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“A ousadia dessa produção tem a ver com o nosso DNA”, diz Caetano Veloso sobre nova parceria com Gal Costa

Recanto chega às lojas nesta terça-feira, 6, e mistura dois universos antes distintos: a voz de Gal à música eletrônica

Bruna Veloso Publicado em 05/12/2011, às 20h07 - Atualizado às 21h56

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Gal Costa e Caetano Veloso - Victor Affaro
Gal Costa e Caetano Veloso - Victor Affaro

Passaram-se mais de quatro décadas desde que Domingo foi “prensado” – o termo já caiu em desuso, assim como o meio a que ele se refere, o vinil. Mas a parceria que deu origem ao disco está ainda muito viva, como comprova o novo trabalho de Caetano Veloso e Gal Costa. Os dois totens da música brasileira se reúnem em Recanto, primeiro disco de inéditas da cantora em seis anos, idealizado e composto por Caetano. O CD chega às lojas de todo o Brasil nesta terça, 6.

Gal Costa e Caetano Veloso foram capa da edição 58 da Rolling Stone Brasil. Leia a matéria aqui.

O “clique” veio por parte de Caetano, que, depois de assistir, cerca de dois anos atrás, a uma apresentação da amiga em Lisboa, resolveu propor a ideia do álbum. “Quando vi esse show, eu já vinha pensando em um disco de música eletrônica. E tudo que eu pensava, imaginava na voz da Gal”, contou o músico em uma entrevista coletiva de imprensa em São Paulo, no último dia 30 de novembro.

Desde o início, o trabalho nasceu diferente: é o primeiro disco de Gal calcado em elementos eletrônicos, além de ser a estreia de Caetano na confecção de um álbum nesse formato. Com a ajuda de Moreno Veloso (filho do cantor e afilhado de cantora), Caetano escolheu Kassin para transformar em som as bases que tinha em mente, já que ele mesmo admite não estar habituado a ferramentas digitais de composição.

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“Caetano sabe compor pra mim. Não sei se é por causa da nossa identificação com o João Gilberto, mas ele tem a capacidade de fazer coisas redondas pra mim, pra minha voz”, afirma Gal. Essa não é a única vez que João Gilberto, que serviu de ídolo comum e fator aproximador entre os dois nos anos 60, aparece nas respostas da artista. Segundo ela, o mestre da bossa está presente também em sua música preferida do disco, “Tudo Dói” (que também é a favorita de Caetano). “Acho que 'Tudo Dói' sintetiza de uma forma totalmente diferente o disco e a bossa nova. Ela tem a estranheza, a irreverência, a beleza, a sonoridade... Não sei explicar, tudo nela tem um componente ‘joaogilbertiano’”, acredita a cantora. Em clima de cumplicidade, Caetano completa: “Eu fico muito impressionado com Gal falando isso, porque pra mim essa canção é a que sintetiza o que o disco é, ela é a mais radical. Nós não falamos sobre isso antes, e quando ela demonstrou essa preferência e me contou suas razões, eu fiquei até emocionado”.

“Tudo Dói” é mesmo um bom exemplo de Recanto - o canto “cool”, como definem os dois, sobre a base impactante de Kassin chega a causar certa estranheza à primeira audição. Fãs desavisados podem até não reconhecer a diva de “Meu Nome é Gal” e “Vapor Barato” nessas novas faixas, mas a intenção era justamente essa: não se prender ao que já foi feito anteriormente. “A ousadia dessa produção tem a ver com o nosso histórico, com o nosso DNA”, afirma Caetano. “Eu queria que as canções não fossem recatadas, não evitassem ideias difíceis, nem palavras pesadas, nem sons desagradáveis. Porque eu sabia que o ‘cool’ da voz da Gal poderia conviver com segurança e autoridade em meio a tudo isso.”

Funk Carioca

Para o choque de ouvintes desacostumados a mudanças bruscas, Recanto tem ainda outra “surpresa”: a faixa “Miami Maculelê”, inspirada pelas batidas do funk carioca. “Eu, Kassin e Moreno concordamos que ela deveria ter um tratamento de funk carioca feito por quem faz [funk], de fato”, conta Caetano, que se empolga ao falar sobre o gênero. “Aquelas programações são fenomenais, são a arte de vanguarda mais impressionante do Brasil, fiquei impressionado com aquilo. O meu filho mais novo, que tem 14 anos, adora ouvir rádio que toca funk. Ele gosta de pagode e funk, porque ele joga futebol, tem gosto de jogador de futebol. Aí ele bota na rádio de funk e eu ouço aquelas gravações, fico deslumbrado!”

Tanto ele queria uma criação de alguém já versado no funk, que pediu a colaboração de DJ Marlboro para fazer a base - o que acabou não se concretizando. “Eu compus, fiz aquela parte em que eu falo, meio rap. Aí pedimos ao Marlboro. Encontrei com ele e ele disse que adorou, que ia fazer. E nunca entregou”, ele ri. “Então eu fiz com o Kassin. Não ficou como as [músicas de funk carioca] deles – as deles são mais vanguardistas do que a nossa. Mas a nossa é consideravelmente boa.”

Família

O trabalho com Moreno Veloso não serviu apenas como ponte entre Gal e Kassin – que ainda não se conhecem pessoalmente –, mas também como um resgate familiar. “Tive muita convivência com o Moreno quando ele era pequenininho”, conta a madrinha. “O Moreno foi a primeira criança por quem eu me apaixonei. Mas depois de um tempo ele cresceu, eu perdi a proximidade. Foi bom porque a gente resgatou isso. E trabalhar com ele é muito bom, porque ele é tranquilo, calmo e seguro.”

Além de marcar essa reaproximação com o afilhado, Recanto é também o primeiro disco de estúdio gravado pela artista depois da adoção de Gabriel, de 6 anos (segundo ela, ele adora a música “Miami Maculelê”). No entanto, Gal garante que a maternidade não mudou seu modo de trabalhar. “Nem um pouco”, ela diz, categórica, lembrando que o período sem discos ou grandes agendas de shows coincidiu com a chegada de Gabriel. “Há quem diga que [depois que] eu me tornei mãe, eu fiquei preguiçosa, que eu não trabalho. Eu trabalhei pra cacete, todos esses anos em que eu não me apresentei aqui no Brasil eu fiz shows em muitos lugares”, contesta. “Mas eu estava começando a querer voltar aos palcos, porque sabia que as pessoas sentiam falta de mim. Foi quando eu recebi o convite do Caetano.”

Recanto ao Vivo

A parceria vai ultrapassar as paredes do estúdio. Caetano dirigirá o novo show de Gal Costa, que deve estrear em março do ano que vem. Ainda não há datas, nem um formato definido, mas a ideia é ter um trio no palco – e transportar músicas-chave da carreira da intérprete também para uma roupagem eletrônica.