Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

O Beat Delas (Parte 3)

Nesta edição: Larinhx, Jacquelone, Mayra Maldjian, Raiany Sinara e Rafa Jazz

Nicolle Cabral | @NicolleCabral Publicado em 16/07/2020, às 07h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
O Beat Delas, parte três (DJ Mayra - foto 1: Felipe Gabriel) e Jacqueline Gomes (Foto: Divulgação)
O Beat Delas, parte três (DJ Mayra - foto 1: Felipe Gabriel) e Jacqueline Gomes (Foto: Divulgação)

Há exato um mês, publiquei a primeira parte da série O Beat Delas. Desde então, a cada nova matéria, artistas, produtoras e beatmakers tem saltado na timeline nas minhas redes sociais. Junto a elas, elogios sobre a importância de ter o trabalho de cada uma dessas mulheres registrado.

Sendo assim, mais uma vez, passei algumas horas no SoundCloud ouvindo os sets de mulheres que se dedicam a criar a identidade das músicas que ouvimos nos fones de ouvido — e que, um dia, voltaremos a ouvir nas pistas de dança. 

Se na primeira edição, Apuke, Ashira, Attlanta, BADSISTA e Bárbara Brum compartilharam referências e refletiram sobre as próprias produções criativas, na segunda, convidamos EVEHIVE, Iza Sabino, Kouth San, Saskia e DJ Yurley para discutirem sobre o mercado musical e fomos do funk proibidão até animes. Agora, na terceira parte, reunimos Larinhx, Jacqueline Gomes (aka Jacquelone), Mayra Maldjian, Raiany Sinara e Rafa Jazz para se apresentarem. 

"Basicamente, eu crio para garotas e LGBTQ+ que são como eu" — Larinhx

Larinhx se movimenta para criar beats desde 2012. Na época, contou com a ajuda de dois amigos, DJ Jhoninha e DJ Dandão do Antares que a ensinaram como construir as batidas do zero e recortar samples. Fã de Valesca Popouza e Alcione, ela também esteve presente nos bailes de Queimados cantando funk. "Sempre escrevi letras e decidi cantar com as minhas amigas. Era divertido".

Na hora das criações, conta que não tem segredo. "Basicamente sento, insisto e faço. As vezes não sai nada relevante, mas insistência mantém a minha prática em dia". Quanto às inspirações, são próximas: Th4ys, Petit Piment, Marcão Baixada, Klap, Paulinho do Dkvpz e Léo Justi.

Como foi o processo de construir a sua identidade no som?

Na minha infância, em casa, a gente sempre escutou forró por causa do meu avô, samba e funk porque minha mãe ama. Quando ela passou na faculdade, conheceu artistas como Nando Reis, Cassia Eller, Gilberto Gil e entre outros e me colocava para ouvir, porque era novo pesse tipo de letra e o jeito que essa galera canta. Ai comecei a buscar sozinha uma gama de artistas. A junção de tudo isso acabou me formando.

Sou muito fã da Valesca Popozuda e da Alcione. Acho que de alguma forma me guio por esse romantismo sexual que existe na lírica delas e isso acaba refletindo muito em como escrevo e produzo.

Me explica um pouco como funciona a sua dinâmica de trampo? Você vende os seus beats?

Minha arte é a minha vida. Minha dinâmica é pensar nisso. Basicamente, crio e trabalho para garotas e LGBTQ+  que são como eu era em 2012. Querem produzir com qualidade, mas não tem muita informação de como fazer isso acontecer. Não vendo meus beats, não gosto da ideia de um catálogo. Gosto de fazer uma sessão em algum estúdio e criar porque posso ajudar em uma ideia de letra e entre outros. 

Para o que você recorre quando precisa buscar inspiração?

Para dentro de mim e das coisas que eu sinto. Acho isso bem honesto. 

Larinhx indica: Brazi Baby Dricka - Prod. Th4ys e Caso Sério (Mc Marks) - Petit Piment Remix

"Eu não me contentava em só pesquisar, eu queria compartilhar" — Jacquelone

Jacquelone (Foto: Divulgação) 

Jacqueline Gomes da Costa, quando produtora musical, DJ e beatmaker atende como Jacquelone, cresceu em um ambiente musical, não só de público, como de atuantes. O pai viveu nas eras de pickups dos anos 1980 e 1990 e a avó foi cantora. "Nasci dançando", conta. 

Entusiasta da Black Music, Jacquelone tomou gosto pela pesquisa musical durante a adolescência. "Queria juntar todas as músicas que eu pesquisava e gostava porque na minha cabeça, todo mundo tinha que ouvir o que eu estava ouvindo".

Em 2016, começou a montar sets sem o menor conhecimento técnico, apenas pelo prazer de compartilhar as músicas. Durante todo o tempo, nunca cogitou seguir os passos do pai e fazer da música uma carreira profissional. "Eu fugia muito disso, dessa ideia de transformar em trabalho uma coisa que eu gostava muito e fazia por livre e espontânea vontade".

Com a morte da avó, as coisas mudaram. "Eu comecei a ver a vida de outra forma, algo como 'se você não fizer isso agora, acabou'". Segundo Jac, a ausência da avó foi o estopim para que ela parasse de fugir do que sempre amou. Ao abraçar a profissão, as oportunidades surgiram.  

Como foi participar do disco do Nill? Como surgiu o convite? 

Participar do disco do Nill foi a coisa mais improvável que já aconteceu na minha vida. Está no Top 2 de coisas mais improváveis. Não foi bem um convite, ele abriu um concurso para quem curtia o disco e queria fazer um remix. E aí eu me meti, porque meu negócio é meter a cara. Como eu estou em fas de aprendizagem, todo desafio que eu acho na internet, eu gosto de me enfiar. É sempre uma oportunidade de praticar.

Deixei meu e-mail e o nome da faixa "Regras da Loja". Passou um tempo, não recebi nada e vi um monte de webamigos falando que já tinham terminado o remix e eu nem tinha recebido o material a capella. Ai eu joguei uma tuítada brincando e o Nill apareceu na minha DM pedindo desculpa pelo desentendido. Acabou que ele me mandou o material, mas eu fiquei triste porque pensei que ia sair em desvantagem, mas como eu botei uma meta, me senti na obrigação de fazer o remix. 

Abri o FL sem saber o que me esperava. O remix do Nill foi a minha primeira produção que eu consegui colocar exatament eo que estava na minha cabeça. Foi direto de lá para a prática. Eu sempre vou as cegas, mas ai pensei quero fazer um house. E eu nem sabia fazer house. Depois achei que tinha ficado muito repetitido e pensei em fazer um house com trap, mas eu não sabia fazer trap. Mas consegui. O negócio é você querer. Pesquisei, claro, tudo é pesquisa e estudo. Fiquei muito orgulhosa, mas sem expectativa porque já tinha um monte de produtor brabo que eu conhecia. 

Acabou que no dia da audição, ele escolheu o meu. Surtei aqui dentro de casa com a minha família. As coisas mudaram drásticamente, porque eu comecei a ganhar dinheiro com streaming do nada. Não é muita coisa, mas significa muita coisa porque é umma criação minha. Muitas portas se abriram com esse remix, as pessoas começaram a me ver como produtora e como beatmaker. Sou muito grata por essa participação, porque me deu segurança. Foi uma oportunidade inesperada. 

Qual é a sua perspectiva como artista dentro no mercado musical? 

Com essa minha reoganização na quarentena, eu tomei consciência que como artista independente eu preciso exercer diversas funções diferentes. Não posso me militar a ser DJ e produtora musical, tenho que ser editora, social media, produtora de conteúdo, produtora executiva, marketing. O artista independente tem que se virar. É cansativo ter que me virar sozinha e dar conta de tudo, mas ao mesmo tempo que é satisfatorio aprender um pouquinho sobre cada cosa, porque isso tem me ajudado a valorizar mais as profissões que tão inseridas nesse nicho do mercado musical. Ainda estou amadurecendo a minha visão no mundo de business. Me sinto engatinhando ainda. Mas estou focada em entender, saber onde eu estou pisando para além do meu processo criativo. 

Me conta um pouco sobre a cena de beatmakers do Rio?

Acho a cena de beatmakers do Rio muito bonita, muito resistente e unida. A gente está sempre um fortalecendo ao outro, mesmo sem vínculo físico, tem um vinculo virtual. Aquela empatia pela profissão. Todo mundo que eu conheço aqui do Rio que produz, tenho como referência. Todo mundo aqui produz coisas muito únicas e originais. 

Mas sinto muita falta na indústria a valorização do beatmaker, do(a) produtor(a). Eles são super apagados da indústria. Sem o DJ, o cantor não vai propagar a música dele, e sendo beatmaker, não tem música basicamente. Por isso é muito importante a gente estudar não só sobre a profissão, mas tudo que ela envolve para a gente não deixar ser desvalorizado. E isso serve para mim mesma, que preciso estudar mais sobre. Mas a cena daqui é isso. A gente sempre está de olho um no outro. Não só aqui do Rio de Janeiro, mas trazendo pra minha realidade, nos fortalecemos muito do jeito que pode, dentro dos nossos limites. Mas a gente precisa ser fortalecido pelos grandes. 

Jacquelone indica: Ciana - Mantra

"Tente unir forças com outras pessoas. O trabalho coletivo é muito inspirador e edificante" — Mayra Maldjian

Desde 2008, Mayra Maldjian se dedica à cena do rap nacional e R&B. Ao lado de Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Stefanie, Tássia Reis e Tatiana fundou o Rimas & Melodias, grupo musical feminino que uniu forças para criar sonoridade sobre as vivências das mulheres negras, rappers e cantoras. 

A primeira produção 100% feita por Mayra foi o single "Ressurreição" da Souto MC durante o projeto Escuta as Minas, promovido pelo Spotify. Quando o assunto é produção, a DJ e beatmaker prefere trabalhar em discos inteiros e alinhar a sonoridade com os instrumentistas, compositores(as) e cantores(as). "É incrível a vivência de estúdio", conta em entrevista à Rolling Stone Brasil

Você já produziu vários projetos importantes para o hip-hop e R&B nacional, cofundou o Rimas & Melodias e tudo mais. Ao longo desses anos, você aprendeu alguma lição que leva consigo e passaria para alguém que ainda está começando nesse mercado?

O "faça você mesmo" sempre me guiou muito na vida, principalmente na música independente. Aprendi a divulgar os trampos botando a mão na massa, desde o release até as artes, a roteirizar, produzir e editar vídeos/clipes, dirigir e lançar um disco, montar shows, etc. Mas nem sempre temos tempo ou energia para fazer tudo sozinha. Então, se tem uma lição que eu costumo passar para galera  é: tente unir forças com outras pessoas, com outros talentos, montar uma equipe, mesmo que seja de dois, três, para fazer a engrenagem girar. O trabalho coletivo é muito inspirador e edificante.

Quais são os artistas e/ou produtores que mais te influenciam atualmente?

Kelela, Flying Lotus e Solange pela obra completa, pela forma que pensam música e artes visuais como uma coisa só; a M.I.A. por musicalizar suas origens, ancestralidade e questões sociais de uma forma bem autêntica; Kaytranada e Syd pela vibe sempre foda em collabs e trampos solo; minhas manas do Rimas & Melodias por serem inspiração de vida e arte e por serem protagonistas maravilhosas do rap e do r&b made in Brasil.

Se você pudesse resumir em uma música a sensação de estar tocando em um palco, qual seria? E por quê?

Acho que seria Shiva-Loka, da jazzista Alice Coltrane, porque é transcendental, espiritual, uma experiência transformadora.

Mayra indica: Daqui do Brasil, além das meninas que já apareceram nesta série, indico a Luana Flores, DJ, percussionista e beatmaker paraibana que conheci durante o projeto Pulso, da Red Bull, em 2019. 

"Mudaram o meu jeito de pensar em música"  — Raiany Sinara

"Nada acontece sem café", conta Raiany Sinara sobre os primeiros passos que dá ao começar a produzir um som. Autodidata desde os 15 anos, Rai só foi se especializar de fato em 2017, quando mudou para São Paulo e começou a participar da Beat Brasilis. "Minhas primeiras referências foram Racionais MCs e algumas músicas que eu ouvia nas festas eletrônicas no interior e quando conheci alguns samplers como MPC e SP 303, que mudaram o meu jeito de pensar sobre música". 

Mesmo durante o período de quarentena, mantém uma rotina de criação intensa. "Tento transformar todas as minhas vivências em música".

Já rolou alguma situação inusitada que você tirou inspiração para fazer um beat? 

Uma trilha que me chamou atenção e me inspira é da série How to Get Away with a Murder.

Quais têm sido os seus discos companheiros da quarentena?

Fafá de Belém - Água, Mateus Aleluia - Fogueira Doce, Sade - Diamond Life, Nill - Good Smell, Tássia Reis - Outra Esfera

O que você usa para tocar?

Bateria eletrônica na Maschine MK1, sintetizadores, mixer e um sampler SP 404.

Raiany indica: Malka - "Meus Remédios"

"Acontecimentos políticos sempre me dão um gatilho para produzir" — Rafa Jazz

Rafa Jazz (Foto: Reprodução / Instagram)

DJ residente do Cremosa Vinil e produtora do Beat Brasilis, Rafa Jazz pesquisa sobre música desde 2006 e tem como faróis sonoros o funk, soul, rap e brasilidades. Algumas das inspirações que a incentivaram a criar beats foram os produtores JDilla, Madlib e A Tribe Called Quest

Na hora de fazer sons, recorre ao cinema,  discos antigos e a política. "Assistir a filmes é sempre uma grande inspiração para mim, mas acontecimentos políticos acabam me dando um gatilho". 

Durante o período de isolamento social, confessou estar em uma "fase" funk e boogie dos anos 1980. "Brass Construction, Kashif, Lakeside são dançantes e tem uma pegada alto astral que tem ajudado nesse momento". 

Como você aprendeu a fazer beats?

Comecei a produzir beats em 2015, já dentro do evento do Beat Brasilis, fui incentivada por vários participantes. A primeira máquina que usei foi uma MPC 2000XL, suei para fazer alguma coisa (risos). Por causa do encontro tive oportunidade de usar várias máquinas diferentes até que consegui comprar a minha [Roland SP555]. Fiz aula de workflow da máquina com o DJ Comum e foi aí que comecei a me encontrar na produção. 

Me conta um pouco sobre o Beat Brasilis?

Começou em setembro de 2014 e é um encontro focado na produção de beats e na cultura do sample. A cada edição escolhemos um disco de vinil para todos participantes usarem nas produções. Ao longo desses anos já reunimos mais de 400 beatmakers diferentes e tivemos mais de 4.500 beats produzidos. Todos disponíveis no nosso SoundCloud.

O encontro se expandiu e hoje temos vários “eventos irmãos” ao redor do mundo que replica esse mesmo formato. Para além dos encontros também criamos a Beat Brasilis Orquestra, a primeira orquestra de beatmakers do mundo. Tivemos a oportunidade de tocar no Theatro Municipal em março de 2020 na abertura do Mês do Hip-Hop, um pouco antes da quarentena ser decretada. 

Na hora de fazer um som, quais são os seus passos?

A primeira coisa que faço quando produzo um beat é trabalhar no meu sample, o picote e efeitos que quero aplicar para depois trabalhar na batida. Por último coloco compressores e faço uma mix.

Rafa Jazz indica: Sudan Archive que tem uma performance maravilhosa soltando os beats, cantando e tocando violino. Mais perfeita não existe.


A série de matérias O Beat Delas surgiu com o intuito de ressignificar a discussão sobre a inclusão de beatmakers e produtoras femininas na indústria e potencializar a divulgação de trabalhos feitos por essas mulheres.