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Radioca 2017: Metá Metá, Rincon Sapiência e música afro-brasileira abrilhantam o festival em Salvador

Terceira edição do evento também recebeu Far From Alaska, Pio Lobato, Curumin e Quartabê, entre outros, nos dias 7 e 8 de outubro

Lucas Brêda, de Salvador Publicado em 11/10/2017, às 20h56 - Atualizado às 21h57

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Metá Metá e Rincon Sapiência no Festival Radioca 2017 - Rafael Passos
Metá Metá e Rincon Sapiência no Festival Radioca 2017 - Rafael Passos

O título de eclético caberia muito bem, mas no último fim de semana – dias 7 e 8 de outubro –, o festival Radioca teve a sua edição mais focada e devidamente abrilhantada pela porção da música brasileira influenciada pela cultura negra. O Trapiche Barnabé, em Salvador (Bahia), recebeu o “manicongo” Rincon Sapiência, o perito do groove Curumin e o furacão Metá Metá, que – junto ao Far From Alaska – fizeram os melhores shows do terceiro ano do evento.

O Radioca, criado como um braço do programa de rádio homônimo – comandado, entre outros, pelo músico Roberto Barreto, do BaianaSystem –, carrega duas características gritantes: é alternativo e brasileiro por essência. Não há espaço, portanto, shows de grandes estrelas (nomes como Caetano Veloso ou Gal Costa não se encaixam no perfil do evento, a despeito de outros como o Coala, em São Paulo, por exemplo) ao passo que, dificilmente, algum line-up do festival vai contar com um nome estrangeiro.

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Outra particularidade é o lugar. Salvador é uma das capitais mais bonitas do Brasil, só que o Radioca sequer precisou da vista das praias para estabelecer um dos espaços mais únicos a receber shows no país. O evento ocupa o Trapiche Barnabé, um galpão antigo e a céu aberto, que acolheu e estabeleceu uma atmosfera atemporal para as menos de 2 mil pessoas (público diário do festival) que pagaram R$ 40 ou R$ 50 (a inteira) para uma entrada diária ou o pacote de R$ 60 para o fim de semana.

Além de um único palco, o Trapiche ganhou uma praça de alimentação (hambúrguer, tapioca, acarajé e crepe foram as opções principais) e diversas barraquinhas vendendo camisetas, discos e artesanato, entre outros objetos. Por manter a estrutura singela, o Radioca não enfrentou problemas de fila (para o banheiro, por exemplo) e nem de lotação. A única ameaça foi a chuva, que até preocupou o público no domingo, com algumas gotas, mas não chegou a de fato cair sobre o Trapiche.

Em cima do palco, os primeiros horários da tarde (17h) foram dedicados a atrações baianas emergentes, que podem ganhar mais notoriedade no futuro (Giovani Cidreira, por exemplo, tocou no horário em 2016 e este ano apareceu para o cenário nacional com o disco Japanese Food). No último sábado, Livia Nery teve uma plateia surpreendentemente preenchida para mostrar sua MPB balançada, de performances vocais seguras e pouca inventividade. Jadsa Castro fez o mesmo no domingo, com uma poesia passional e uma postura intensa em cima do palco.

Também passaram pelo Radioca o tradicional cantor local Raymundo Sodré – fazendo até manifestação política contra “todos” os partidos –, a banda alagoana de rock Mopho – marcando o retorno às atividades com um show atrapalhado por problemas técnicos e por uma pessoa que roubou a cena ao ver a apresentação literalmente deitado na frente da plateia – e o Quartabê – incrementado pelo baterista Sergio Machado, do Metá Metá. O show do Quartabê, brutalista e instrumental, com influências de jazz, aliás, foi uma grata surpresa: manteve atento o público mesmo com uma sonoridade tão distante das outras atrações.

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Pio Lobato e Lucas Estrela

Pio Lobato, mestre da guitarrada, comandou o palco variando entre temas mais tradicionais do gênero, dos anos 1990, e o trabalho mais recente e “torto” – como ele mesmo disse. Quando Lobato recebeu o conterrâneo Lucas Estrela, o show foi a outro patamar. Enquanto o mais velho explorava os sons limpos e brilhantes, passeando agilmente pelo braço da guitarra, o mais jovem criava a cama variando timbres e com uma paleta de cores ainda mais rica. A soma foi uma espécie de “guitarrada cabeçuda” ou “guitarrada dinâmica” – chame como quiser –, o que inseriu humores e sensações ao que é nacionalmente conhecido do estilo. O papo entre eles ficou ainda mais afiado quando solaram juntos.

Curumin

Boca (2017), mais recente disco de Curumin, nem é tido como um dos melhores lançamentos da discografia do baterista, mas ele segurou e colocou o Trapiche para balançar com uma apresentação quase inteiro baseada no trabalho (das contagiantes “Bora Passear” e “Terrível” às menos convencionais, como “Prata, Ferro, Barro”) . Curumin já é uma espécie de guru do groove na música contemporânea do Brasil e, no palco, ele consegue fazer dançar mesmo imóvel atrás de uma bateria, pulando do soul ao funk carioca com a mesma naturalidade que divide os vocais e as baquetas. A entrada do convidado Russo Passapusso – colaborador frequente de Curumin e vocalista do BaianaSystem – deu o movimento que faltava no palco e incendiou de vez a plateia, que ainda pulou com a clássica “Magrela Fever” (de JapanPopShow, 2008).

Far From Alaska

Dois elogiados discos nas costas e o Far From Alaska nunca havia pisado em Salvador. Foi, portanto, um serviço prestado pelo Radioca levar o quinteto potiguar ao Trapiche, mesmo se tratando de uma banda roqueira e que canta em inglês (única nos três anos de festival). Assim como o segundo álbum da banda – Unlikely, recém-lançado –, o show foi dinâmico: a sisudez de baixo-guitarra-bateria foram decorados pelas entradas da multiinstrumentista Cris Botarelli, que insere slide guitar, sintetizadores, autotune, backing vocals – e, em outro nível – uma identidade própria ao rock da banda. A vocalista, Emmily Barreto, não mediu palavras para expressar a emoção da ocasião (“A gente tá parecendo uns pintos no lixo mas isso é bom”, disse) e Cris foi parar no meio de uma das rodinhas de pogo – fato pouco comum no fim de semana – na plateia.

Rincon Sapiência

Longe dos holofotes, o rap é hoje o gênero mais prolífico e um dos mais consumidos na música brasileira. Competência do Radioca ter escalado Rincon Sapiência, com o elogiado disco de estreia Galanga Livre (2017), para fechar o sábado de festival. Com muito tempo de show (1h30 prevista), o rapper paulistano tocou sem a banda completa, só com DJ, guitarrista e percussionista, e teve que improvisar interlúdios instrumentais para preencher o horário. As canções mais balançadas do repertório (“A Noite É Nossa”, “Amores às Escuras”) se encaixaram bem na proposta do festival, mas o final, com as pancadas “Meu Bloco” e “Ponta de Lança” (um hit improvável que já é quase um hino destes tempos), foi apoteótico em termos de energia e mostrou o maior trunfo do rapper: fundir espontaneamente gêneros e batidas de origem negra (“O trap, o rap, o samba, deu isso aqui”, ele canta em “Meu Bloco”) e soltar o verbo em rimas.

Metá Metá

Quem tem acesso e curiosidade sabe que não é novidade: o Metá Metá tem um dos shows mais relevantes do Brasil atual. Uma das bandas mais inventivas em atividade, o trio une um discurso urgente – que não está em frases de protesto, mas entremeado na poesia sensível de Juçara Marçal –, uma atitude “violenta” – poucos shows de rock atual são mais punk que o Metá Metá em 2017 – e um berço tão rico – as guitarras de Kiko Dinucci, que são ao mesmo tempo samba e Sonic Youth, o sax carnavalesco e raivoso de Thiago França, a voz MPB e o universo das religiões africanas de Juçara. Em turnê com o disco MM3 (2016), eles abriram espaço para uma sobra da trilha que fizeram para o Grupo Corpo (“Odara Elegbara”), de dança, só que basearam o repertório mesmo nos três primeiros álbuns. A intensidade emanada (e recebida) foi tanta que este foi o único show a ter pedido de bis. E, quando eles saíram pela segunda vez do palco, o público voltou a pedir “mais uma”. O Metá Metá é como um furacão por onde passa, e tem sido assim especialmente nos festivais país a fora.