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Parasita da vida real: famílias da Coreia do Sul realmente vivem em porões e no subsolo, como no vencedor do Oscar 2020

Embora a obra seja fictícia, os apartamentos semi subterrâneos - os banjihas - são reais e servem de moradia para milhares de jovens em Seul

Redação Publicado em 10/02/2020, às 12h36

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So-dam Park e Woo-sik Choi em Parasita (Foto: Reprodução)
So-dam Park e Woo-sik Choi em Parasita (Foto: Reprodução)

Parasita foi o grande vencedor do Oscar 2020, contrariando as previsões mais precisas para a premiação. 

Além de honrar o maior número de estatuetas (nas categorias de Melhor Direção, Filme Internacional, Roteiro Original e Melhor Filme), o longa-metragem sul-coreano dirigido por Bong Joon-ho entrou para a história do cinema por ser a primeira produção não-americana a conquistar o principal troféu da noite.

Recentemente, Joon-ho admitiu que a ideia para o roteiro veio da própria vida dele. O sucesso de bilheteria narra a vida de duas famílias sul-coreanas: os pobres Kim, vivendo em um minúsculo e sombrio apartamento semi subterrâneo, e os endinheirados Park, em sua luxuosa mansão nas montanhas de Seul. 

Embora a obra seja fictícia, os apartamentos semi subterrâneos são reais. Conhecidos como banjiha, eles servem de moradia para milhares de jovens que trabalham duro em busca de um futuro melhor na capital da Coreia do Sul. 

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A repórter Julie Yoon, da BBC News Korean, visitou alguns deles e conta como é a vida nessas unidades.

"Praticamente não há luz solar no banjiha de Oh kee-cheol. A luz é tão escassa que sua pequena planta suculenta não sobreviveu. As pessoas conseguem espiar o que acontece em seu apartamento pelas janelas. Ocasionalmente, adolescentes fumam na parte externa do apartamento, ou cospem no chão. No verão, ele sofre com a umidade quase insuportável e precisa lutar contra o mofo, que se reproduz rapidamente. O pequeno banheiro não tem pia, e está a cerca de meio metro acima do nível do chão. O teto do cômodo é tão baixo que ele precisa ficar com as pernas abertas para que não bata sua cabeça", ela escreve.

Os banjihas são um produto histórico da cidade, e remetem ao período de conflito entre as Coreias do Sul e do Norte, décadas atrás. Em 1968, soldados norte-coreanos se infiltraram em Seul para assassinar o presidente sul-coreano Park Chung-hee. O plano foi frustrado, mas a tensão entre os dois países se intensificou e, naquele mesmo ano, agentes norte-coreanos armados se infiltraram na Coreia do Sul e foram registrados uma série de incidentes terroristas.

Temendo uma escalada do conflito, em 1970, o governo sul-coreano atualizou as regras para a construção civil, exigindo que todos os edifícios residenciais com quatro andares ou menos tivessem porões que pudessem servir como abrigos em caso de emergência nacional.

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Inicialmente, alugar esses espaços era ilegal. Mas, durante a crise imobiliária dos anos 1980, o governo foi obrigado a legalizar a residência nesses espaços subterrâneos dada a falta de espaço na capital.

Em 2018, as Nações Unidas observaram que a falta de habitação acessível na Coreia do Sul era um obstáculo importante para a população — especialmente para os jovens e os mais pobres —, embora o país fosse dono da 11ª maior economia do mundo. Por isso, os apartamentos semi subterrâneos se tornaram uma alternativa viável em um mercado no qual os preços não paravam de crescer. 

Ainda assim, alguns dos residentes dos banjihas sofrem para superar o estigma social associado a esses apartamentos. 

"Quando me mudei para cá, tinha marcas roxas nas pernas de tanto bater a canela no degrau [que leva ao banheiro] e arranhões de alongar meus braços contra as paredes de concreto", revela Oh kee-cheol, 31, que trabalha no setor de logística. "Eu já sei onde tudo fica."

Oh kee-cheol diz que passou a gostar de sua casa semissubterrânea: "Sabe, eu estou realmente satisfeito com o meu apartamento. Eu escolhi esse lugar para poupar dinheiro, e estou conseguindo guardar bastante. Mas notei que não vou conseguir impedir que as pessoas sintam pena de mim. Na Coreia, as pessoas acham que é importante ter um bom carro ou uma boa casa. Eu acho que o banjiha simboliza a pobreza. Talvez seja por isso que o lugar onde eu vivo define quem eu sou."

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Em Parasita, quando a família Kim se infiltra na vida dos Park para tentar tirar dinheiro deles, o membro mais jovem da família rica, Da-song, percebe que a família Kim tem um cheiro característico.

Quando Kim Ki-taek, o patriarca, tenta se livrar do odor, sua filha diz, friamente: "É o cheiro do porão. Ele não irá embora até que nós deixemos esse lugar".

Park Young-jun, 26, assistiu ao filme depois de ter se mudado para o seu banjiha. Inicialmente, sua razão para escolher o apartamento era bem simples: espaço e dinheiro. Após Parasita, porém, ele passou a prestar atenção no cheiro. "Eu não queria cheirar como a família Kim", diz.

Naquele verão, ele queimou incensos e manteve seu desumidificador ligado durante quase todo o tempo. De alguma maneira, o filme o motivou a arrumar seu apartamento e decorá-lo. "Não queria que as pessoas sentissem pena de mim", explica.

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Park e sua namorada, Shim Min, postaram as atualizações da reforma do apartamento na internet. "Quando meus pais viram o apartamento pela primeira vez, ficaram consternados. O antigo morador era fumante e minha mãe não conseguia superar o cheiro", diz Park.

Min, 24, foi inicialmente contra a decisão de Park de viver em um banjiha: "Eu tinha uma ideia muito negativa do banjiha. Não parecia seguro. Me lembrava da parte ruim da cidade. Eu fui criada em um conjunto de apartamentos de alto padrão, então fiquei preocupada com o meu namorado."

Contudo, os vídeos que fizeram da reforma do apartamento geraram reações positivas de seus seguidores. "Nós amamos nossa casa e estamos orgulhosos do trabalho que fizemos aqui", diz Min.

Oh também está juntando dinheiro para comprar seu próprio apartamento. Por viver em uma casa barata agora, ele espera realizar seu sonho mais rápido."Só lamento que minha gata, April, não consiga aproveitar o sol pela janela."

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