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Phoebe Bridgers é a amiga que todo mundo quer ter

Aos 26 anos, a cantora e compositora conquistou o coração dos fãs com um humor irresistível nas redes sociais e canções sombrias em que ela analisa os próprios traumas sob o olhar de um microscópio

Nicolle Cabral | @NicolleCabral Publicado em 14/10/2020, às 12h45

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Phoebe Bridgers (Foto: Davis Bates)
Phoebe Bridgers (Foto: Davis Bates)

Ser amigo da Phoebe Bridgers deve ser muito legal. E talvez ela tenha apresentado mais uma possibilidade para isso acontecer se você integrar o time da Saddest Factory, uma gravadora musical — finalmente encabeçada por ela — em parceria com a Dead Oceans. Os requisitos? "Boas canções, independente do gênero", como Bridgers apresenta.

"Sempre tive a fantasia de ter uma gravadora, mas eu definitivamente não tinha habilidade para fazer isso completamente sozinha", explica em entrevista à Rolling Stone Brasil. "Depois de me reunir com a Dead Oceans, vi o quanto eles são organizados, e eu pensei: 'Por que não encontro pessoas que fazem músicas incríveis e não tem necessariamente um selo por trás?'. Foi aí que eu decidi fazer acontecer e a gravadora me disse sim, o que foi ótimo". 

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Phoebe Bridgers (Foto: Divulgação)

O primeiro nome a aparecer sob as orientações da cantora é Claud, que lançou "Gold" na última terça, 13. Bridgers não esconde a animação de alavancar artistas com a própria gravadora, além de nos dar certeza de que a Saddest Factory não será como os outros grandes selos — e isso se deve exclusivamente pela personalidade da artista. Antes de assinar com a Dead Oceans em 2017, por exemplo, Bridgers se reuniu com várias outras empresas e dali não saiu nada de bom: uma insinuou que ela escrevesse tuítes mais sérios, enquanto outras ofereceram contratos inviáveis.

Por fim, foi ótimo ela ter dispensado qualquer uma dessas oportunidades, pois não imagino como seria entrar no Twitter sem me deparar com o senso de humor fascinante dela, as indagações sobre plugs anais e desabafos sobre ter ficado com tesão depois de assistir à Normal People. Essas observações — inesperadas para quem chega desavisado — estendeu a relação com os fãs, que, além terem acesso às canções viscerais de Bridgers, podem interagir diretamente com ela por meio das redes sociais como se todos fossem grandes amigos. 

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Se você acessar a conta dela do Instagram, por exemplo, é possível ver uma sequência de republicação de stories dos fãs vestindo a merchandising da cantora. O preferido da maioria, inclusive, parece ser a calça de moletom com "Phoebe Bridgers" escrito na parte de trás. Sobre essa troca tão genuína com o público, Bridgers explica que nunca teve a intenção de esconder nada a respeito da própria personalidade — e essa é uma das razões pelas quais tudo o que ela fez até agora parece tão interessante.

"Preciso estar muito longe das coisas para poder escrever sobre elas" — Bridgers

Assim como todos nós, Bridgers se diverte nos dias bons, enquanto nos outros é devorada pelos próprios pensamentos. Surpreendentemente, não são nesses dias que ela se reserva para compor as canções. "Preciso estar muito longe das coisas para poder escrever sobre elas", explica. "Sinto que ainda estou processando coisas de anos atrás e, em três anos, vou escrever sobre coisas que estão acontecendo agora, tenho certeza". 

Em "Motion Sickness", faixa do primeiro disco de estúdio Stranger in The Alpes (2017), Bridgers narra o relacionamento amoroso — e abusivo — que viveu com Ryan Adams durante 2014, "I hate you for what you did / And I miss you like a little kid" ("Te odeio pelo que você fez e eu sinto a sua falta como uma criança pequena", em tradução livre). Em 2019, a cantora se pronunciou publicamente em um artigo do The New York Times, ao lado de outras mulheres, a respeito do comportamento controlador e abusivo de Adams enquanto eles viveram uma relação amorosa e profissional. 

Phoebe Bridgers (Foto: Olof Grind) 

No disco mais recente, Punisher, lançado em junho de 2020, esse processo interno de superar as vulnerabilidades e escrever sobre elas se manteve — mas talvez ela nunca tenha soado tão honesta e atemporal como agora. Além disso, o disco ganhou magnetismo pela instrumentação abrasiva com a produção de Tony Berg, Ethan Gruska e Mike Mogis do Bright Eyes. Em "I Know The End", por exemplo, a faixa mais emblemática, e que encerra o registro, também foi escrita após um término de relacionamento. Desta vez, sem grandes questões, visto que, segundo ela, os dois agora "são como irmãos". 

"Escrevi no término do meu relacionamento com quem, na verdade, é o meu baterista [Marshall Vore]. Parece complexo, mas temos uma relação ótima. Meio que nos apaixonamos por meio da música, então sempre estaremos próximos por causa disso. Mas, sim, quando escrevi [“I Know The End”] eu estava pensando exatamente sobre essa sensação de que abrir mão de um relacionamento é como abrir mão de tudo que você tem no mundo. E, definitivamente, é assim que tem sido durante toda a minha vida", explica.

É com fantasmas do passado, visões do apocalipse e a luta contra os próprios demônios internos em uma série de personas que Bridgers desenhou as formas de Punisher. Além da epifania inédita de “Savior Complex” —  que surgiu durante um sonho —, referências da cultura pop também a inspiraram a criar atmosfera do disco. Como, por exemplo, uma exposição do Harry Potter na Biblioteca Britânica em Londres em que se deparou com livros repletos de receitas mágicas sobre poções do amor. Fleabag, criada e protagonizada pela outra Phoebe, aWaller-Bridge, também deu um soco no estômago da artista. 

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"Essa sensação de que abrir mão de um relacionamento é como abrir mão de tudo que você tem no mundo" — Phoebe Bridgers 

"Na época, estava ouvindo muito Grouper e o meu podcast favorito o My Favorite Murder”, acrescenta Bridgers as outras grandes inspirações de Punisher. "Várias coisas me influenciaram, como o próprio Halloween e muitas e muitas guitarras". 

Segundo a artista, as pessoas que a cercam também são essenciais durante o processo de composição. "Nunca deixo de ser inspirada por quem está ao meu lado, seja em situações que estivemos juntos ou apenas a essência do que aconteceu". Entre os dois discos de estúdio, Bridgers manteve os amigos por perto. Em 2018, por exemplo, sintonizou com a energia de Julien Baker e Lucy Dacus e juntas formaram o supergrupo chamado Boygenius. Paralelamente, tocou o projeto Better Oblivion Community Center com o parceiro de vida Conor Oberst, do Bright Eyes

Para finalizar os vocais de "In The End", inclusive, Bridgers pediu ajuda à Conor porque ela simplesmente não sabia como gritar. No Diary of a Song, do The New York Times, em "How to Convince Phoebe Bridgers to Write a Rock Song", a artista aparece aos berros no final do vídeo e conta como se divertiram. Para além dos amigos, que já era fã, a cantora também se aventurou com o The 1975, Hayley Williams e Lord Huron. “Foi assustador no início, mas agora me sinto completamente confortável com eles”, explica.

Agora que Bridgers enfim aprendeu a gritar — e muito bem —, perguntei pelo que ela gritaria com toda a força e a resposta foi imediata: "Vote". "Eu gostaria de gritar para que todas essas pessoas votassem e garantissem que quem está ao redor delas também possa votar", completou. Com a pandemia do coronavírus, milhares de eleitores na América anteciparam os votos por correspondência, e, por ser facultativo, vários artistas iniciaram campanhas para incentivar a população a votar. Segundo Bridgers, “os tempos estão sombrios”, por isso, é necessário estar atento.

Para aliviar a tensão, a cantora tem se dedicado a shows transmitidos virtualmente, como o KEXP at Home, Tiny Desk Home Concert  — com a cenografia da Casa Branca  — e uma apresentação incrível no Red Rocks, no Colorado, o primeiro grande show em um palco, porém sem a plateia. “Definitivamente, não há comparação, mas, para mim, é melhor que nada. É bom poder se conectar com as pessoas. Me sinto muito sortuda por ainda ser capaz de tocar algo bom”. 

Ainda que boa parte da trupe de "Meninas de Guitarra" (Phoebe Bridgers, Soccer Mommy, Lucy Dacus, Julien Baker e mais) não acreditam necessariamente em “salvar o mundo” quando sobem em um palco, elas reconhecem o impacto na indústria fonográfica e na legião de jovens de 20 e poucos anos que se sentem representadas pelas figuras delas e pelas composições tão honestas. "É muito legal ver garotas se inspirando, porque me senti da mesma forma. Só comecei a tocar guitarra porque achei pessoas legais que tocavam muito bem". 

Com base na personalidade magnética e os projetos já lançados, Bridgers se consolida como a voz de uma geração que não tem muitas perspectivas quando o assunto é o futuro, mas que encontra aconchego nas linhas escritas por ela — seja nas composições ou no Twitter. "Eu sou uma pessoa normal e que frequenta a terapia" (como já revelou em entrevistas anteriores). A verdade é que Phoebe Bridgers cabe confortavelmente na figura de uma amiga que sabe exatamente quando é o momento certo para te fazer rir e quando é preciso parar e refletir sobre os próprios traumas e inquietações existenciais. Comigo, ela já fez muito dos dois. 


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