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Lollapalooza 2014: Arcade Fire e o fogo que não se apaga

Win Butler quer transformar o grupo na maior banda do mundo – independente de o resto do grupo estar de acordo ou não

Josh Eells / Tradução: Ana Ban Publicado em 02/04/2014, às 11h54 - Atualizado às 12h07

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BIG BAND
(A partir da esq.) Richard Reed Parry, Win Butler, Régine Chassagne, Will Butler, Jeremy Gara e Tim Kingsbury - Mark Seliger
BIG BAND (A partir da esq.) Richard Reed Parry, Win Butler, Régine Chassagne, Will Butler, Jeremy Gara e Tim Kingsbury - Mark Seliger

Win Butler está sempre pronto para uma briga – mesmo que seja com o público. “Eu me lembro que estávamos na turnê de The Suburb, e fomos chamados para tocar no festival de Montreux, na Suíça”, conta o líder do Arcade Fire, que tocará no Brasil nos dias 4 e 6 de abril (no Rio de Janeiro e em São Paulo, no festival Lollapalooza, respectivamente). “Já tínhamos tocado no país algumas vezes, e havíamos estabelecido a regra de nunca mais voltar lá. Os shows foram tão horríveis, e as pessoas eram tão ricas e mimadas...”

Vídeo: Arcade Fire faz nova cover de Stevie Wonder.

“Chegamos a Montreux, e não nos demos conta de que ficava na Suíça”, Butler prossegue. “E, porra, foi o pior público para o qual já tocamos. As pessoas não davam nada. Era só um buraco negro. Então, eu comecei a forçar. Antes de cada música, eu falava tipo: ‘...e esta é a última vez que tocamos esta música na Suíça!’ Eu só estava tentando fazer o público levantar.”

Butler está no térreo do hotel onde a banda está hospedada, em Nova York, empurrando o filho de um lado para o outro no carrinho. O menino – cujo nome o músico e a mulher dele, Régine Chassagne, também integrante do Arcade Fire, preferem não divulgar – só tinha 6 meses na época desta entrevista, mas já pesava tanto quanto um bebê com o dobro da idade. “Estamos torcendo para que ele seja pivô”, diz o pai da criança, um amante do basquete. “Deixe-me mostrar a minha brincadeira preferida. Eu chamo de iBaby.”

Ele tira o filho do carrinho e começa a apertar a barriga dele como se fosse um teclado. “Bip, bup, bup, bip, bup”, diz. Ele ergue o bebê até a orelha. “Sim, quero pedir uma pizza grande, por favor. Certo, posso esperar. Vou checar o meu e-mail bem rapidinho.”

Butler afasta o bebê da orelha e começa a passar os dedos na barriga dele, como se estivesse olhando e deletando os e-mails no telefone. A criança dá risada. “Ele adora isso!”, ele fala, empolgado. Então, uma das babás o leva para fora, para um passeio. (Régine, que divide a liderança da banda, não se mostra assim tão carinhosa em público, mas talvez seja porque ela tem passado todas as noites com o bebê, compartilhando a cama de hotel com ele para que Butler possa ter uma noite inteira de sono em outro quarto.)

Esse é o tipo de coisa com que Butler sonha desde que pensou em montar uma banda: tocar junto com a mulher e o filho na estrada. O avô materno dele, Alvino Rey, líder de big band e virtuose da guitarra pedal steel, que tocou com Dean Martin e Elvis Presley, costumava se apresentar com a avó de Butler, Luise Rey, que cantava em um grupo chamado King Sisters. Às vezes, a mãe de Butler, Liza, também cantava. “É meio parte da nossa herança”, diz o irmão mais novo de Butler, Will, um dos guitarristas do Arcade Fire. “A banda em família.”

Os dois garotos Butler nasceram em Truckee, na Califórnia, mas, quando o pai passou a trabalhar com petróleo, a família acabou se mudando para o Texas. Depois de estudar na Phillips Exeter Academy, em New Hampshire, mesmo internato onde o pai foi educado, Win Butler se matriculou na faculdade Sarah Lawrence para se formar em fotografia. Mas logo percebeu que detestava aquilo. “A ideia de criticar os colegas, de ficar falando da arte uns dos outros... eu simplesmente achava isso inútil”, afirma. “Não quero falar da foto de merda de outra pessoa, e nem que alguém que eu não respeito venha falar o que pensa da minha.” Ele largou a faculdade depois de um ano e se mudou para Boston com um amigo; passado um tempo, foi com o mesmo amigo para Montreal, onde formaram a banda que viria a ser o Arcade Fire.


“A primeira vez que eu vi o Arcade Fire foi em um loft em Montreal”, lembra Tim Kingsbury, guitarrista e baixista da banda. “Eram Win e Régine, dois bateristas, um cara chamado Myles tocando guitarra e uma garota chamada Anita tocando harpa. Só me lembro de 30 pessoas sentadas no chão, e de que Win era superalto e imponente e se avultava por cima de todo mundo. A primeira vez que nos falamos foi quando ele e Régine foram a um show da minha banda. Depois, ele veio falar comigo: ‘Gostei muito daquela segunda música, mas você provavelmente deveria cortar o último verso’. Imediatamente, ele começou a nos orientar. Eu fiquei tipo: ‘Quem é esse cuzão?’”

Havia muita gente que entrava e saía no começo do Arcade Fire. Em um show, o ex-baterista errou uma das entradas e Butler começou a berrar “Não! Não! Não! Não!” para ele, no ritmo da batida – o que fez o baterista derrubar a bateria no palco. (Ele também deixou a banda.) O elenco de personagens foi mudando ao longo de toda a primeira metade da década de 2000, com Régine e Butler sempre no núcleo. Mas, depois da adição de Kingsbury, o baterista Jeremy Gara e o tecladista/ guitarrista Richard Reed Parry, o line-up pareceu se solidificar.

Butler administra a banda como uma espécie de ditadura democrática, em que todos os integrantes são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros. “Win tem a voz mais alta, com certeza”, Parry diz. Butler não pede desculpas por seu estilo de administração. Meio de piada, ele se refere à equipe como seus “funcionários” e compara seu papel ao de um diretor em um set de filmagem. “Quando você faz O Senhor dos Anéis, deve ter umas 500 pessoas construindo um vilarejo orc que custa US$ 10 milhões. E digamos que ele acabe sendo cortado do filme”, ele compara. “Isso é uma merda se você passou seus meses trabalhando naquele vilarejo – mas, mesmo assim, vou cortar o vilarejo orc.” Dito isso, ele completa: “Não penso nem por um Segundo que eu poderia fazer isso sem todos os outros. Porque isso é muito maior do que apenas a soma das partes”.

Régine e Win Butler se acomodam para almoçar no restaurante preferido deles em Miami, uma casa haitiana em South Beach chamada Tap Tap. Ela foi criada em um subúrbio pobre de Montreal, filha de dois imigrantes do Haiti, e a banda transformou a ilha caribenha em uma causa própria. Régine foi uma das fundadoras de uma ONG chamada Kanpe – “levante-se”, no idioma creole –, que ajuda os haitianos que vivem na zona rural a ter acesso a serviços médicos e educação. Um dólar/euro/libra de cada ingresso que a banda vende vai para uma organização de auxílio humanitário no Haiti chamada Partners in Health (Parceiros na Saúde).

A cantora e instrumentista manda ver no banquete que está na mesa: porco frito, cabrito assado, filé de linguado, arroz, feijão e pão de milho. Fica claro que ela não gosta de ser entrevistada, como se o fato de explicar coisas sobre si mesma e sobre sua arte vá estragar a magia. Quando menina, ela era uma prodígio da música que aprendeu sozinha, de ouvido, a tocar parte de uma sinfonia de Mozart em um órgão elétrico velho que encontrou no porão da família. Mas, quando estudou música na faculdade (foi seu segundo curso superior, depois de se formar em comunicação), ela largou os estudos por motivos parecidos com os de Butler.

“As aulas estavam me deixando louca”, Régine conta. “Você tem que compor um monte de lições, mas o que vai fazer com a música de merda que só compôs para a lição? No meu 3º ano, o professor falava: ‘Então, para a próxima quinta, componham um blues de 12 compassos’. Pensei: ‘Para mim, deu’. Já existem blues de 12 compassos suficientes no mundo. Tenho outras coisas a fazer.”

Ela e Butler se conheceram na Universidade McGill, em 2001. Mais ou menos na mesma época, ele a viu cantar jazz em uma galeria de arte e a convidou para tocar com ele; achando que ele só estava dando em cima, ela o dispensou. Régine diz que ele ligou cinco vezes antes de finalmente a convencer a tocarem juntos e, para isso, ela vestiu suas calças jeans mais feias e deixou o cabelo bem desarrumado. Mas eles acabaram compondo uma música juntos naquela noite, saíram para um primeiro encontro de fato pouco depois (para assistir ao filme O Tigre e o Dragão), ficaram noivos em uma festa de Ano-Novo e se casaram no verão de 2003 em uma fazenda perto de Montreal. No ano seguinte, o primeiro álbum do Arcade Fire foi lançado.


Para Reflektor, o mais recente disco da banda, Régine queria capturar um pouco da energia do Haiti – misturar o tom orquestral alegre que é a marca registrada do Arcade Fire com alguns grooves caribenhos antigos. “Eu tinha uma ideia sobre batidas híbridas”, ela conta. Os integrantes da banda passavam horas experimentando músicas, tentando fazer o quadril de Régine se mexer. Quando ela começava a dançar, eles sabiam que estavam no caminho certo. “Eu estava deixando todo mundo maluco”, ela afirma. (“Não tem essa coisa de deixar maluco”, o baterista Gara explica, com diplomacia. “Régine é assim: ‘Eu tenho uma ideia muito forte, então vamos correr atrás dela’.”)

Régine sorri. “Eu só preciso dançar, certo?”

Em um sábado, a banda pega um avião para a Califórnia para se apresentar no Bridge School Benefit, evento anual organizado por Neil Young. No backstage do anfiteatro Shoreline, em Mountain View, o clima é de utopia pós-hippie. Graham Nash bate papo com os rapazes do My Morning Jacket, e David Crosby – que usa uma camiseta do Crosby, Stills, Nash and Young – conversa com Butler e o ator Tim Robbins. “Eu me sinto tão baixinho perto de vocês!”, Crosby diz. Butler olha para Robbins e os dois, de brincadeira, se ajoelham.

Depois da passagem de som, Butler passa um tempo jogando pingue-pongue com seu técnico de guitarra, Tyler Messick. Butler é um jogador feroz, com saque matador; durante uma partida, ele dá um mergulho tão radical que rasga a calça. Messick diz que Butler realmente odeia perder: “Ele trapaceia, muda o placar. Pode até virar a mesa”.

Naquela noite, o principal líder do Arcade Fire fazia uma piada no camarim sobre “problemas de gente branca” quando alguém de repente bateu na porta. “Falando em gente branca...”, Butler diz, sorrindo. “Neil Young!” Young passou ali para ensaiar uma música inédita do Arcade Fire que iria tocar com eles nessa noite. A música veio a Butler em um sonho: ele acordou, cantou em um gravador e, quando a escutou na manhã seguinte, percebeu que soava igualzinho a uma canção de Neil Young. Ele, Régine e Young a ensaiam algumas vezes, com Butler dedilhando um violão, Régine batucando com os dedos em um estojo de violino, Young uivando em sua gaita com o roadie ali por perto. “Legal!”, o veterano exclama quando eles terminam. “O som de vocês é ótimo, cara. Vocês são ótimos.”

Antes do show, no backstage, Parry analisa como é viver uma rotina como a que os integrantes têm hoje. “Quanto mais tempo somos uma banda, mais é doloroso ver por que a maior parte das bandas não dura”, diz. “Essa é provavelmente a natureza de qualquer coisa que começa pequena e com direção própria, e se torna maior e corre o perigo de deixar de ter direção própria.”

No dia seguinte, a banda pega um avião para Los Angeles. Na última noite na cidade, se apresenta no Hollywood Palladium, um teatro art deco em Sunset Boulevard. Reflektor tinha saído dois dias antes, e a maior parte das críticas foi positiva. Mas a que ganhou mais atenção, no jornal The Washington Post, com toda certeza não foi. “Olhe, tenho certeza de que eles são pessoas legais”, dizia a resenha, “mas, em seu quarto álbum (...) o Arcade Fire ainda soa como uma banda de gigantescos babacas com uma vida sexual bem chata.”

“É, eu li”, Butler afirma, com a testa franzida. “Não quero dizer que foi racista, mas foi levemente sem educação.” Ele ficou especialmente incomodado pelas três piadas sobre os novos bongôs da banda, ressaltando (com razão) que um critic de música profissional deveria saber que eram congas, e não bongôs. Ele também afirma que pode haver certo amargor no texto: “O cara que escreveu essa crítica tocava em uma banda para a qual a gente costumava abrir [Chris Richards, do extinto grupo Q and Not U]. Parece existir um pouco de conflito de interesses”.

Mas quando pergunto, de brincadeira, se ele gostaria de confirmar se é um gigantesco babaca, Butler revira os olhos. “Sei lá”, ele responde, com a voz destilando sarcasmo. “Eu sou um superbabaca porque toco com David Bowie. Bruce Springsteen quer fazer cover das minhas músicas porque eu sou o maior babaca. Eu não sou babaca”, ele diz, com sinceridade. “Eu sou uma porra de um astro do rock.”