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O que fazer em caso de incêndio

Difícil saber quem estava mais pilhado no show do Franz Ferdinand para 1.300 pessoas, em São Paulo: se a banda ou a plateia

Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 03/10/2009, às 15h21

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Com três álbuns e menos de uma década de carreira para pôr na conta, o Franz Ferdinand manteve na coleira o som que lhe deu empurrão definitivo ao estrelato, em 2004. Em Tonight, lançado este ano, eles até ensaiaram alguns passos além do que já faziam antes, ao investir em sintetizadores e baterias eletrônicas como se a vida do último boêmio na Terra dependesse disso. Mas, ao assistir ao show do FF, fica claro que a bem resolvida relação entre a banda e sua sonoridade tem efeito bumerangue: arremesse para longe suas pretensões artísticas, mas nunca deixe de voltar ao "groove do menino branco", que deu à banda lugar na primeira classe da superlotada locomotiva indie dos anos 00.

O show desta quarta, 30, na The Week, era para poucos. A princípio, o grupo vinha ao Brasil para o VMB. E só. Aí anunciaram uma apresentação, restrita a 1000 pessoas (a organização divulgou 300 a mais que isso no público de ontem), com apenas metade dos lugares à venda. Saldo óbvio: olhando de cima, via-se a plateia espremida no salão da casa noturna, uma manada modernosa indo sempre em direção ao palco, sem se importar com o empurra-empurra e o fato de que havia muito mais gente do que o lugar realmente suportava. Mais correto que usar o adjetivo "intimista" seria evocar os porões do punk da geração 70 ("incendeie esta cidade", zela o hino piromaníaco "This Fire", de Franz Ferdinand, disco de estreia dos escoceses).

"No You Girls", de Tonight, deu o gatilho. A primeira metade do show foi farofa no ponto certo: se o lema é "dê ao público o pão e circo que ele quer", o FF gastou de cara boa parte dos sucessos conhecidos até mesmo por aquele primo fã de Jay-Z que não vê muita diferença nas expressões "programa de indie" e "de índio". A maioria veio do primeiro disco e do sucessor You Could Have It So Much Better. Caso de "Walk Away", "Tell Her Tonight", "The Dark of the Matinée", "Do You Want To", "This Fire" e o começo-de-tudo "Take Me Out". Por serem mais similares à leva antiga, "Ulysses" e "Can't Stop Feeling", destaques de Tonight, se adaptam bem ao pancadão de hits.

Mimada com um sucesso atrás do outro, a incansável plateia já estava preparada para experimentações - uma ou outra novidade, como as referências eletro e afrobeat, em faixas do último álbum. Nada que faça o bumerangue roqueiro se perder no meio do caminho. Porque com o FF é assim: ainda que, para ouvidos destreinados, todas as músicas pareçam mais ou menos a mesma coisa, a singularidade de Kapranos é aquela de uma impressão digital (de primeira, semelhante às demais; na verdade, única), ao contrário de muita banda por aí. Traduza da seguinte forma: ninguém fica em dúvida se aquela é banda "x" ou "y" quando escuta "Take Me Out" no rádio.

As estripulias ficaram por conta de uma bateria tocada a oito mãos pelo quarteto, no fim da primeira parte. Nick McCarthy, dono de uma guitarra frenética, ainda saltaria para o comprido balcão do bar, de onde se jogou, estilo mosh, sobre o público.

"Michael" abriu o bis gordinho, com cinco músicas. A saideira foi também o maior laboratório da noite: versão estendida de "Lucid Dreams", auge da piração de Kapranos (voz e guitarra), McCarthy (guitarra e voz), Robert Hardy (baixo) e Paul Thomson (bateria). Ninguém está numa rave, mas digamos que a vibe eletro-tribal não era exatamente o esperado nas passagens anteriores pelo Brasil, mesmo para uma performance carregada na voltagem como a do Franz.

Tudo no show-aperitivo de quarta (os rapazes voltam para quatro shows em março) fez lembrar um rodízio de churrascaria, em que gostamos de provar carnes exóticas, representadas pelas novidades de Tonight, mas só depois de ter filé garantido no prato - ou seja, variações daquele rock dançante já escutado no primeiro álbum. Tese defendida pelo próprio Kapranos, dono da voz de barítono-rock e do bigodinho à la Clark Gable. Horas antes, em coletiva de imprensa na mesma The Week, ele defendeu que o recente álbum não é senão "extensão da ideia original". O que vem a ser isso? A lição é esta: não importa se o público é de 130, 1.300 ou 13 mil. Desde que cada pessoa saia do show com a mesma pergunta em mente: e agora? Quem vai incendiar nossa cidade?