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Prince estampa a capa da edição de maio da Rolling Stone Brasil

redação Publicado em 17/05/2016, às 16h12 - Atualizado às 18h51

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Prince
Prince

Prince (1958-2016) estampa a capa da edição de maio da Rolling Stone Brasil. A matéria, dividida em três partes, traz a última entrevista dele à Rolling Stone EUA, concedida dentro do complexo Paisley Park, tributos de Stevie Wonder, Lenny Kravitz e Sheila E., além de relembrar os caminhos tomados pelo artista visionário que, além de exímio músico e um dos maiores guitarristas da história, foi um destruidor de tabus e serviu de "Imperador do Pop", como definiu Wonder. Leia um trecho abaixo.

A edição117 conta ainda com um perfil de Fernanda Abreu; um especial celebrando os 50 anos de Pet Sounds, dos Beach Boys; portfólio de Ken Regan clicando Bob Dylan; entrevistas com Sophie Turner (Game of Thrones, X-Men: Apocalipse), Steven Tyler e Kleber Mendonça Filho, que estreou seu filme Aquarius em Cannes; e uma matéria sobre os milionários do setor privado que promovem uma nova busca por vida inteligente fora da Terra. A revista chega às bancas a partir desta quarta, 18.

Prince - Astro do rock, senhor do funk, provocador, gênio: como o artista criou um universo inigualável e repleto de adoradores – mas, no fim, se foi sozinho

Por Joe Levy

No dia 14 de abril, uma quinta-feira, mais ou menos às 18h, uma SUV preta estacionou na frente do teatro Fox, em Atlanta, Estados Unidos. Faltava uma hora para o show, mas Prince não precisava de muita preparação – essa era a oitava parada da turnê Piano and a Microphone, uma série de apresentações fora do comum (quase sempre duas por noite) que mostrava um dos maiores artistas do mundo reduzindo a escala de sua performance a um recital íntimo. “Ele só passou o som durante alguns minutos”, Lucy Freas, a produtora que organizou esse evento, conta á Rolling Stone. Como era hábito dele havia mais de uma década – não importava se estivesse tocando sozinho para um teatro com 4.600 lugares ou com uma numerosa banda para uma arena com capacidade para 20 mil pessoas –, os shows eram organizados de última hora. Lucy tinha recebido um e-mail com o título “Prince” alguns dias antes. A equipe dele estava procurando uma produtora independente. Será que ela estava interessada? Dez minutos depois, já estava ao telefone.

Esses shows de Atlanta haviam sido marcados originalmente para o dia 7 de abril, com ingressos à venda nove dias antes (muito mais tempo do que as 32 horas que o Sony Centre, em Toronto, Canadá, teve para comercializar entradas para um show em março). Os ingressos para o teatro Fox esgotaram imediatamente, mas um problema de saúde obrigou Prince a adiar Atlanta por uma semana; quando ele chegou naquela noite, ainda não estava passando bem. “Não se preocupe”, o coordenador da turnê disse. “Ninguém vai saber. Ele vai se apresentar, e vai dar tudo de si.”

Quando subiu ao palco para o primeiro show, ele parecia à vontade, cumprimentando os fãs da frente antes de se sentar ao piano e dar início a uma versão de “Little Red Corvette”, incluindo trechos de “Dirty Mind” e o tema da turma do Charlie Brown. Foram 80 minutos de hipnotizar. O piano foi o primeiro instrumento de Prince – o pai dele, John Nelson, tinha tentado ganhar a vida como pianista de jazz. (“[Meu pai] não me ensinou isso”, ele brincou a certa altura, durante uma elaboração brincalhona de “O Bife”. “Eu aprendi sozinho.”) Em alguns momentos, parecia que as músicas estavam ganhando forma pela primeira vez. Em outros – principalmente no segundo show, no qual ele tocou uma versão dinâmica de “Black Sweat”, de 3121 (2006) –, soavam perfeitas, com a voz dele e os ritmos comandados por sua mão esquerda preenchendo todo o espaço.

Assim como aconteceu com vários artistas visionários, houve um período na carreira de Prince – quase toda a década de 1980 – no qual a música dele parecia viver no futuro. Talvez por causa disso, alguns momentos no teatro Fox agora soem como premonições. No show das 19h, ele fez uma cover de “A Case of You”, de Joni Mitchell, há muito tempo uma de suas artistas preferidas. Em 2015, Joni foi encontrada sozinha e inconsciente em casa, em Los Angeles, depois de sofrer um aneurisma cerebral. (De lá para cá, ela se recuperou parcialmente.) Também tocou “Heroes”, de David Bowie, uma homenagem a um artista que havia morrido apenas três meses antes, e que tinha sido – como o próprio Prince sempre foi – inquieto e deliberado com sua arte e imagem, tendo desafiado as normas binárias de gênero. A canção fala a respeito do desejo de transcender – de agarrar um momento de glória capaz de transformar o que é impermanente em algo eterno – e Prince incorporou a letra, marcando cada verso com uma estocada vocal.

No show das 22h, o terceiro e último bis começou com “Sometimes It Snows in April”, de Parade (1986), uma eulogia para o personagem Christopher Tracy, que Prince interpretou no filme Sob o Luar da Primavera. “Sometimes I wish life was never ending” (“Às vezes eu queria que a vida não tivesse fim”), diz o refrão. “All good things, they say, will never last” (“Todas as coisas boas, dizem, nunca vão durar”). O show terminou com “Purple Rain”. Prince incluiu pequenos trechos de “The Beautiful Ones” e “Diamonds and Pearls”, então retomou a música de 1984 que anunciou sua ascensão ao status de superastro. O público se juntou a ele no famoso falsete sem palavras no fim, batendo palmas.

E foi assim que o show acabou.

Três semanas antes – depois de apresentações em Montreal e Toronto –, ele organizou festas após os shows em clubes locais. No Everleigh, em Toronto, uma jam session ocorreu tarde da noite. “Eram 3h ou 3h30 da manhã”, diz o produtor Rubin Fogel. “Ele tinha chegado em um jatinho particular. Só podia levantar voo às 6h por causa do horário do aeroporto. Então, resolveu tocar.”

Em Atlanta, não teve festa. Ele foi direto para o aeroporto e, por volta da 1h da manhã, uma ligação de emergência foi feita do avião. O Dassault Falcon 900, de 1988, estava a menos de uma hora de Minneapolis, mas pousou em Moline, Illinois. Apesar de o motivo ter sido atribuído a uma gripe – a mesma causa dada para o cancelamento dos shows em Atlanta na semana anterior –, há relatos de que Prince foi supostamente tratado devido a uma overdose de medicamentos controlados, possivelmente o analgésico Percocet, em um hospital local, e foi embora porque não havia quarto particular disponível. Os shows dinâmicos que fazia tinham exigido um preço a ser pago fontes dizem que ele tinha problemas no quadril que possivelmente vinham de 30 anos atrás, devido a lesões adquiridas durante a turnê Purple Rain.

Ele parecia frágil, mas de bom humor, na noite seguinte, sábado, 16 de abril, de acordo com quem esteve em uma festa dançante no complexo de Paisley Park, onde Prince vivia. Exibiu uma guitarra nova, mas deixou no estojo – “Ultimamente, não consigo tocar guitarra”, disse, de acordo com o relato de Jon Bream, que cobre Prince há muito tempo no jornal Minneapolis Star Tribune, e divertiu os 300 presentes com sua versão de “O Bife” em um piano roxo novo. “Esperem alguns dias antes de desperdiçarem suas preces”, ele lhes disse.

Na quinta-feira seguinte, dia 21 de abril, de manhã, Prince foi encontra- do em um elevador em Paisley Park. Fontes dizem que ele estava morando sozinho em um apartamento no 20 andar nos fundos do complexo de 6 mil metros quadrados, desde que demoliu a casa onde vivia, ali perto, em 2005, mais ou menos na época de seu segundo divórcio. A última vez que foi visto vivo foi por volta das 20h da noite anterior. Uma ligação para o serviço de emergência foi feita às 9h43 da manhã, mas os atendentes médicos não puderam reavivá-lo e Prince foi declarado morto às 10h07. Tinha 57 anos.

Em Minneapolis, naquela noite, as ruas ao redor do First Avenue, o clube onde as cenas de show do filme Purple Rain foram feitas, foram fechadas enquanto milhares de pessoas se reuniram para dançar e cantar as músicas de Prince. Essa gente não estava sozinha. Dançaram em Los Angeles e no Brooklyn, em Nova York, onde Spike Lee abriu a porta da garagem de sua produtora, a 40 Acres and a Mule, e um DJ tocou canções de Prince em alto volume madrugada afora.

As pessoas estavam reunidas para representar a música que sempre falou do sentido de comunidade – as utopias da liberdade musical e sexual que ele chamou de Uptown, Paisley Park ou Erotic City. Ele foi a maior figura ilusória do rock, sendo que a ilusão era que ele seria capaz de se transformar em qualquer coisa que pudesse ser um astro do rock. “Am I black or white, am I straight or gay?” (“Sou negro ou branco, sou hétero ou gay?”), perguntou em uma música. A única resposta era sim. Ele mudava a voz de masculina para feminina e se cobria de mistério e de roupas de corte impecável (quando resolvia usar roupa), vendendo fantasia em sua música e em sua imagem. Essas fantasias eram sexuais de modo ultrajante e apaixonadamente religiosas, às vezes ao mesmo tempo. O rock and roll sempre cruzou o sagrado e o profano, mas ele elevou o padrão ao apocalíptico e ao pornográfico.

Mais do que qualquer outro astro da década de 1980, Prince trouxe os sonhos do passado do rock and roll para o presente: vestiu o casaco de Jimi Hendrix, usou o bigode de Little Richard, dominou os passos de dança de James Brown e fez tudo isso por cima de batidas de bateria eletrônica, mostrando como os impulsos da história podiam ser transformados no som do futuro. “Dearly beloved, we are gathered here today to get through this thing called life” (“Caros amados, estamos aqui reunidos hoje para passar por esta coisa chamada vida”), ele entoou no início de Purple Rain. Independentemente de as pessoas que estavam escutando serem negras ou brancas, independentemente de serem heterossexuais ou gays, estavam interligadas, e essa união era consagrada pela música dele.

Com a partida de Prince, o público o homenageou em Minneapolis, em Los Angeles e no Brooklyn da única maneira que fazia sentido: dançando pelas ruas.

Você continua lendo esta matéria na edição 117 da Rolling Stone Brasil, Maio/2016.