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Discutindo as drogas

Documentário Quebrando o Tabu, estrelado por Fernando Henrique Cardoso, serve como panfleto cinematográfico para a Comissão Global de Políticas sobre Drogas e tem sucesso na meta de incentivar a discussão sobre a descriminalização

Por Paulo Cavalcanti Publicado em 03/06/2011, às 18h03

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Fernando Henrique Cardoso em cena de <i>Quebrando o Tabu</i> - Divulgação
Fernando Henrique Cardoso em cena de <i>Quebrando o Tabu</i> - Divulgação

Nesta última quinta-feira, 2, a Comissão Global de Políticas sobre Drogas, cujo presidente é Fernando Henrique Cardoso, se reuniu no hotel Waldorf Astoria, em Nova York, e divulgou um novo relatório. Em linhas gerais, o documento se opõem à criminalização, marginalização e estigmatização de usuários de drogas e propõe modelos para regularizar diversas substâncias (especialmente a maconha) e oferecer assistência médica e psicológica a viciados. Tais mudanças, segundo a Comissão, irão ser úteis aos países que perdem muito tempo e recursos lutando contra as drogas. E nesta sexta, 3, um dia depois da reunião, chega às telas brasileiras Quebrando o Tabu, documentário que pretende discutir o polêmico assunto.

O filme dirigido por Fernando Grostein Andrade não deixa de ser um panfleto cinematográfico para a Comissão. Ele argumenta que a droga está presente na sociedade desde tempos de civilizações antigas, como as egípcias e gregas. Obviamente, o consumo aumentou desde então. No começo dos anos 70, quando a juventude mundial ainda vivia a ressaca das drogas alucinógenas popularizadas nos tempos de contracultura, o então presidente norte-americano Richard Nixon anunciou a chamada "guerra às drogas". Os Estados Unidos então intensificaram a campanha, principalmente nos governos dos republicanos Ronald Reagan (1981-1989) e George Bush (1989-1993) que pregavam a tolerância zero. E a Comissão Global de Políticas sobre Drogas acha que tudo isso tem sido um erro.

Fernando Henrique Cardoso e o médico Drauzio Varella são os pontos condutores de Quebrando o Tabu. O ex-presidente do Brasil, que também ajudou no roteiro, visita os Estados Unidos e diversos países da Europa e expõe sua opinião de como a classe política pode ajudar no esforço. Já Varella dá um parecer mais científico e pragmático, explicando como as drogas afetam a saúde e a sanidade dos usuários.

Acima de tudo, o filme pretende reforçar a mensagem de que a chamada "guerra às drogas" é um fracasso que dura 40 anos, desperdiçando recursos e apenas dando mais gás para o crime organizado, que se aproveita da corrupção para fortalecer seu esquema. Segundo a produção, um ponto de partida para a solução seria a descriminalização das drogas, feita de forma gradual, controlada e reforçada com muita informação. O documentário prega que os usuários e pessoas envolvidas perifericamente com o universo das drogas são tratados com severidade desproporcional. Varella cita como exemplo o que acontece no presídio feminino do Carandiru. Segundo ele, jovens e adolescentes são pegas com uma quantidade ínfima de drogas, muitas vezes apenas para fazer favor a seus maridos e namorados. Elas acabam sendo jogadas na cadeia, recebem sentenças duras e aí sim se tornam criminosas depois de expostas ao submundo e a vida carcerária.

Outro depoimento importante é o do escritor e ativista Anthony Papa, que foi pego com uma quantidade de cocaína avaliada em cerca de US$ 500. Ele ficou 15 anos preso em Sing Sing, prisão em Nova York e considerada a mais rígida do mundo. Segundo Papa, mesmo em Sing Sing ele tinha acesso às drogas.

Quebrando o Tabu mostra os exemplos de Portugal, Holanda e Suíça, onde as experiências de descriminalização das drogas têm sido relativamente bem-sucedidas. Na Holanda, existem os chamados coffee shops, onde é possível fumar maconha legalmente. Lá, viciados em drogas pesadas, principalmente em heroína, recebem as substâncias do próprio governo. A quantidade é controlada e as seringas não são compartilhadas, o que evita mortes por overdose e a propagação de doenças. Em Portugal, todas as drogas são descriminalizadas, inclusive as mais pesadas, no entanto, o governo faz um acompanhamento severo e fica em cima dos usuários. Mesmo nos Estados Unidos, que joga tão pesado contra as drogas, a maconha vem sendo cada vez mais usada para fins terapêuticos.

O importante é que Quebrando o Tabu também deixa claro que a realidade do primeiro mundo não pode ser comparada à da América Latina, especialmente em países como Brasil, Colômbia e México, onde os cartéis das drogas exercem um governo paralelo. Bill Clinton e Jimmy Carter, ex-presidentes dos Estados Unidos, e antigos chefes de estado de países como Suíça, e os já citados México e Colômbia, corroboram a visão que a política mundial sobre as drogas tem que ser revista urgentemente. A fita também tem sua cota de figurões que já usaram drogas. O depoimento do ator mexicano Gael Garcia Bernal não acrescenta muito. Já o escritor Paulo Coelho afirma que as drogas têm relevância cultural, dizendo que experimentou um pouco de tudo, mas chegou a um dia em que decidiu parar de vez.

Além disso, Quebrando o Tabu tem o mérito de não apelar para o sensacionalismo. O único momento mais emotivo acontece quando um executivo norte-americano relata a morte de sua filha de 19 anos, após uma overdose.