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Nick Cave busca intersecção entre o real e o imaginário no “docudrama” 20.000 Dias na Terra

Longa que narra o vinte milésimo dia da vida do músico estreia no Brasil nesta quinta, 12

Lucas Brêda Publicado em 12/02/2015, às 18h40 - Atualizado às 19h58

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Nick Cave escreve em cena de <i>20.000 Dias na Terra</i>  - Reprodução
Nick Cave escreve em cena de <i>20.000 Dias na Terra</i> - Reprodução

“No fim do século 20, deixei de ser um ser humano”, diz Nick Cave em uma das primeiras cenas de Nick Cave – 20.000 Dias na Terra, longa que estreia nesta quinta, 12, no Brasil. Ao narrar o vinte milésimo dia de sua vida, o músico australiano explora a dicotomia entre ficção e realidade – tanto na estética quanto no conteúdo – que faz dele próprio, ao mesmo tempo, um mítico poeta do rock e um ordinário pai de família.

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20.000 Dias na Terra não é documentário nem drama. Guiado em primeira pessoa, o filme traz no enredo um dia comum na vida de Nick Cave, em que ele conversa com amigos, relembra o passado, assiste a Scarface com os filhos, escreve, compõe e grava o que viria a ser o álbum Push the Sky Away, lançado em 2013.

Apesar de apresentar a “vida real” do músico, 20.000 Dias na Terra não contém os clichês dos documentários, como depoimentos de familiares, amigos e desafetos do australiano. Pelo contrário, as entrevistas são feitas pelo próprio Nick Cave no formato de conversas casuais com figuras como a estrela pop Kylie Minogue (que já colaborou com Cave) e o ex-companheiro de Bad Seeds Blixa Bargeld (com quem discute de forma instigante a saída dele da banda) em passeios de carro.

Além de retratado principal, Nick Cave é o protagonista do filme, consciente da própria obra e sem os melindres que costumam cercar os ícones do rock. Em conversas reveladoras com o psicanalista, ele destrincha aspectos das composições que remetem a um universo irreal, repleto de personagens fictícios que são, em grande parte, projeções das memórias da infância do australiano.

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Cave chega a comentar que acredita em um tipo de Deus no mundo de suas composições, mas não na vida real. Com o desenrolar das perguntas do psicanalista, é possível perceber que o “Deus” a observar as ações dos personagens de Cave é uma representação clara da presença do pai do músico, que morreu quando ele tinha 19 anos. Em momentos como este fica claro que o longa, apesar de contado em primeira pessoa, não perde em profundidade em relação aos documentários “não autorizados”.

O único aspecto da vida íntima de Nick Cave pouco apresentado no filme é a vida amorosa do músico. Casado com Susie Bick desde 1999, ele pouco menciona a esposa, sequer comenta dos antigos romance (com exceção do primeiro deles), como o casamento com a jornalista brasileira Viviane Carneiro, com quem ficou por seis anos na década de 1990.

“Eu acordo, eu escrevo, eu como, eu vejo TV”, diz ele, ao se apresentar. Seja com as teclas do piano ou da máquina de escrever, Cave está constantemente em busca do “brilhante momento em que realidade e imaginação se encontram”. É deste modo que ele rege o Bad Seeds em uma emocionante performance de estúdio de “Higgs Boson Blues” (vídeo acima), quando a faixa de Push the Sky Away ainda estava sendo criada.

Crítica: Nick Cave and The Bad Seeds – Push the Sky Away.

É este estado de composição, aliás, que Cave revela ser seu favorito – quando a canção ainda não foi completamente formada. Após declarações como esta, fica mais fácil entender o mistério presente em músicas de toda a carreira do australiano.

Outro momento em que o Cave da vida real se encontra com o mito é em cima do palco. “Vivo para isso”, diz ele no trailer. “Tem algo que acontece e você é transportado”. Unindo em uma única cena a essência do filme, 20.000 Dias na Terra chega ao fim com Nick Cave e o Bad Seeds apresentando “Jubilee Street” em um show na Austrália. “I’m transforming, I’m vibrating, I’m glowing, I’m flying, look at me”, canta Cave.

Para quem não conhece Nick Cave, 20.000 Dias na Terra é uma introdução profunda e comovente ao mundo do australiano. Para quem acompanha o prolífico trabalho dele ao lado do Bad Seeds, o longa é uma autobiografia genuína e incomum, levada às telas pelas lentes sensíveis dos diretores Iain Forsyth e Jane Pollard. Um filme à altura do artista.