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O pop místico de Sevdaliza ainda mais sensível e existencial: “Mais vulnerável do que nunca” [ENTREVISTA]

A cantora iraniana e holandesa contou como o segundo disco da carreira, Shabrang, expandiu a paisagem sonora dela

Julia Harumi Morita | @the_harumi Publicado em 16/09/2020, às 07h00

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Sevdaliza (Foto: Tre Koch)
Sevdaliza (Foto: Tre Koch)

Shabrang Behzād foi um cavalo de raça pura, que pertenceu ao herói Siyâvash na mitologia persa. O homem simboliza a inocência na literatura iraniana, enquanto o primeiro nome do animal significa, literalmente, “paleta de cores da noite”. 

Inspirada nesta figura mitológica, a cantora holandesa e iraniana Sevda Alizadeh, conhecida artisticamente como Sevdaliza, compôs Shabrang, o segundo disco da carreira, que foi lançado no dia 28 de agosto pelo selo independente Twisted Elegance.

O novo álbum explora os tons noturnos que estiveram presentes na vida da artista nos últimos anos. Como a cantora declarou oficialmente, é uma carta de amor e, ao mesmo tempo, uma bíblia para ela mesma.

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Sevdaliza (Foto: Zahra Reijs)

“Foi como um diário meu dos últimos anos. E, para mim, a figura [mitológica] representa o quanto realmente existe de inocência dentro de nós e quanta pureza existe dentro de nossas almas, dos nossos seres”, explicou Sevdaliza em entrevista à Rolling Stone Brasil

A cantora relembrou os primeiros passos da carreira e falou sobre os desafios de ser uma artista independente na indústria da música, além de contar detalhes sobre o processo de composição das canções de Shabrang.  

Se precisasse nomear a própria religião, Sevdaliza apenas diria que é adepta do existencialismo. Ela contou que o interesse sobre a existência humana sempre existiu, mas se tornou muito mais evidente a partir do momento que se envolveu com a música.

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Aliás, a trajetória artística da cantora começou no Brasil. Há quase 10 anos, Sevdaliza teve uma experiência epifânica ao trabalhar com um grupo de capoeira durante uma visita ao Rio de Janeiro. 

“Um grupo me convidou para praticar [capoeira] e, enquanto praticava, percebi que o tipo de coisa que eu mais gostava era estar em ritmo com um grupo de pessoas”, disse a artista. “Eu percebi o quão importante é, como um ser humano, não ir atrás do que quer, mas ir atrás do que precisa e, então, eu olhei para trás, para toda minha vida e vi que a coisa que mais gostava de fazer era escutar música e escrever letras”.

Foi um daqueles momentos que raramente acontecem na vida. Sevdaliza percebeu que tinha nascido para fazer música antes mesmo de aprender qualquer coisa sobre a primeira arte.

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Sevdaliza (Foto: Tre Koch)

Consciente que a indústria da música não foi feita para nenhum tipo de minoria, a cantora aprendeu a compor, arranjar e produzir canções sozinhas. Ela também fundou o próprio selo, Twisted Elegance, por onde lançou todos os trabalhos da carreira.

“Eu acho que é muito importante perceber que essa indústria não é, necessariamente, construída para você. Então, ela não vai te aceitar naturalmente, logo de cara. Definitivamente não vai ser fácil para as pessoas de cor, mulheres ou qualquer grupo marginalizado.” 

Ela completou: “Mas, acho que, dito isso, se você consegue levar isso em conta, você tem a força para enfrentar a indústria que não foi feita para você. Eu acho que vale a pena tentar, porque nós podemos mudar este cenário enquanto continuarmos fazendo isso”. 

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O primeiro disco da cantora, Ison (2017) e o EP The Calling (2018) conquistaram elogios, principalmente com as músicas e os clipes de “Marilyn Monroe” e “Human”, esta última canção até ganhou uma versão em português - uma forma de agradecimentos pelas experiências compartilhadas com o Brasil.

O trabalho de Sevdaliza é flexível e flutua por diferentes gêneros musicais, como eletrônica, trip-hop e pop experimental. Em Shabrang, a artista expande a paisagem sonora dela ao explorar novas texturas vocais e instrumentais sem perder o tom sublime característico das obras anteriores.

Na capa do disco, a cantora aparece com um hematoma no rosto, uma pista para o conteúdo do novo trabalho, que retrata com ainda mais sensibilidade temas humanos e universais como o abuso, narcisismo, vício, morte e paixão.

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“Eu amo mostrar o sofrimento, a prosperidade, a vulnerabilidade e a beleza. E eu amo mostrar todos esses elementos, porque eu acho que nós passamos por tudo isso e é como uma confissão pessoal.”

“Joanna” abre o disco com certa tensão e melancolia, emoções que ganham intensidade com melodias que remetem músicas tradicionais iranianas, as quais já apareceram outros trabalhos.

“A vergonha invadiu a verdade / Eu não sabia de nada (não preciso) / Meus olhos falharam em estragar / Seu reflexo iluminado”, canta Sevdaliza em “Joanna”.

Em seguida, Sevdaliza volta a explorar o trip-hop em “Lamp Lady”, “Dormant” e ”Eden”, além de usar diversas camadas de sintetizadores em “Oh My God”, “Human Nature” e “Rhode”. 

“Oh, meu Deus / Quem eu deveria ser? / O que você quer quando vem atrás de mim?”, pergunta a artista em “Oh My God” ao refletir sobre os conflitos políticos entre o Irã e os Estados Unidos. 

O que diferencia a sonoridade de Shabrang dos outros discos da cantora são os vocais mais experimentais. Em  “Darkest Hour”, “Shabrang” e “Habibi”, ela usa efeitos e melismas que contrastam com a voz naturalmente aveludada. Já em “Wallflower” a artista causa o mesmo efeito ao declamar parte da letra ao invés de cantá-la.

“Gole Bi Goldoon”, definitivamente, é um dos destaques do disco. Sevdaliza faz uma homenagem à célebre cantora iraniana Googoosh, que, segundo a artista, pavimentou o caminho para outros músicos do país. 

“A canção é sobre tentar florescer, mas ter que lidar com o fato de que seu vaso está constantemente sendo quebrado ou retirado do seu chão. Então, você tem que continuar florescendo, você tem que se recuperar [...] é muito significativa para mim.”

Ao longo das 15 faixas de Shabrang, Sevdaliza mistura violinos e pianos etéreos com instrumentais mais mundanos, formados por guitarras e baterias. A artista oscila entre gêneros musicais e confissões das mais diversas naturezas, que criam uma atmosfera autêntica e interessantíssima para o pop místico dela.

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“Eu quis incorporar elementos mais orgânicos, porque era apenas uma parte da minha vida, um ponto em que eu estava passando mais tempo com a natureza, estava viajando muito, vendo muitas culturas diferentes e as fortes conexões que elas possuem com instrumentos e como isso influencia gerações de músicas.” 

Ela continuou: “Eu percebi que estava me sentindo mais… [propensa] a mostrar essa pessoa autêntica por trás da parede da produção eletrônica. Então é mais avançado. Eu diria que é mais vulnerável do que nunca”.


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