salles que não entraram na edição impressa da edição 70 da Rolling Stone Brasil.

Porém, talvez fosse correta a percepção que se teve por anos de que a linguagem do cinema simplesmente não seria capaz de traduzir aquele fluxo de consciência tão particular de forma tão instigante quanto o do livro, por mais que fosse montada uma estrutura coerente (como foi o caso). A crítica internacional apontou como grande erro, após a primeira exibição, no Festival de Cinema de Cannes, o fato de o filme ser sem direção e narcisista – curiosamente, duas ótimas definições para o que foi a geração beat e seu grito revolucionário. A adaptação conseguiu fazer uma obra agradável e em vários aspectos cinematográficos primorosa, mas que fracassa em inspirar o espectro de emoções presentes nas muitas sub-histórias e questões levantadas, pinceladas e contornadas nas nuances presentes das páginas do livro. A vibrante e majestosa contracultura parece não ter sido traduzida integralmente.

Vídeo: veja a entrevista com Alice Braga sobre o filme.

É famoso o bastidor da concepção da obra, um surto narrativo que Kerouac colocou no papel em pouquíssimo tempo. Essa espontaneidade some na adaptação. A sensação de liberdade não fica transparente, não fica em relevo na tela da forma como Kerouac fantasiava ao desejar ele mesmo estrelar o longa, tendo Marlon Brando como seu Dean e Francis Ford Coppola (detentor dos direitos de adaptação) encarregado pela direção. Coppola tentou, assim como Gus Van Sant e outros, mas a produção nunca chegou a ir para frente. É uma história de um grupo de jovens que busca experiências acima de objetivos, para os quais o caminho é o ponto de chegada, que clama e anseia por algo diferente do que os espera “dentro da caixinha” conformista. Se o papo soa velho hoje, é porque esse conceito foi vivido ao limite por essa geração, que existia imersa tão intensamente em sexo, drogas, jazz e cultura experimental quanto em décadas seguintes os yuppies mergulharam em trabalho e dinheiro e donas de casa conservadoras investiram em jardins viçosos e bons modos. Eles foram pioneiros do estilo de vida alternativo e o levaram tão a sério que qualquer fuga do status quo hoje acaba sendo motivo de comparação. Essa emoção toda não se traduz em partes do filme, que mesmo com belas cenas acaba ganhando um ar tedioso no que deveria ser espetaculoso, e sem energia no que deveria ser absolutamente vivo e intenso.