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Som e Fúria retoma vocação popular de Shakespeare

Parceria da Globo com a O2, de Fernando Meirelles, minissérie traz Felipe Camargo como diretor de uma cia. de teatro assombrado pelo fantasma de um amigo

Da redação Publicado em 07/07/2009, às 15h18

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Felipe Camargo é Dante, diretor da companhia de teatro shakespeariana de <i>Som e Fúria</i> - TV Globo/Zé Paulo Cardeal
Felipe Camargo é Dante, diretor da companhia de teatro shakespeariana de <i>Som e Fúria</i> - TV Globo/Zé Paulo Cardeal

Som e Fúria quer pôr William Shakeaspeare em seu devido lugar: o de autor popular. Capitaneada por Fernando Meirelles e com estreia em 7 de julho, a nova minissérie da Globo foi apresentada nesta quarta, 24, em coletiva para a imprensa no Teatro Municipal de São Paulo, com presença de diretores (são cinco no total) e elenco. Foi lá, no mesmo lugar onde se passa a maior parte dos 12 capítulos sobre uma companhia de teatro especializada nas obras do dramaturgo britânico, que Meirelles revelou a melhor parte de rodar o projeto, uma coprodução da O2, sua produtora, com a Globo. "O que me encanta é a possibilidade de poder apresentar Shakeaspeare de uma forma mais popular. Com o tempo, ele virou essa coisa acadêmica, mas [fazia peças] para o povo, para uma plateia que comia e ria nos teatros."

A produção é baseada na série canadense Slings and Arrows, de um produtor que trabalhou com o cineasta em Ensaio Sobre a Cegueira. Meirelles gostou do que viu e, logo, o telefone tocava na casa de Guel Arraes, diretor de núcleo da Globo (ponha em sua conta sucessos como O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro).

Dante, interpretado por Felipe Camargo, é um camarada que anos atrás surtou no meio de uma montagem de Hamlet. Oliveira (Pedro Paulo Rangel) dirige uma companhia de teatro que não consegue se renovar, de tanto bater na mesma tecla shakeasperiana. Antes, eles formavam, junto à atriz Elen (Andréa Beltrão), uma espécie de três mosqueteiros do bardo inglês.

Após uma estreia fracassada de Sonho de uma Noite de Verão, Oliveira liga para Dante - a quem assistiu, no noticiário, ser despejado do teatro onde tocava a companhia Sans Argent (o recado é literal: "sem dinheiro", em francês). A conversa passa longe de amistosa. Desorientado com a discussão, Oliveira sai à rua - e morre atropelado por um caminhão de presunto. A partir daí, Dante assume a companhia do colega. Tal qual um "bat macumba" shakespeariano, o espírito de Oliveira começa a assombrar seu sucessor (alusão ao pai-fantasma de Hamlet), dando-lhe dicas (e puxões de orelha) sobre os novos rumos da companhia.

Em uma compilação de cenas exibida à imprensa, fica clara a vontade de pôr abaixo a ideia de que Shakespeare, há quatro séculos tão popular quanto uma novela das oito, é material de acadêmicos. A música-tema traz os versos "ser ou não ser enfadonho/ na busca de feijão e sonho" da série, que vem com elenco aditivado para projetar os números de audiência à lua. Além do trio principal, o cast conta com Rodrigo Santoro, Maria Flor, Daniel de Oliveira, Dan Stulbach, Regina Casé, Débora Falabella, Leonardo Miggiorin, Paulo Betti e Gero Camilo, entre outros.

Para Meirelles, era inevitável que a adaptação ganhasse forte sotaque brasileiro. "Nem todas as piadas canadenses serviam." Além disso, o grande conflito por lá não é o fato de um ator teatral ir para a TV, e sim migrar para o cinema hollywoodiano. Nosso Wagner Moura é o Jim Carrey deles.

À frente de uma produção com marcação cerrada na eterna questão "ser ou não ser popular?", Meirelles confessa que também se engarrafa nessa via das dúvidas. "O conflito do meu dia-a-dia é saber até onde vai minha integridade artística", disse o diretor de Cidade de Deus, filme brasileiro com melhor repercussão internacional nas últimas décadas. Só não quis revelar o quanto a Globo injetou para tirar Som e Fúria do papel. "Infelizmente, [a emissora] não me deixa divulgar. Não é astronômico, mas deu para pagar as contas."

Fora da geladeira global

Como protagonista, Camargo lembra por vezes uma versão mais velha de Wagner Moura - que recentemente esteve em cartaz com a bem-sucedida montagem de Hamlet, alvejada por alguns críticos por ter dispensado a poesia da peça original, com falas apenas em prosa.

Nos anos 80, na reluzente época de Anos Dourados, o ator era o filé mignon da Globo. Mas as famosas brigas com sua ex-mulher, Vera Fischer, o obrigaram a "vegetar" na emissora por um tempo - até o convite de Meirelles (que, a princípio, foi tomado como trote por Camargo), ele não protagonizava uma produção global havia 17 anos. "Este papel foi o presente da minha vida. O Dante é o melhor personagem que já fiz", disse.

Mas Camargo também não acha que tenha evaporado do mapa. "O problema é que, de repente, a imprensa só focava na minha vida pessoal. Mas dirigi três peças e protagonizei o filme Jogo Subterrâneo, por exemplo. Não acho que tenha sumido."

Round 2

Se tudo der certo - leia-se uma média de 20 pontos de audiência, considerada digna de champanhe para um programa exibido por volta das 23h -, Som e Fúria volta para uma segunda temporada. Um compacto de 1h20 também poderá ser lançado nos cinemas.

Beltrão aposta na vocação da série para livrar Shakespeare do injusto estigma de "cara difícil". "[A minissérie] vai se comunicar bem [com o público]. É debochada. Não se dá ares de importâncias. Fica na medida do humano."

Já Regina Casé se divertiu ao lembrar que, nos tempos de "militante do teatro", chegou a aparecer, em uma matéria para a revista Veja, proferindo a seguinte pérola: "Jamais vou entrar para a Globo!". Hoje, a atriz e apresentadora observa que "os grandes criadores, como Fernando, entenderam rápido que a TV é o grande meio de se comunicar com o povo".

Meirelles assina embaixo. Faz as contas e estipula em dois anos e meio o tempo que se leva para fazer um filme no Brasil. "Se ir bem, terá público de dois milhões. E vai ser difícil vender internacionalmente", pondera. Com a TV, a história muda: é bem mais fichinha, por exemplo, ser assistido por 20 milhões de espectadores na telinha. "A Globo só viu os quatro primeiros episódios e confiou."