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O triunfo de Adele: por dentro da história mais improvável da música pop do nosso tempo

A voz, a paixão e a gravação de 21, álbum genial de Adele

Redação Publicado em 27/09/2020, às 15h00

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Adele se apresentando no The Gabba em 2017 (Glenn Hunt/Getty Images) - Glenn Hunt/Getty Images
Adele se apresentando no The Gabba em 2017 (Glenn Hunt/Getty Images) - Glenn Hunt/Getty Images

"Quero fazer alguma maldade!", disse Adele. Era o dia seguinte ao da cerimônia do Grammy de 2010; ela não estava disputando nenhum dos prêmios da noite anterior, mas isso não a tinha impedido de “comemorar”.

Ela chegou a um estúdio de Hollywood de ressaca e “puta da vida”, nas palavras de Ryan Tedder, do OneRepublic, parceiro dela naquele dia – reclamando que suas amigas andavam falando sobre ela com base no que tinham lido em tabloides. “Todas as minhas amigas leem essas bostas de fofocas e ficam, tipo: ‘Ouvi dizer que você está saindo com tal e tal’, e eu nem conheço essas pessoas”, ela declarou à Rolling Stone no ano passado. “É tudo bobagem.”

“Ela queria agitar as coisas”, diz Tedder, que começou a tocar guitarra inspirado pelo riff de Jonny Greenwood em “I Might Be Wrong”, do Radiohead. A frase “rumor has it” (segundo os boatos) surgiu e, em pouco tempo, eles já tinham a base de uma canção de batida marcante, nervosa. Quando começaram a gravar no dia seguinte, Adele – que ainda se recuperava da balada do Grammy – não conseguiu alcançar suas notas altas, mas, mesmo assim, conseguiu dar conta do vocal na primeira tentativa.

Tedder, descrente, voltou-se para o engenheiro de som: “Hmm, eu ouvi bem?”, ele perguntou. “Ela errou alguma nota?” Adele se intrometeu: “Ficou bom? Posso fazer de novo”. “Adele, eu nunca tinha visto isso acontecer”, Tedder respondeu. “Ela nem fez aquecimento”, ele lembra. “O aquecimento dela é conversar, dar risada e fazer piada.”

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Como Tedder e vários outros acabaram aprendendo, Adele, 24 anos, está sempre desmantelando o significado de ser uma estrela pop. Ela bebeu e fumou durante toda a sessão de gravação – meio maço por dia, de acordo com suas próprias contas, durante a confecção do álbum 21.

Fala abertamente à imprensa sobre sua vida particular, os problemas com peso e o gosto por uma boa bebida. Ela grava um álbum inteiro com um dos maiores produtores da indústria, que, por acaso, na época também gerenciava o selo dela – e depois dispensa a maior parte do trabalho para dar preferência a gravações anteriores, bem mais cruas. Ela recusa ofertas para estampar o nome em produtos ou fazer shows superlucrativos para gente riquíssima. Durante turnês, ela só vai lá e canta – nada de Auto-Tune para ajudar a corrigir a voz, nada de coreografia com dançarinos.

“Ela tem muito essa atitude de foda-se”, reconhece o empresário de Adele, Jonathan Dickins, que trabalha com ela desde 2006. (Uma vez, quando ela foi cortada na fala de agradecimento por um Brit Award, mostrou o dedo médio para os organizadores.) Nesse ínterim, a carreira de Adele só explodiu.

21 já vendeu mais de 25 milhões de cópias no mundo e passou mais semanas no Top 10 norte-americano do que Thriller. Até o final do ano, é provável que atinja os 10 milhões só nos Estados Unidos, feito que apenas outros 100 álbuns da história conseguiram. (De acordo com os padrões das décadas de 80 ou 90, 21 teria vendido provavelmente quase 20 milhões de cópias, como aconteceu com a trilha sonora de O Guarda-Costas, de Whitney Houston, segundo o analista das paradas Joel Whitburn.)

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21 também produziu três singles número 1 e colheu seis prêmios Grammy, incluindo os de melhor álbum, melhor gravação e música do ano. Sozinho, está até promovendo a retomada do CD, já que cerca de três quartos das vendas dele são nesse formato.

Todo mundo a ama, das adolescentes apaixonadas a Andre Benjamin, do Outkast, que mostrou aprovação à balada de enorme sucesso de Adele , “Someone Like You”, em seu verso de “The Real Her”, de Drake. “Fiquei escutando ‘Someone Like You’ uma vez atrás da outra durante pelo menos uma semana”, Benjamin diz. “Ela capturou perfeitamente o limbo esquisito que fica no ar depois de um rompimento.”

Até a Rainha do Soul em pessoa é fã dela: “Faz muito tempo que não aparece uma artista como Adele”, diz Aretha Franklin. “Carole King foi a última pessoa a escrever o tipo de letra com as quais as mulheres eram capazes de se identificar imediatamente. Eu adoro escutar uma garota indo para a escola em um ônibus e berrando: ‘We coulda had it all!’.”

“Cada geração precisa ter alguém como ela”, diz Tedder. “Nós não tínhamos ninguém, e agora temos.” Adele reescreveu algumas das regras da indústria – para começo de conversa, matou o peso do melisma da década anterior. (Ela também afirma ter gravado um rap tão “maldoso”, que fez Lil’ Kim empalidecer.) Um executivo que trabalhou com Adele se refere a ela como a “Barbra Streisand do punk rock”. Ela é algo que nós passamos muito tempo esperando: uma diva pop com coração rock and roll.

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Adele já era estrela quando começou a gravar 21, há mais de dois anos. Filha de um lar desfeito, que o pai alcoólatra abandonou quando ela tinha 3 anos, frequentou a escola Brit nos arredores de Londres (parecida com a Fiorello H. LaGuardia High School, em Nova York, que inspirou Fama), onde seu professor de música com frequência a via “sentada em um canto com um caderno de capa dura, escrevendo letras”.

Ela fechou contrato com a XL Records em 2006, depois que uma amiga colocou uma das demos que ela fez como lição de casa no MySpace. (Ela era tão nova, que Nick Huggett, o relações-artísticas que assinou com ela na gravadora, lembra-se de tê-la pegado com uma amiga em uma estação de metro de Londres para a primeira reunião profissional.)

Florence Welch, do Florence and the Machine, compartilhou o palco de um pequeno clube de Londres com Adele quando as duas estavam lançando carreira. “Ela estava lá com seu baixo e aquela voz incrível”, Florence lembra. “Já era aquela voz. Algo mudou na sala quando ela começou a cantar. Vê-la ali foi um momento impressionante.”

O instrumento poderoso de Adele foi apresentado em sua estreia, 19, lançado no início de 2008. Juntando com muito bom gosto folk pop e soul britânico acústico (o segundo gênero suscitou comparações a Amy Winehouse), o álbum era uma crônica de um rompimento amoroso e era o trabalho de uma garota que era “cheia de vida, uma menina comum de Londres”, diz Jim Abbiss, um de seus produtores.

Apesar de 19 não ter feito sucesso estrondoso nos Estados Unidos, serviu para garantir uma apresentação no Saturday Night Live(e uma música na série Grey’s Anatomy); no ano seguinte, Adele levou dois troféus do Grammy. Na cerimônia, ficou tão tomada pela emoção, que começou a soluçar; Neil Diamond, que estava perto, deu-lhe um abraço reconfortante (e começou a enviar recados para ela por meio da gravadora mútua, a Columbia, “para dar um pouco de incentivo a ela”, ele diz).

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O segundo álbum seria diferente. Em turnê nos Estados Unidos para promover 19, Adele tinha sido apresentada às raízes norte-americanas da música, graças ao seu motorista de ônibus de Nashville (que perguntou se ela já tinha ouvido falar de Garth Brooks e ficou chocado quando ela respondeu que não). O novo álbum seria mais cheio de ritmo e mais ousado do que 19.

“Você ouve rádio aqui e se dá conta de como a batida é importante”, diz um dos diretores da Columbia, Steve Barnett, a respeito de suas conversas com Adele durante aquele período. Adele começou a conhecer outros compositores, entre eles Tedder, o produtor britânico Paul Epworth e o ex-líder do Semisonic, Dan Wilson.

O plano incluía todos eles escreverem músicas, gravar demos para que depois Rick Rubin, que na época era um dos diretores da Columbia, produzisse as versões acabadas. As sessões aconteceram com rapidez enorme. “Eu não precisava ficar esperando as reuniões do departamento de relações artísticas para definir ‘a direção que eu quero tomar’ nem ‘qual é o próximo passo para uma artista vencedora do Grammy’”, ela declarou à Rolling Stone. “Eu só fui fazendo, sem parar muito para pensar.”

Quase desde o início, as emoções correram à flor da pele. Quando chegou ao estúdio de Paul Epworth na região noroeste de Londres (“Um armário com alto-falantes”, ele diz), Adele estava perturbada: tinha acabado de terminar com o namorado, um fotógrafo chamado Alex Sturrock, que era quase uma década mais velho do que ela. Epworth tocou alguns “acordes de piano meio jazz” e, depois de escutar durante uma hora, Adele começou a entoar os versos de “Rolling in the Deep”.

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“As minhas músicas preferidas são, tipo, ‘Get the fuck out of my face’ [saia da minha frente, porra], e ele queria que eu fizesse uma faixa minha assim”, ela lembra. Em poucas horas, eles tinham composto e gravado uma versão inicial de “Rolling in the Deep” – uma frase que, segundo ela, significa “sempre ter alguém que vai lhe dar apoio, sempre estar do lado de alguém, nunca se magoar, nunca se meter em confusão, porque sempre tem alguém para segurar a sua barra”.

Mais ou menos na mesma época, o produtor pop britânico Fraser T. Smith apresentou uma demo arrebatadora, cheia de pianos, para outra música, “Set Fire to the Rain”. (Adele  disse que o título, “coloque fogo na chuva”, tinha sido inspirado pela última vez que ela tinha brigado com o namorado e ficou parada embaixo de uma chuva torrencial, tentando acender um cigarro, sem sucesso.) Os produtores receberam a recomendação de não trabalhar demais as músicas, já que Rubin cuidaria das versões finais na Califórnia.

Ao se encontrar com Dan Wilson pela primeira vez em um estúdio aconchegante de Los Angeles, Adele começou a tecer elogios a Wanda Jackson – a rainha espevitada do rockabilly, cuja carreira posteriormente foi ressuscitada por Jack White – e tocou algumas músicas dela no computador. Sem perder tempo, Adele, vestida com uma “coisa que era meio um suéter, meio um lenço rosa enrolado no corpo”, começou a contar a Wilson sobre seu rompimento.

“Eu não fiquei pedindo detalhes”, ele diz. “Eu não perguntei qual era o nome dele. Mas a maior parte das coisas sobre as quais conversamos acabou nas letras. Parece que está tudo lá.” Ela saía para fumar um cigarro “mais ou menos a cada 25 minutos”, Wilson conta e dá risada. A música completa era “Someone Like You”, uma despedida agridoce ao amante.

No final do segundo dia em que estavam trabalhando juntos, os dois tinham feito uma versão crua de voz e piano da música; o prazo era tão apertado, que Adele precisou sair correndo para uma reunião com executivos da gravadora. Para Adele, as sessões foram catárticas. “Nosso rompimento foi mútuo, e eu fiquei desesperada para escrever a respeito dele”, ela diz, “porque eu não consigo conversar sobre os meus sentimentos com ninguém. Nem com a minha mãe, nem com o meu terapeuta, nem com amigos, nem comigo mesma na frente do espelho – simplesmente não consigo. Eu sempre escrevi o que sinto”.

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Finalmente, no primeiro semestre de 2010, Adele, Rubin e a equipe de músicos escolhida a dedo pelo produtor – incluindo o tecladista do Roots, James Poyser, e o guitarrista Matt Sweeney (Zwan, Chavez) – encontraram-se em um estúdio de Malibu para gravar o material novo. No período de duas semanas, prepararam versões de quase todas as músicas, inclusive “Someone Like You” com estilo gospel.

Com muita risada, papo furado e cigarro nos intervalos, Adele mandava ver nos vocais quando chegava a hora. “Na primeira vez em que fizemos ‘Rolling in the Deep’, eu precisei conferir para ver se era mesmo ela que eu ouvia nos meus fones”, diz Smokey Hormel, que tocou guitarra com Beck e também fazia parte da banda. “Soava como a gravação final assim que saía da boca dela. Era perfeito. E, cada vez que ela voltava para tentar de novo, sua performance era ainda melhor. A gente pensava: ‘Mas que diabo é isso?’” (Eles também gravaram uma cover de “Lovesong”, do The Cure, que Rubin tinha concebido para um possível projeto de Barbra Streisand.)

O álbum deveria estar pronto – mas não estava, pelo menos na mente de Adele. Ao escutar as faixas de Rubin, ela sentiu que faltava algo: o caráter emocional de nervos à flor da pele das primeiras versões de “Rolling in the Deep”, “Someone Like You”, “Rumour Has It” e “Set Fire to the Rain”.

“É difícil recriar a mesma emoção nove meses depois”, diz Epworth. No final, ela fez uma escolha difícil: eliminar a maior parte das sessões de Rubin (acabou usando apenas quatro delas) e substituí-las pelas gravações anteriores. “Foi preciso muita coragem”, diz Abbiss, que recebeu uma ligação de Adele depois do trabalho com Rubin. “Ela queria tentar recapturar a simplicidade da primeira vez.” Terminaram “Take It All” e “Turning Tables” em menos de uma semana, dentro do prazo.

Rubin reconhece que ficou um tanto estupefato com a decisão de Adele. “Fiquei surpreso, porque ela tinha sido muito clara ao afirmar que queria que tudo parecesse ter saído do mesmo lugar”, diz. “Ela queria a sensação de uma banda consistente para que, de faixa a faixa, soasse como se fosse o mesmo grupo de pessoas no mesmo lugar – um álbum com unidade. Também entendi que ela tinha escutado algumas demos muitas vezes, e, quando esse tipo de familiaridade se constrói, às vezes isso se sobrepõe a tudo o mais.”

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Rubin compara à situação a sua primeira experiência de gravação com Johnny Cash. “Nós passamos um longo período gravando demos, depois tentamos gravar as músicas de diversas maneiras diferentes”, ele lembra em relação àquele álbum, “mas no final, decidimos lançar o disco com as demos.”

21 parece ter unidade, de certa maneira: é um álbum de produção e arranjo quase perfeitos, variando entre indignação irritada e ternura, baladas de piano esvoaçantes e R&B retrô, batidas lamentosas e intimidade nua e crua. Dickins diz que Adele mostrou-se especialmente protetora em relação a “Someone Like You”. “Essa foi uma decisão que Adele tomou de maneira consciente”, ele diz.

“Ela foi absolutamente assertiva, mais do que qualquer outra pessoa, em relação ao fato de que a música devia ser desnudada.” O CEO da Columbia, Rob Stringer, e Barnett não tinham escutado nada de 21 até que o álbum pronto foi tocado para eles. Enquanto o ouviam na casa de Dickins, o cachorro de Adele, Louis, ficava pulando em cima de Stringer (e, se ele tivesse escutado com atenção, poderia ter escutado o cão no disco – o dachshund ficou uivando durante a sessão de “Set Fire to the Rain”).

Assim que 21 foi finalizado, em meados de 2010, Adele e Sony começaram a trabalhar para que seu impacto fosse máximo. Em uma apresentação para a indústria em Los Angeles, ela cantou algumas das músicas novas para um público que incluía o comediante Zach Galifianakis e executivos de licenciamento para filmes – um deles escolheu “Rolling in the Deep” para o trailer de Eu Sou o Número Quatro, que apresentou a canção ao público norte-americano em grande estilo.

Com seu urro terreno e sua batida primitiva – Paul Epworth diz que Adele batia os pés em um degrau de madeira no estúdio com seus escarpins Chanel –, “Rolling in the Deep” se conectou ao público em ritmo quase sem precedentes. “Quando a testamos, não demorou dez segundos para as pessoas adorarem a canção”, diz JB Wilde, ex-diretor de programação da estação de rádio Wild 105.7, que toca dance-pop em Atlanta.

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“Geralmente, uma música precisa tocar algumas centenas de vezes para que a audiência se familiarize com ela.” Graças a esse primeiro single, 21 vendeu 352 mil cópias na semana de lançamento, em fevereiro de 2011. Todo mundo sabe o que veio depois: singles no primeiro lugar da parada, shows hipnotizantes com ingressos esgotados e magnificência pop, incluindo um clipe viral hilário, “Shit Adele Says” (merdas que Adele diz), que satirizou com brilhantismo sua imagem de garota trabalhadora pop. Mais de um ano depois do lançamento, 21 ainda vende cerca de 20 mil cópias por semana nos Estados Unidos; outros álbuns lançados na mesma época, como os de Avril Lavigne,Britney Spears e R.E.M., há muito tempo desapareceram das paradas.

Depois de uma década de glamour, Adele trouxe de volta a ideia da diva que tem os pés no chão, de maneira reconhecível e acessível. Os fãs não se identificaram simplesmente com as emoções dilaceradas nas canções dela; identificaram-se com uma garota de tamanho médio que não pede desculpas e que bate papo com o público no palco entre as músicas, caçoando de seu próprio desmazelo.

“Eu não sou capaz de dançar, nem que seja para salvar a minha própria vida”, ela disse, toda alegre, para uma plateia de Nova York. “Isso parece autêntico quando sai dela”, diz Santigold, que fez uma cover da balada “Hometown Glory”, de 19.

“Eu li uma coisa interessante: ‘Será que Adele faria assim tanto sucesso se não vestisse tamanho grande?’”, a própria cantora refletiu para a Rolling Stone. “Não sei se faria. Eu tentei ir à academia. Não gosto disso. Gosto de comer pratos finos e de beber bons vinhos. Mas, mesmo que eu tivesse um corpo bom, não acho que mostraria os peitos nem a bunda para ninguém. Eu não dependo do meu corpo para vender discos.”

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Talvez a vida de Adele tenha sido o alimento perfeito para esta nossa era dos tabloides. Ao começar por 19, que detalhava a ascensão e a queda de um relacionamento anterior, ela colocou toda a sua vida nas canções. Seus altos e baixos – o rompimento, os problemas com as cordas vocais, suas questões com o pai que vendeu a própria história para os tabloides – a transformaram em um reality show ambulante. “Eu sou a maior rainha do drama”, ela declarou à Rolling Stone.

Ao mesmo tempo, Adele tem sido discreta para uma estrela de sua magnitude – ela não se expôs demais na TV nem fez turnês intermináveis. Uma parte dessa discrição se deve a motivos médicos: graças à hemorragia das cordas vocais que a forçou a passar por uma cirurgia no segundo semestre de 2011, ela acabou cancelando uma turnê nos Estados Unidos naquele ano.

A turnê em 2012 foi eliminada dos planos depois que ela e o namorado, Simon Konecki, um dos fundadores da organização beneficente britânica Drop4Drop, anunciaram que ela estava grávida. Seu empresário e a gravadora decidiram que não queriam deixar o mercado saturado, de modo que ela só fez dois vídeos para 21 e evitou participação em programas do tipo American Idol.

Intencional ou não, a ausência relativa de Adele criou algo raro no pop deste século: uma noção de mística e concentração na música. Anos atrás, principalmente no tempo antes da internet, os astros pop não apareciam na nossa cara de hora em hora. Nós não os víamos em comerciais nem em programas de TV, nem em imagens granuladas roubadas pelo TMZ. Nós sabíamos qual era a cara deles, mas a relação que tínhamos com eles advinha amplamente das músicas e dos discos.

Adele parece ter saído desse tempo, e não apenas por causa de seu estilo retrô à Dusty Springfield. “Ela sabe que menos é mais”, diz Stringer. Ele completa com um leve suspiro: “Nós perdemos a nossa noção de aura, como tínhamos há 30 ou 40 anos. É gratificante saber que é possível passar uma mensagem às pessoas apenas com o poder da música”.

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Pode ser que o ar de mistério continue, independentemente de ela querer ou não. O filho de Adele nasceu, e tudo ficou em suspenso durante um tempo.  “Fico com a impressão de que ela não está com cabeça para fazer música no momento”, disse Dickins. Uma das poucas surpresas de 2012 foi a canção “Skyfall”, coescrita com Epworth e gravada no lendário estúdio Abbey Road, tema do filme 007 – Operação Skyfall.)

“Ela decide quando e onde”, disse Barnett, da Sony, com a maior animação possível. “E a palavra final é dela.” Por enquanto, Adele não faz nenhum comentário, mas leve em consideração o que ela declarou à Rolling Stone em 2011: “Eu me sinto muito feliz por ser eu, e gostaria de pensar que as pessoas gostam mais de mim porque me sinto feliz comigo mesma e não porque eu me recuso a me conformar com qualquer coisa”. Tudo isso parece bem punk rock.


Texto originalmente publicado na edição 75 da Rolling Stone Brasil


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