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O Vendedor de Sonhos conquista público da Netflix na quarentena: “Precisamos falar sobre suicídio”

O filme de Jayme Monjardim estreou há mais de três anos, mas retrata perfeitamente a crise mundial que vivemos hoje

Lorena Reis Publicado em 09/06/2020, às 07h00

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César Troncoso e Dan Stulbach em O Vendedor de Sonhos (Foto_ Reprodução via IMDB)
César Troncoso e Dan Stulbach em O Vendedor de Sonhos (Foto_ Reprodução via IMDB)

A quarentena fez com que muitos se voltassem à Netflix - entre outras redes de streaming - para enfrentar as duradouras horas de isolamento social. Assim também me ocorreu. Procurando alguma coisa nova e agradável para assistir numa sexta à noite, me deparo com um filme nacional estrelado por Dan Stulbach: O Vendedor de Sonhos. A sinopse me chamou a atenção.

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O longa-metragem comandado por Jayme Monjardim em 2016 havia acabado de entrar para o catálogo da Netflix (em 1º de maio), mas já ocupava o top 10 da plataforma no Brasil - e muitos outros países da América Latina. Dei play. 

Prontamente, adentrei uma série de debates sobre o valor que realmente damos à vida e às coisas que nos cercam em sociedade, fiel à obra homônima do escritor e psicoterapeuta Augusto Cury.

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O enredo brilhante acompanha Júlio César (Stulbach) como um psicólogo frustrado que, ainda nos primeiros minutos de filme, tenta suicídio. À beira de um prédio na capital paulista, ele muda de ideia ao conversar com um maltrapilho conhecido como “Mestre” ou o “Vendedor de Sonhos” (César Troncoso), que se mostra uma pessoa extremamente sábia e experiente. Quando uma bela amizade nasce entre os dois, eles percorrem a cidade tentando levar sua filosofia de vida ao mundo. Somente no final do filme aprendemos um pouco mais sobre a história do mendigo e de onde ele realmente vem. Assista ao trailer abaixo:

Frases marcantes de O Vendedor de Sonhos têm reverberado entre os assinantes da Netflix, que foram às redes sociais para recomendar ou debater sobre as nuances do filme. Por isso, a Rolling Stone Brasil conversou com o cineasta Jayme Monjardim a respeito de seu mais novo sucesso.

Bastidores do filme

Monjardim conta que, quando o produtor L.G. Tubaldini Jr. lhe mostrou o roteiro inicial de O Vendedor de Sonhos, escrito por L.G. Bayão, ele ficou muito impressionado com a história. “Na época, eu conhecia o Augusto Cury, mas não esse livro. E eu fiquei muito impressionado”, conta ele. “É uma obra difícil, com detalhes muito sutis (...) Mas a experiência foi muito bacana e diferente. Mais do que um livro de autoajuda, prefiro dizer que é um livro inspirador. Ele nos motiva, especialmente no mundo atual.”

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Mais contemporâneo do que nunca

Ainda segundo Monjardim, por mais caótico que o país esteja atualmente, a pandemia veio para nos mostrar que algo estava passando batido por nós: “Estamos muito solitários. Eu acredito que essa pandemia tenha vindo para unir os seres humanos. As pessoas estavam caminhando sem olhar para os lados. Não estavam se doando. Tem o lado péssimo da pandemia, mas algum ensinamento vamos tirar disso, de uma maneira útil e poderosa.”

“Quero vender-lhe uma vírgula”

Alexandrina Meleiro, médica psiquiatra da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), acredita que o enredo de O Vendedor de Sonhos se encaixa perfeitamente com o momento atual de pandemia.

“O Vendedor de Sonhos fala sobre um terapeuta famoso que não dá conta da própria casa, dos filhos”, ela lembra. Completamente desiludido, Júlio César está prestes a pular do prédio, até que o “Mestre” sobre lá e diz: “Eu lhe vendo uma vírgula para que possa continuar escrevendo sua História…”

Meleiro ressalta a frase, afirmando que, no fundo, ela capta exatamente o que acontece com o suicida. “Ele não quer se matar, ele quer sair do sofrimento”,  conclui. Enquanto isso, o “Mestre” transmite o ensinamento de que dinheiro não traz felicidade - e essa é a grande mensagem que a quarentena trouxe.

“Eu posso ter o dinheiro que for, mas não vejo o vírus. Ou seja, posso morrer de qualquer forma”, reflete a profissional. “Passamos a questionar sobre os valores da vida. Agora, todos precisamos de autoajuda, de motivação. Tenha dinheiro ou não. Seja empregado ou desempregado. Nunca temos tempo. Estamos correndo sem saber para onde ou por quê. Aí nossas vidas param e não sabemos o que fazer. Passamos a nos preocupar com coisas pequenas, por exemplo: ‘E se minha mãe tiver covid-19? E se meus filhos tiverem?’ O filme traz tudo isso à tona. A grande lição é que devemos rever nossos valores.”

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Nosso cérebro funciona de forma diferente durante a quarentena

Em momentos de crise, é natural que o ser humano tente enfrentar os problemas que o levam à exaustão mental. Hoje, principalmente devido ao isolamento social, temos muita coisa para processar ao mesmo tempo, como explicou Caroline Janiro, psicóloga e fundadora do site Psicologia Acessível. “Não estávamos prontos para tudo o que está acontecendo”, ela comenta. “Agora, estamos à flor da pele, mais vulneráveis, e as pessoas têm muito acesso à TV, à Netflix, à Internet. E elas tendem a procurar por coisas com as quais elas se identificam, coisas que as motivem. Isso explica o sucesso do filme O Vendedor de Sonhos. Com a quarentena, as pessoas precisam de uma motivação, um alimento para essas angústias.”

Para ela, é importante aceitar que estamos vivendo um momento difícil. Como forma de sobrevivência, nosso cérebro tem funcionado de forma diferente durante o período de quarentena. “Muitos dizem que ‘está errado’ nos sentirmos ansiosos, tristes ou angustiados. Mas é justamente o contrário. Nosso cérebro está em estado de alerta, sem que a gente perceba. Estamos vivendo uma energia diferente - e não é nenhuma questão mística. É uma questão real, de química”, revelou Janiro, acrescentando que o nosso cérebro entende quando passamos por algum conflito e, assim, produz substâncias que nos mantém em estado de alerta, projetando nossas ansiedades e angústias para um nível elevado.

Precisamos falar sobre ansiedade, tristeza e depressão

Bom, além de tudo, o Vendedor de Sonhos me mostrou a importância - e o peso - de debatermos temas como ansiedade e depressão de forma consciente na sociedade, tomando o cuidado necessário para que pessoas em risco procurem ajuda. “A questão não é falar sobre o suicídio mas como falar”, explica o filósofo, psicanalista e neuropsicólogo Fabiano de Abreu. “A depressão é um abismo cujo a identidade pode estar em fatores genéticos e/ou hormonais. É necessário falar do que antecede a depressão. Encontrar soluções e ajuda para evitar que chegue no ponto mais grave. Os transtornos, síndromes e comportamentos que nos tiram o equilíbrio e bem estar devem ser tratados com orientação de profissionais do meio, que estão acostumados com todos os tipos de casos.”

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*Lembrando que, no Brasil, há o Centro de Valorização da Vida (CVV) para ajudar pessoas com pensamentos suicidas. Ligue para o telefone 188 ou entre no site https://www.cvv.org.br/.


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