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Roger Waters diz que Caetano está sendo ingênuo e implora para que ele não toque em Israel

Apesar de apelos do ex-baixista do Pink Floyd, Caetano Veloso e Gilberto Gil não abrem mão de se apresentar em Tel Aviv

Redação Publicado em 30/06/2015, às 12h32 - Atualizado às 22h47

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Galeria – Clássicos de Roger Waters - Capa - Britta Pedersen/AP
Galeria – Clássicos de Roger Waters - Capa - Britta Pedersen/AP

O debate público com Caetano Veloso e Gilberto Gil sobre a apresentação deles em Tel Aviv, Israel, no próximo 28 de julho, não para. Nesta terça-feira, 30, Roger Waters divulgou a tréplica da resposta escrita há uma semana, por Caetano, a respeito do apelo para que a dupla brasileira não faça show em solo israelense devido aos abusos impostos ao povo palestino na região.

Caetano Veloso se justifica em carta a Roger Waters e mantém show em Israel.

Diante dos argumentos de Waters, do arcebispo da Igreja Anglicana sul-africana e Prêmio Nobel da Paz em 1984 Desmond Tutu, do grupo não-violento BDS (sigla para boicote, desinvestimento e sanções) e de milhares de fãs pela internet, Caetano afirmou que a situação no Oriente Médio “não é tão preto no branco” e que pretende ir a Israel para ver o que de fato está acontecendo por lá.

Após Caetano Veloso e Gilberto Gil anunciam turnê conjunta para celebrar os 50 anos de carreira.

Waters agradeceu a atenção, mas sugeriu que o brasileiro está sendo ingênuo e implorou para que ele mude de ideia. “O fato é que por muitas décadas, desde a Nakba (catástrofe, expropriação do povo palestino) em 1948, as políticas coloniais e racistas de Israel têm devastado a vida de milhões de palestinos”, afirma o músico inglês. “O atual regime de extrema direita de [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro de Israel] é apenas o governo perpetrando atos cruéis de injustiça e colonização. Mas isso não é um problema apenas da direita”.

Arcebispo sul-africano Desmond Tutu se une a apelo contra show de Gil e Caetano em Israel.

“Sua carta sugere que você acredita que seu futuro show em Tel Aviv pode ajudar a mudar a política israelense. Eu sugeriria que essa é uma posição ingênua. Infelizmente, não é apenas o governo israelense que precisa de uma mudança de mentalidade. Pesquisas indicam que impressionantes 95% do público judeu israelense apoiou os bombardeios a Gaza em 2014 (561 crianças mortas), 75% não apoiam um Estado palestino baseado nas longamente negociadas fronteiras de 1967, e 47% acreditam que os cidadãos palestinos de Israel devem ser destituídos de sua cidadania”.

Caetano Veloso e Gilberto Gil anunciam primeiras datas de turnê conjunta no Brasil.

“Não, Caetano, tocar em Tel Aviv não vai mover o governo israelense ou a maioria dos israelenses nem um centímetro, mas vai ser visto como a sua aprovação tácita ao status quo. Sua presença lá será usada como propaganda pela direita e proverá cobertura e apoio moral às políticas ultrajantes, racistas e ilegais do governo israelense. Eu imploro a você para não proceder com sua participação em Tel Aviv, em vez disso, tome a oportunidade de visitar Gaza e a Cisjordânia”.

Quando Caetano e Gil anunciaram em 26 de maio a realização de espetáculo da turnê Dois Amigos, Um Século de Música em Israel, foi desencadeada uma série de protestos nas redes sociais. No Facebook, a página “Tropicália Não Combina com Apartheid” já reuniu mais de 12 mil assinaturas contra a performance dos músicos em Tel Aviv.

Anteriormente, Gil disse que não era necessário escrever uma carta a Waters e respondeu que os argumentos dele eram “fortes e verdadeiros até certo ponto". "Não a ponto de que devemos considerar Israel uma sociedade de apartheid. É um regime democrático. Tenho empatia pelo povo, já estive lá tantas vezes. E nas duas últimas vezes em que fui tocar lá também enfrentei objeções, com o mesmo tipo de movimentação internacional para me dissuadir de ir. Mas nós vamos", afirmou Gil.

Leia na íntegra a resposta de Waters:

Querido Caetano,

Obrigado por tomar seu tempo para responder minha carta. Diálogo é realmente importante. Eu vou responder aos pontos que você levantou. Temo que você possa estar vendo a política israelense com lentes cor-de-rosa. O fato é que por muitas décadas, desde a Nakba (catástrofe, expropriação do povo palestino) em 1948, as políticas coloniais e racistas de Israel têm devastado a vida de milhões de palestinos.

O movimento BDS, ao qual estou pedindo que se junte, é um movimento global que demanda liberdade, justiça e igualdade para os palestinos. Está aumentando rapidamente por causa da crescente consciência internacional sobre a opressão que os palestinos têm suportado nesses últimos 67 anos. O atual regime de extrema direita de Netanyahu é apenas o último governo perpetrando atos cruéis de injustiça e colonização. Mas isso não é um problema apenas da direita. Foi, na verdade, o partido de esquerda Trabalhista que fundou o programa de assentamentos ilegais e que também falhou em acabar com a ocupação das terras palestinas e fazer a paz.

Em sua carta, você diz que Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir acreditavam em Israel antes de morrer. Até pode ser, mas isso foi naquele tempo, talvez à época eles não soubessem, ou não compreendessem, a brutalidade da ocupação das terras palestinas e a subjugação de seu povo. No entanto, eu sei o seguinte, os assoalhos respingados de vinho e café do Café Flores e do Les Deux Magots hoje reverberariam com o som de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir revirando-se em seus túmulos ao ouvirem seus nomes usados em vão e pregados ao mastro da ocupação e opressão do povo palestino.

Você menciona o Arcebispo Emérito Desmond Tutu, ele está entre os que abraçam o BDS, já que ele observou as ações de Israel e tem profunda empatia com o povo palestino. Há, como ele apontou a você, um apartheid nos territórios ocupados que é tão definitivo e desumanizante como o que havia na África do Sul do apartheid, quando leis de passagem infames e racistas estavam em prática. Assim como na África do Sul, palestinos e seus direitos legais são definidos por sua origem racial ou religiosa. Você consegue imaginar uma coisa dessas no Brasil ou na Inglaterra ou nos EUA ou Holanda ou Chile, ou? Não. Por que não?

Porque é inaceitável, é por isso que não.

Caetano, se posso fazer uma pergunta, por que você não rejeitaria a cumplicidade com tamanha injustiça agora, assim como você certamente teria rejeitado o racismo branco contra a população negra da África do Sul nos anos 80?

Sua carta sugere que você acredita que seu futuro show em Tel Aviv pode ajudar a mudar a política israelense. Eu sugeriria que essa é uma posição ingênua. Infelizmente, não é apenas o governo israelense que precisa de uma mudança de mentalidade. Pesquisas indicam que impressionantes 95% do público judeu israelense apoiou os bombardeios a Gaza em 2014 (561 crianças mortas), 75% não apoiam um Estado palestino baseado nas longamente negociadas fronteiras de 1967, e 47% acreditam que os cidadãos palestinos de Israel devem ser destituídos de sua cidadania.

Não, Caetano, tocar em Tel Aviv não vai mover o governo israelense ou a maioria dos israelenses nem um centímetro, mas vai ser visto como a sua aprovação tácita ao status quo. Sua presença lá será usada como propaganda pela direita e proverá cobertura e apoio moral às políticas ultrajantemente racistas e ilegais do governo israelense.

É um dilema, eu sei, mas se você quer realmente influenciar o governo israelense, você se unirá a nós na linha de piquete do BDS. Nós estamos tendo um efeito poderoso, como você pode ver pela reação deles, os agressores vindo com toda a força para tentar esmagar nossas vozes de dissenso e nos silenciar.

Nós não seremos silenciados, somos fortes, e juntos nós podemos ajudar a libertar não só o povo palestino do jugo da opressão israelense, mas também o povo israelense da opressão de seu próprio excepcionalismo e dogma, que é fatal a ambos os povos.

Eu imploro a você para não proceder com sua participação em Tel Aviv, em vez disso, tome a oportunidade de visitar Gaza e a Cisjordânia e ver por você mesmo o que Sartre e de Beauvoir nunca viveram para ver. Eu acredito que sua resolução de tocar em Tel Aviv se dissolverá em um mar de lágrimas e arrependimento.

Caetano, eu não conheço você, nunca nos encontramos pessoalmente, mas eu acredito que você tem boas intenções e não carrego nenhum ressentimento. Se você for a Tel Aviv apesar de nossos apelos sinceros, e se você visitar Gaza ou os territórios ocupados, você pode muito bem ter uma epifania. Se você o fizer, por favor nos procure, a todos nós, não só nas comunidades palestinas e judaicas, mas todos nós em solidariedade no Brasil e em outros lugares, todos nós no BDS por todo o mundo trabalhando por justiça e direitos iguais na Terra Santa. Nós iremos abraçá-lo.

Eu lhe agradeço de novo por se juntar a essa conversa. Por favor, vá e veja as coisas por si próprio, mas sem se apresentar lá, sem cruzar a linha de piquete do boicote palestino. Talvez a UNWRA possa ajudar, eles certamente me ajudaram quando eu estava procurando a realidade. Vá e veja por você mesmo, você não terá que usar sua imaginação. A realidade é devastadora para além de qualquer coisa que você possa imaginar.

Obrigado,

Seu colega,

Roger Waters