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Niilista, Foals profetiza o fim dos tempos em novo disco

A banda de Oxford retorna mais potente e ousada com Everything Not Saved Will Be Lost Part I

Igor Brunaldi Publicado em 11/03/2019, às 08h00

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Banda inglesa Foals (Foto:Alex Knowles/Divulgação)
Banda inglesa Foals (Foto:Alex Knowles/Divulgação)

Na última sexta, 8, a banda britânica Foals lançou Everything Not Saved Will Be Lost Part I, quinto disco nos 14 anos de existência do grupo formado em Oxford por Yannis Philippakis (vocal e guitarra), Jimmy Smith (guitarra), Jack Bevan (bateria) e Edwin Congreave (sintetizadores).

Como fica claro pelo título, o trabalho é a primeira metade de um projeto maior. A segunda parte ainda não tem data de lançamento definida.

O Foals se apresenta no Lollapalooza Brasil 2019, na sexta, 5 de abril, primeiro dia de festival.

Qualidade versus quantidade 

Ao longo de sua relativamente curta, embora consistente discografia, é possível perceber uma notável mudança na forma como a banda consegue, ao mesmo tempo, variar e aperfeiçoar a sonoridade que inauguraram em Antidotes (2008).

O álbum de estreia é repleto de hinos do math rock perfeitamente compostos para serem cantados em uma house party alternativa esfumaçada, com o chão encharcado de cerveja e abarrotada de pessoas vestindo camisetas lisas de gola V. Para uma melhor referência, ouça as faixas “Cassius” e “Two Steps, Twice”.

Com o disco seguinte, Total Life Forever (2010), a banda abraçou a seriedade e a introspecção, sem deixar de lado a energia das guitarras tocadas quase sempre abaixo da décima casa. O resultado dessa mudança fica evidente, por exemplo na imponente “Spanish Sahara”.

A quinta faixa do disco é o exemplo perfeito da imersão e da força gradual e explosiva que o Foals consegue criar dentro de uma música com menos de 7 minutos de duração: uma transição entre as águas mais calmas e escuras do fundo do inconsciente, que não aguentam mais esperar para serem externalizadas e finalmente, depois de uma tensão crescente como aquela criada pelo som de uma panela de pressão, se libertam.

Três anos depois, a banda apresentou Holy Fire, disco que trouxe mudanças substanciais à atmosfera de sua sonoridade e também acrescentou elementos que viriam para ficar, como o peso atordoante das guitarras distorcidas nas músicas “Providence” e “Inhaler” que, por sua vez, também estreou vocais mais agressivos e viscerais, em uma pegada quase que punk.

What Went Down (2015) é possivelmente o disco que menos se destaca de toda a trajetória da banda. A distorção retorna na excelente faixa homônima e em “Snake Oil”, mas, tirando isso, o trabalho pareceu refletir uma certa estagnada criativa. O que salta aos ouvidos como um novo elemento é o clima de balada de “Night Swimmers”, atribuído principalmente graças à bateria eletrônica de Jack Bevan e pontes que parecem implorar por um remix (coisa que, a propósito, é muito fácil de encontrar, e alguns são realmente muito bons).

Cada álbum soa como uma interpretação diferente de uma mesma energia que acompanha os britânicos desde o início. Pode não parecer um elogio, mas uma música do Foals sempre vai soar como uma música do Foals. E isso na verdade é muito bom.

Chegamos de volta a 2019. Tudo que foi dito até agora serviu como uma mera introdução para falar do lançamento: pega todas essas características e peculiaridades de cada um dos discos mencionados, multiplica por 100 e você tem: Everything Not Saved Will Be Lost Part I.

Um disco sem produtor

Agora como um quarteto (o baixista Walter Gerves, que fez parte desde o início do Foals, deixou o grupo antes do começo das gravações de ENSWBL), a banda retorna, quase quatro anos após seu disco anterior, mais intensa e expressiva do que nunca.

Eu poderia inserir aqui aquela famosa piada sobre o passar dos anos e a qualidade do vinho, mas vamos pular essa parte.

O número de integrantes não foi a única mudança: esse foi também o primeiro álbum no qual eles não trabalharam com um produtor: quem fez esse papel foi o próprio vocalista, Yannis Philippakis.

Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, o guitarrista Jimmy Smith conta como a nova abordagem foi extremamente desafiadora, mas resultou no disco mais autoral deles, justamente pelo fato do processo criativo inteiro ter sido concentrado única e exclusivamente nas mãos dos quatro músicos. Foi isso também que levou à decisão de lançar dois discos:

“Sem um produtor, descobrimos que é muito fácil travar por ter material demais. E foi por isso que anunciamos dois álbuns. Gravamos muita coisa mesmo. É nessa parte que entraria o produtor: ele se encarrega de olhar para o todo e tomar certas decisões, enquanto você foca apenas em tocar seu instrumento.”

Mas ele afirma que, por outro lado, cada produtor entra no processo com suas próprias ideias, e, inevitavelmente, acaba se introduzindo como uma força bem forte que empurra o projeto para outros caminhos: “Isso se mostrou bem útil para nós no passado, mas não queríamos isso no novo disco”.

Pelo menos a divisão das musicas entre as duas partes veio de forma bem natural. Durante conversas e gravações, “surgiram duas identidades: uma bem mais pesada e centrada nas guitarras, e outra nos sintetizadores, com uma pegada futurista”, explica Smith. 

Ele revela que mesmo depois de finalizarem as gravações, até tentaram selecionar músicas e lançar um disco só, mas não deu certo. Sentiram que as faixas mais pesadas podiam danificar outras que não tinham a mesma pegada, e acabariam com um álbum sem sentido algum. Também cogitaram lançar um só disco enorme, mas “com certeza teria sido um pesadelo”.

Quando questionado sobre a influência que os trabalhos anteriores tiveram no disco novo, Smith conta que olharam bastante para Total Life Forever, pois perceberam, com o passar dos anos, ser o favorito de grande parte dos fãs. “Tem um certo charme, tem algo de especial nele. Não buscamos fazer outro TLF, mas com certeza ajudou muito tê-lo em mente durante o processo.”

Com a satisfação plena em sua voz, e com a felicidade de quem olha orgulhoso para uma obra prima esculpida por si mesmo, ele acrescenta: “É muito bom fazer parte de uma banda em que vocês se surpreendem constantemente com o resultado final das próprias composições”.

De 'Blade Runner' a 'Duro de Matar'

Smith descreve essas primeiras 10 faixas lançadas do “disco duplo” como “uma pegada meio Blade Runner”, por causa da maior ênfase na experimentação com sintetizadores (ele mesmo troca as cordas da guitarra pelas teclas em muitos momentos), enquanto a outra parte, que será lançada na segunda metade de 2019, “está mais para Duro de Matar”.

Essa é uma declaração curiosa, já que ENSWBL Part I é talvez o trabalho mais variado da discografia da banda.

Apesar disso, ares de desesperança e niilismo se mostram constantes e permeiam todo o disco, a começar pelo título. Entre metáforas e descrições despidas de qualquer enfeite, Philippakis retorna com suas letras contemplativas para cantar sobre um mundo a caminho do fim, e no qual só resta a seus habitantes abrir o peito e aceitar o amargor inquietante da destruição eminente.

Os sons sintéticos protagonizam faixas como “On The Luna” e “In Degrees”. A primeira apresenta uma letra trilíngue (com palavras, além do inglês, claro, em italiano e grego, idioma nativo do vocalista) sobre ser um baby boomer solitário.

A segunda, totalmente dançante e até meio tropical, traz elementos que remetem ao som de bandas como LCD Soundsystem, além de incorporar de forma certeira as percussões que, em graus variados, sempre acompanham a banda em cada um de seus trabalhos.

Aquela energia mais agressiva, nascida lá no Holy Fire, dá as caras logo no primeiro terço de ENSWBL Part I, na faixa “White Onion”: uma porrada que atinge os ouvidos sem aviso prévio, e termina de forma tão inesperada quanto começou.

Nela, Yannis atinge o ápice da sua potência vocal enquanto canta, a plenos pulmões, sobre dificuldades para respirar e libertação, acompanhado pela bateria mais violenta do disco, que praticamente implora por um air drumming.

O álbum apresenta algumas das linhas de baixo mais cativantes e marcantes de toda a discografia do Foals (desculpa, Walter), como na excepcional “Syrups”, que também carrega a combinação perfeita entre ambientação sintética e solinhos de guitarra que parecem ter vindo diretamente da era Antidotes.

Durante os 5 minutos e meio de duração da música, os músicos exibem a habilidade que aperfeiçoaram ao longo dos anos: a de criar uma composição crescente, hermética e coesa.

Sundayé uma balada trágico-romântica. Como se fosse a trilha-sonora composta para dois amantes que dançam abraçados e sem pressa alguma, enquanto o mundo ao seu redor pega fogo e sucumbe. Até o último terço da música, em que as cinzas desse mundo carbonizado se transformam em uma pista de dança e, em menos de dois minutos, voltam a desmoronar com a mesma melancolia com que a música começou.

A soturna “Cafe D’Athens” aparece na tracklist do álbum com a função de nos puxar para um vórtex interno ao som hipnotizante de xilofones, marimbas e vibrafones que reverberam em um cômodo vazio e escuro, acompanhados por vocais sofridos que pintam imagens fantasmagóricas: “You see through me in time/And I ride white horses on hills/I long for you/All through bleeding June/Will I reach silent seas?”.

Se a primeira coisa que você lê ao começar a ouvir um disco, é o título, provavelmente a última coisa vai ser o nome da música final, e nesse caso, as duas andam de mãos dadas. ENSWBL Part I termina com um hino mórbido: “I’m Done With the World (& It’s Done With Me)”.

Igualmente ilustrativa e de longe a mais calma de todo o disco, Philippakis canta sobre querer desistir em meio a todo esse colapso: “The fox is dead in the garden/The hedges are on fire in the country lanes/And all I want to do is get out of the rain”, e encerra os 39 minutos de disco com a súplica: “I’m done with the world and it’s done with me/All I wanna do is get up and leave/Sun falls into the garden/I’m on my knees”.

Poderíamos fazer aqui um faixa-a-faixa, mas a imagem já está muito bem pintada. Resta, agora, torcer para que o mundo não termine da maneira profetizada pelo Foals ao longo do disco.

Ou que dure, ao menos, até o lançamento de Everything Not Saved Will Be Lost Part II. Enquanto isso, deixo em looping essa trilha-sonora para acompanhar o fim dos tempos.

Ouça o disco completo aqui.