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Mesmo sem Sean Penn, Colegas estreia nesta sexta, 1º

O diretor Marcelo Galvão conta que teve dificuldade em conseguir financiamento, porque diversas empresas não queriam associar o nome a um projeto relacionado à síndrome de Down

Stella Rodrigues Publicado em 01/03/2013, às 09h39 - Atualizado às 16h14

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Colegas - Reprodução/vídeo
Colegas - Reprodução/vídeo

Quem não tinha ouvido falar de Colegas antes de 6 de fevereiro – embora ele já tivesse sido extensamente premiado à época –, certamente não conseguiu escapar do filme depois disso. Faltando pouco menos de um mês para a estreia do filme em circuito, uma campanha promovida pela hashtag #vemSeanPenn disseminou pela internet um vídeo que pedia ao ator norte-americano que viesse ao Brasil realizar o sonho do protagonista Ariel Goldenberg, fã dele desde criança, que gostaria de assistir à estreia de Colegas ao lado do ídolo. Assim como tudo que ultrapassa a barreira dúbia do viral, o vídeo (assista abaixo) gerou burburinho, elogios, críticas e paródias. Alcançou alguns veículos dos Estados Unidos, mas não adiantou. Sean Penn não veio. De qualquer forma, Colegas chegará às salas de cinema nesta sexta, 1º, cercado de reconhecimento em festivais importantes, como o de Gramado e a Mostra de Cinema de São Paulo, além de lembrado como o filme do viral do Sean Penn. Ainda que a intenção não tenha sido essa, o sonho de Ariel, portador de síndrome de Down, serviu para ajudar a disseminar ainda mais o nome da produção.

O roteiro do longa é simples. Bobo, até. E cíclico, quase respeitando a dinâmica de sitcoms em sua rotina de piadas. Apesar de a premissa ser terna e cativante, o roteiro não segura o filme. Na verdade, o destaque dele está muito mais nos bastidores de sua realização, já que se trata de uma iniciativa praticamente inédita no Brasil, a de colocar atores com Down como protagonistas. Fora isso, há a vistosa fotografia do filme, todo rodado em película, que encanta a cada cena. A trama do road movie: três garotos internos de uma instituição que cuida de jovens com Down resolvem fugir de lá para realizar seus sonhos. Aninha (Rita Pokk) quer se casar; Stalone (Ariel Goldenberg, que é casado com Rita na vida real) acredita que encontrará seus pais no mar e Márcio (Breno Viola) quer voar.

O diretor Marcelo Galvão, egresso da publicidade, falou à Rolling Stone Brasil sobre os desafios que encarou com essa produção e, por outro lado, disse que foi mais fácil do que costuma ser. “Eles favorecem a dramaturgia”, explica sobre os atores. “O lúdico é muito presente neles. Se você fala que ele é um gênio, em dez segundos ele se transformou em um gênio, como criança faz. Não precisa recorrer a técnicas de atuação. Por outro lado, eles têm muita disciplina, o que é bom e ruim, porque muita coisa dá errado em uma filmagem”, define, explicando que no frigir dos ovos a dificuldade principal que teve foi com a dicção dos atores em algumas cenas “Às vezes ficava difícil de entender, mas se o sentido da cena tinha sido transmitido, sentia que não tinha problema.”

Os laços criados foram muito fortes. Galvão, que tinha um tio com Down, conta que os três atores, todos adultos, embora interpretem adolescentes no longa, sentem falta da rotina de filmagem e “dos paparicos e calor humano que tinham. Eles ligam 20 vezes por dia na produtora”. Essa ligação pessoal do cineasta com a síndrome de Down fez com que ele inserisse diversos detalhes ligados ao universo do tio no roteiro, a começar pelo nome, Márcio. “Isso do sonho de se casar era dele. Aliás, muitos jovens com Down têm esse sonho porque significa a independência”, conta.

A outra base do roteiro é uma espécie de homenagem a grandes produções hollywoodianas. No início da trama, o trio principal aparece trabalhando na locadora da escola onde vivem. Eles são amantes do cinema – especialmente Stalone, como o nome indica. Sendo assim, recitam falas famosas da história da sétima arte em meio a seus diálogos – às vezes, até em excesso. “Tinha muito mais referência no roteiro, originalmente. Eu utilizei isso a princípio porque, na vida real o Ariel e a Rita sabem tudo de cinema, sabem o nome de fotógrafo de filme obscuro. Vão todo dia ao cinema”, diz. Além disso, havia uma preocupação de ordem prática. “Queria ter uma desculpa caso alguma fala soasse forçada. Eles estariam recitando aquilo de forma decorada, como viram no filme.” No fim, o diretor notou que o artifício se fez menos necessário do que se pensava, mas muitas referências ficaram, não só no diálogo, mas também nos personagens secundários (os policiais que perseguem a trupe pelo país só faltam se alimentar apenas de rosquinhas), na fotografia e na cenografia.

A fotografia que, como mencionado, é o grande trunfo da produção e teve inspiração direta em Forrest Gump – O Contador de Histórias. “Quando brifei o fotógrafo, disse: ‘Quero fazer um filme com planos abertos, grande. Nada gelado, nada novela. Cada frame tem que parecer um quadro, temos que procurar as melhores locações e ter um figurino de acordo com essa proposta’”, conta. “Nossa maior preocupação era essa, algo bonito, com ares de megaprodução.”

Os policiais, aliás, podem ser lidos de mais uma forma. Além do clichê do cinema, os dois broncos representam dentro da história o preconceito da sociedade com o Down, pelo menos a princípio. “Conforme o filme passa, eles percebem que os garotos são espertos, dão um balão neles. Aí a visão muda: em vez de querer prender, os policiais começam a ficar fãs dos garotos. Aí passam a querer proteger os três.”

Mesmo com todos esses aspectos edificantes, Galvão conta que teve dificuldades para conseguir financiamento. Em uma realidade em que cada vez mais as empresas querem se mostrar responsáveis em aspectos sociais, ecológicos e culturais, o diretor recebeu o não de diversas companhias que não queriam associar a marca a essa temática. “Por mais que eu falasse que era um filme para cima, sobre superação, amizade, uma aventura, empresas e pessoas muito grandes do cinema me mostraram uma visão muito preconceituosa: ‘Quem vai querer ver um filme sobre síndrome de Down?’ E isso mesmo depois de ele ganhar vários festivais”, conta o cineasta, revelando que houve tanto um temor de se associar ao Down quanto uma preocupação normal de mercado de que o investimento não gerasse retorno.