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Coração selvagem

Onde Vivem os Monstros é conto de fadas adulto para crianças de espírito

Por Pablo Miyazawa Publicado em 15/01/2010, às 17h17

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Onde Vivem os Monstros é uma fábula de fantasia fundamentada no surrealismo. Nada que seja novidade para Spike Jonze, diretor proficiente de videoclipes, responsável por dois dos produtos mais desatinados a alcançarem as telas nos últimos 15 anos - Quero Ser John Malkovich (1999) e Adaptação (2003). Sob esse prisma, e levando em conta o variado currículo de Jonze, Onde Vivem os Monstros é - literalmente - brincadeira de criança.

Inspirado em um livro lançado originalmente em 1963 (Where The Wild Things Are, de Maurice Sendak), Onde Vivem os Monstros se vale essencialmente da habilidade do cineasta em criar uma ambientação cativante e confortável, seja para as crianças como para os marmanjos. Um conto infantil de vinte e poucas páginas, duas dúzias de frases simples e delicadas ilustrações, a obra se tornou best-seller por méritos próprios e rendeu inúmeras interpretações alegóricas aprofundadas. É notório que Jonze fez questão de se comunicar com Sendak à medida que colocava seu filme em prática. Levou cinco anos e, dada a qualidade superior do material final, valeu cada minuto investido.

Acompanhamos no filme a saga solitária do irascível Max. Com 9 anos, o garoto (interpretado de maneira orgânica e sublime pelo estreante Max Records) não possui grandes questões existenciais além de uma difícil convivência com a irmã adolescente e a falta de atenção da mãe ocupada demais. Indomável e incompreendido, Max descarrega a solidão na criação de universos imaginários e bem elaborados. Após uma traquinagem mais exagerada, foge de casa, vestido de lobo e sem destino. O porto final é uma ilha remota habitada por monstros grotescos, onde Max é proclamado rei pelas criaturas de aparência hostil e coração mole. Soberano e inexperiente, o menino experimenta as mazelas da vida em sociedade à medida que enfrenta seus "monstros interiores", em uma terra sem leis onde a lógica humana é levada exageradamente ao pé da letra.

A sensação proporcionada pela interpretação de Jonze à obra de Sendak é chocante, densa e absolutamente crível, ainda que de cunho exageradamente alucinógeno: planos abertos refrescantes se misturam à utilização parcimoniosa de câmeras de mão, ao estilo dos documentários televisivos sobre vida selvagem. Os monstros - cujas expressões faciais foram recriadas digitalmente - foram dublados por atores do naipe de James Gandolfini, Forest Whitaker e Chris Cooper. A trilha sonora, tão épica quanto adequada, foi responsabilidade de Karen O and the Kids, coletivo formado pela vocalista do Yeah Yeah Yeahs e um punhado de parceiros de bandas diversas. Levados em consideração ingredientes tão interessantes, Onde Vivem os Monstros jamais poderia ser levado apenas como um filme de apelo infantil, assim como não se presta a ser uma obra destinada somente aos cinéfilos engajados. Como Jonze teria já declarado, não é um filme para crianças, mas um filme sobre uma criança. Portanto, serve a todos, sem distinção.

É especialmente fácil se deixar envolver pela experiência onírica e deslumbrante da ilha habitada por monstros e jamais duvidar da absurda natureza da situação vivenciada por Max. De maneira delicada e pungente, Jonze nos convida a um passeio guiado por um universo muito particular, do qual o espectador não se limita a ser simples observador, mas também um participante ativo. No final das contas, crer ou não neste faz-de-conta se torna uma questão meramente pessoal.