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Maloca Dragão 2017: recorde de público e homenagem a Belchior marcaram a 4ª edição

Antônio do Amaral Rocha, de Fortaleza Publicado em 04/05/2017, às 18h10 - Atualizado em 06/05/2017, às 12h22

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Homenagem a Belchior no Maloca Dragão 2017 - Lia de Paula
Homenagem a Belchior no Maloca Dragão 2017 - Lia de Paula

A quarta edição do Festival Maloca Dragão 2017 aconteceu de 25 a 30 de abril em 20 espaços do Centro Cultural Dragão do Mar, realizando atividades variadas de afirmação da cultura cearense (teatro, dança, circo, literatura, exposições e, especialmente, música). Foram 130 atrações entre projetos convidados e outros selecionados a partir de um total de 700 inscritos, que concorreram através do "democrático modelo de chamada pública", como definiu o antropólogo Paulo Linhares, atual presidente do Instituto Dragão do Mar, durante uma coletiva com os jornalistas e programadores de festivais chamados para acompanhar o evento.

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Circularam pelo espaço diariamente cerca de 75 mil pessoas, totalizando 450 mil nos seis dias de atividades, segundo estimativa dos organizadores. Entre tantas atrações, a reportagem da Rolling Stone Brasil selecionou shows diversos apresentados a partir do dia 28.

O palco Draga Dragão foi o que teve o maior público nesta edição, recebendo cerca de 20 mil pessoas nos momentos de pico. Foi o que aconteceu no horário nobre da noite do dia 28, no show de Nayra Costa, que após de ter passado pela experiência de participar do programa The Voice Brasil, em 2012, e ter desenvolvido projetos autorais em Fortaleza, desponta como uma poderosa voz da música cearense que mistura reggae, jazz, rock e MPB. Tudo isso está presente no repertório do disco Nayra Costa & Los Flenky’s Boys, que foi oficialmente lançado naquele dia. Nayra já tem uma legião de admiradores, como foi possível notar pela calorosa receptividade ao show que realizou.

O palco Praça Verde foi o único que teve limite de público, devido ao tamanho do espaço. Por questões de segurança, não podia ultrapassar 7 mil pessoas. E foi esse número de fãs que venerou por cerca de uma hora e meia aquela que é a banda do coração dos moradores da cidade, o Cidadão Instigado, liderada pelo já lendário Fernando Catatau. A performance serviu também de lançamento da turnê comemorativa dos 20 anos da banda, então o repertório foi selecionado a partir dos festejados cinco discos da trupe, com destaque para Uhuuu! (2009) e o mais recente Fortaleza, de 2015. O momento mais marcante do show se deu com a faixa viajante e cheia de referências psicodélicas “Homem Velho”, presente em Uhuuu!

Ainda nesta primeira noite, novamente no palco Draga Dragão, a rapper curitibana Karol Conka (capa da edição 127 da Rolling Stone Brasil) arrastou uma multidão de 15 mil pessoas para sua apresentação. Foi mais um show de forte afirmação do empoderamento feminino, já delineado no disco Batuque Freak, de 2013, e com algumas músicas novas do álbum Ambulante, de 2017.

Conexões Maloca

Com curadoria de Priscila Melo, Heloísa Aidar e Melina Hickson, nesta edição o Conexões Maloca inovou e propôs uma experiência inversa à da edição de 2016. Em vez de mesas com especialistas discorrendo sobre temas ligado à produção e divulgação da música, com o público sendo composto por artistas e produtores interessados, desta vez a plateia foi formada pelos dezoito programadores e os cinco jornalistas convidados. Durante as tardes dos dias 29 e 30, cerca de 34 artistas ou seus representantes participaram de um Speed Meeting, apresentando e divulgando seus trabalhos e projetos diretamente para esse público especializado. Cada artista teve de 4 a 5 minutos para a fala e distribuição de materiais promocionais e contatos. Participaram desde bandas e músicos já conhecidos como Daniel Groove, Paula Tesser, Geraldo Junior, Lorena Nunes e o veterano sanfoneiro Luizinho Calixto, até outros de menos evidência, como Projeto Rivera, Subcelebs, Nafandus entre outros.

Na segunda noite, 29, o palco Draga Dragão recebeu o show do quarteto de Fortaleza Projeto Rivera, com músicas do álbum Eu vejo Você, que faz uma mescla de rock e ritmos regionais. A banda, que tem se apresentado pelas cidades do nordeste, tem boa presença de palco, ótimo suingue nas guitarras e, a julgar pela receptividade, terão lugar garantido em futuros festivais.

Logo em seguida, ainda no palco Draga Dragão, As Bahias e a Cozinha Mineira, de São Paulo, fizeram uma apresentação que acabaria por revelar uma premonição. Mostraram canções do disco Mulher e, quase ao fim do show, resolveram homenagear um compositor da terra. A vocalista Raquel Virgínia cantou as primeiras estrofes de “Na Hora do Almoço”, de Belchior, logo reforçada pela poderosa voz de Assucena Assucena. Jamais poderiam imaginar que, horas depois, o coração do desaparecido compositor pararia de bater em Santa Cruz do Sul, uma cidadezinha remota do Rio Grande do Sul. Na manhã do domingo, 30, com a chegada notícia, o festival Maloca Dragão já não seria mais o mesmo e o público acabaria por experimentar emoções nunca antes imaginadas a partir daquela noite, quando iniciaria um ciclo de homenagens que se estenderia por toda a segunda, 1, e a manhã da terça, 2.

Quem tinha a intenção de ver o show da Tribo de Jah, do Maranhão, teve que penar pelo menos 15 minutos para atravessar a multidão presente no espaço de 300 metros que separa o palco Draga Dragão do palco Praça Verde. E chegando lá já encontrou o lugar totalmente ocupado por quase oito mil pessoas. A banda celebrou os 30 anos de estrada com o show Confissões de um Velho Regueiro, que faz uma espécie de revival da carreira. Mas se o clima no palco era de celebração, o mesmo não parecia acontecer no meio do público, que a essa altura já estava amplamente embriagado. Quem ousou caminhar entre os corpos colados ouviu diversos tipos de assédio.

De volta ao palco Draga Dragão, era a vez da única atração internacional da festa, La Yegros. A cantora de Buenos Aires apresentou uma miscelânea explosiva de ritmos latinos, funk, dub, cumbia e rap, com proposta radicalmente dançante, ao som inusitado de acordeão, guitarra e percussão, efeitos eletrônicos, além de uma voz poderosa. Ela cativou rapidamente uma plateia que estava disposta a entrar na onda.

Para encerrar a noite do segundo dia, já na madrugada de domingo, 30, no palco Nublu Estoril, aconteceu o show de mais um projeto instrumental integrado pelo guitarrista Fernando Catatau. A banda de nome Praia Futuro, que reúne Catatau (guitarra), Yury Kalil (bateria), ambos do Cidadão Instigado, Dengue (baixo), do Nação Zumbi, e o sueco Ilhan Ersahin (sax e teclados), tocou oito faixas que exploram sonoridades inspiradas no viajante rock setentista, mas com toques futuristas e longos improvisos. Foi a primeira vez que a grupo se reuniu para tocar depois de gravar o álbum, há sete meses, conforme revelou o baterista Kalil, quando recebeu os jornalistas, no dia seguinte, para apresentar seu estúdio e comemorar a apresentação.

Com a notícia da morte de Belchior se espalhando, aquele domingo, 30, deveria ser especial para o Maloca Dragão. Os organizadores informaram que algo inédito estava sendo preparado para aquela noite. No fim da tarde foi divulgado aos jornalistas e pelas redes sociais que aconteceria um encerramento chamado Viva Belchior, Tributo dos Artistas Cearenses ao Rapaz Latino-americano. Mas antes o público ainda teve a oportunidade de assistir à apresentação do BaianaSystem, de Salvador, coletivo liderado pelo vocalista Russo Passapusso. Talvez pela expectativa do que viria a seguir, a banda se superou e fez um dos shows mais contagiantes de todo o festival, um verdadeiro carnaval de rua confinado no palco, com mensagens políticas libertárias na forma de axé, frevo, samba e muito groove.

Marcado para ter início à meia-noite, o show-tributo a Belchior começou com mais de uma hora de atraso, mas tudo plenamente justificado. Foi uma verdadeira missão de urgência reunir 18 intérpretes e banda em menos de 12 horas e colocar uma performance azeitada no palco, que foi o que aconteceu. A apresentação incluiu até programação visual com projeções, e tudo feito sem muito tempo para fazer um ensaio mais apurado. Veja abaixo quais artistas interpretaram quais faixas no tributo.

1 - "Pequeno Perfil de um Cidadão", com Fernando Catatau, Ericson e Cristiano Pinho

2 - "Conheço o Meu Lar", com Ericson e Moacir Bedê

3 - "Medo de Avião", com Daniel Peixoto e Ericson

4 - "Velha Roupa Colorida", com Rodger Rogerio

5 - "Galos, Noites e Quintais", com Mona Gadelha

6 - "Na Hora do Almoço", com João do Crato

7 - "Coragem Selvagem", com Marcus Café

8 - "Sujeito de Sorte", com Paula Tesser

9 - "Apenas um Rapaz Latino-americano", com Soledad

10 - "Madalena", com Ricardo Guilherme

11 - "Pequeno Mapa do Tempo", com Lorena Nunes

12 - "Paralelas", com Lúcio Ricardo

13 - "Comentários a Respeito de John", com Lídia Maria

14 - "Alucinação", com Rodrigo Ferreira

15 - "Mucuripe", com Chico Pio

16 - "Todo Sujo de Batom", com Humberto Pinho

17 - "Como Nossos Pais", com Nayra Costa

18 - "A Palo Seco", com Daniel Groove

A homenagem terminou com todos os participantes de volta ao palco, acompanhando Daniel Groove e cantando “A Palo Seco”, com as emoções nas alturas.

Depoimentos

Nos bastidores, os artistas relembraram Belchior

Russo Passapusso, vocalista do BaianaSystem: “Cada vez mais eu caminho com a poesia para ela ser o espelho da minha vida, e diante disso um dos maiores exemplos e referências é a MPB na pessoa de Belchior. Quando estava começando a compor sem o violão, fiz algo montando lembranças, memórias afetivas, e a música começou a sair parecida com as coisas do Belchior. Logo entendi qual era ao poder dessa música que tem a ferida aberta, que fala, que se expõe, que se mostra, e o quanto a gente se entrega quando faz uma canção assim. Belchior é uma referência e um aprendizado”.

Fernando Catatau, guitarrista: “É um momento muito triste porque Belchior foi o maior poeta do povo comum. Ele sabia muito bem a linguagem das pessoas, do cidadão da rua, ele era um poeta marginal. Eu admiro demais a poesia dele. Estamos tristes, mas estamos aqui comemorando a elevação do espírito dele. É um momento de comemoração pelo que ele foi, pela sua história. Eu espero muito que ele estivesse feliz nesses momentos em que se retirou, porque isso é algo de cada um. Ninguém tem que estar sob os holofotes toda hora. Belchior, além de tudo isso, foi um cearense que falava a nossa linguagem e traduzia muito a nossa alma, a alma do cearense. E isso é uma coisa que a gente leva para a vida. Não tem como ser cearense daqui de Fortaleza e não ter todas as músicas do Belchior na cabeça. É algo muito profundo na nossa criação musical, para qualquer um, tocando ou não tocando”.

Daniel Groove, cantor: “Estávamos muito felizes encerrando um evento que vem repetidamente ressignificando o que temos feito aqui no Ceará, e aberto espaço para muitos colegas do Brasil inteiro. De repente, chegou a notícia da morte de um dos maiores compositores de todos os tempos, não do Ceará, não do Brasil, mas do mundo, que é Belchior. Eu, como cearense que fiz esse êxodo para o sudeste, posso dizer que ouvi lá as canções de Belchior e elas foram companheiras de um momento que eu chamo de quase um exílio. Um canto estranho, uma Pasárgada que a gente criou. E daí eu ouvi o que esse cara escreveu, falando da nossa terra, da saudade, de estar em São Paulo. O cara falou de uma coisa tão íntima e tão próxima. Esse que eu acho que é o papel do compositor. São coisas pessoais, mas que podem dizer respeito a cada um de nós. Nesse aspecto talvez ele seja um dos maiores. Para mim, ele é o maior. Eu não estudei Belchior, eu vivi Belchior. É aquela influência que não é estética, de laboratório ou de pesquisa, ela é sensorial”.

*O repórter viajou a convite da produção do Festival Maloca Dragão