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"Sucesso é fazer o que você ama e viver disso", afirma vocalista e guitarrista do Warpaint

Theresa Wayman rechaça o título de feminista, mas acredita que o mercado fonográfico para as mulheres é pautado no apelo sexual

Clarissa Wolff Publicado em 05/03/2015, às 18h01 - Atualizado às 18h40

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Theresa Wayman - Divulgação
Theresa Wayman - Divulgação

É meio-dia em Los Angeles e Theresa Wayman, vocalista e guitarrista do Warpaint, está relaxando com a mãe dela em casa. Enquanto as duas almoçam juntas, a televisão está ligada e mostra um episódio de No Reservations, o reality show de culinária apresentado por Anthony Bourdain. "Eu adoro cozinhar", diz Theresa, quando começamos a conversar.

Com mais de uma década de existência – a banda se formou em Los Angeles em 2004 – o Warpaint carrega as marcas do nascimento na sonoridade etérea, californiana e carregada de sensualidade. Diferente de outras bandas só de mulheres da atualidade, elas não trazem a raiva do Savages ou o pop do Haim: os vocais suaves em camadas e o ritmo envolvente são introspectivos, e a sensação a que remetem é muito mais próxima do transe do que da explosão.

Ao vivo, a hipótese é comprovada: absortas na música, as quatro integrantes se entregam, se divertem, e quase ignoram a plateia. Mas, mesmo com a pouca atenção que a audiência recebe, é impossível evitar ser puxado para o vórtex que a melodia cria, e a experiência é mesmo assim impressionante. É o público que vai até elas, não elas que vão até o público. "Nós viajamos e tocamos muito nos últimos anos, nos tornamos muito íntimas umas das outras, mais do que nunca. E com certeza melhoramos nossas apresentações ao vivo", Theresa garante.

O ano passado foi um ano intenso para o Warpaint, começando com o lançamento, já em janeiro, do álbum novo, homônimo: “Acabamos escolhendo o nome porque realmente acho que nos encontramos nos últimos anos”, ela fala, indicando a atmosfera onírica, a sobreposição de vozes, os acordes menores e a melancolia do disco. “Eu estava muito interessada em música lenta e minimalista na época, e isso foi muito importante. Nós nos perguntávamos: 'Gostamos disso? Está sexy o suficiente?' Uma vez, falamos isso em uma entrevista e, de repente, todo mundo assimilou e começou a falar que nossa música é sexy”. Outro fato repetido exaustivamente é a ideia de que o álbum é sobre amor: “Eu acho que é auto-explicativo, mas bom, foi o que eu disse. Não sei se a Emily [Kokal, vocalista] diria o mesmo”.

O ano de 2014 também trouxe novas experiências, como uma parceria com o DJ e produtor Skrillex – “Foi diferente de tudo que tínhamos feito, foi demais!” – e polêmicas. Em uma declaração para a revista Q, Theresa alegou que “Todas as músicas no último álbum da Beyoncé a fazem parecer uma vagabunda e ela não precisa fazer isso. Ela é linda e talentosa, e ainda acham que isso é liberação!”. Sua crítica à hipersexualização das mulheres na indústria ainda trouxe Rihanna para a discussão.

“Eu acho que, pra você ser bem-sucedida como mulher na indústria musical, você precisa ter algum apelo sexual. Isso me incomoda, porque parece que é perpetuado, e não existem grandes estrelas ou bandas de mulheres que não fazem isso, então, realmente parece necessário”, ela explica, percebendo de forma acurada a realidade material de uma sociedade machista. Theresa falha, porém, em perceber as estruturas que criam e mantêm essa realidade: “Eu não sei como isso pode mudar, eu acho que a gente entra no jogo. Acho que mulheres que têm algo a dizer, mas são lindas e sensuais, acabam usando isso como única arma. Acho também que é nossa responsabilidade. É minha responsabilidade cultivar algum lado que não seja só isso. No Instagram eu conheço meninas deslumbrantes que só tiram fotos delas mesmas, tipo, elas precisam fazer isso sempre? Sei lá, posta uma foto de algo que você esteja lendo, que você esteja fazendo...”

Vinte e cinto anos depois do nascimento do movimento Riot Grrrl nos Estados Unidos, mesclando música e expressão artística e feminismo radical, a presença feminina ainda é subjugada até mesmo pelas mulheres do meio. Tobi Vail, baterista da banda seminal Bikini Kill e ex-namorada de Kurt Cobain, ainda nos anos 1990 já havia declarado o quão cansada estava dessas mulheres que diziam que não gostam de se perceber como mulheres, mas como “artistas”. O que o movimento compreendeu já naquela época é que a condição de mulher é intrínseca à nossa realidade social e, por isso, impossível de ser dissociada.

Kathleen Hanna, vocalista da mesma banda e posteriormente das bandas Le Tigre e The Julie Ruin, ainda refletia sobre os espaços a que mulheres eram relegadas e todas as leituras preconceituosas que advinham da condição. Embora não reconheça o fenômeno completamente, até mesmo Theresa sente os efeitos: "Às vezes vamos tocar e todo mundo acha que a gente vai desapontar. Eles acham que, por sermos mulheres, não vamos saber tocar instrumentos bem. No fim eles acabam nos respeitando porque percebem que a gente leva a sério o que a gente faz. Mas homens geralmente pensam que mulheres não são tão comprometidas quanto eles”. Forçando o assunto feminismo, Theresa logo recua. "Não me considero feminista, não gosto de me categorizar", é sua justificativa final.

Quando discute literatura, Theresa mantém o posicionamento: “Meus autores favoritos são Hunter Thompson, Tom Robbins e Kurt Vonnegut. Olha só, são três homens fantásticos, por que não existem escritoras que eu gosto? Simplesmente acho que existem mais homens que valorizam a própria mente e criatividade, que são inventivos e fazem sua reivindicação na vida. Mulheres não fazem isso”. É óbvio, porém, que isso expõe a visão limitada da artista: Jennifer Egan venceu em 2011 o prêmio Pulitzer pelo maravilhoso A Visita Cruel do Tempo, que discute sobre música, tecnologia e a passagem inexorável dos anos. Virgínia Woolf trouxe em seus (sensacionais) livros discussões e reflexões sobre temas profundos da existência e do ser. O Morro dos Ventos, de Emily Brontë, é considerado por Bataille como um dos melhores livros já escritos, “sendo certamente a mais bela e profundamente violenta história de amor que existe”, nas suas palavras. A lista segue.

Por outro lado, Theresa apresenta uma maravilhosa lucidez ao descrever o que ela considera sucesso na atualidade: “Para mim, é fazer o que você ama e viver disso.” E é impossível se falar do cenário que vivemos sem citar as mudanças drásticas na indústria musical, principalmente derivadas da internet, que têm como principal exemplo os serviços de streaming como Deezer e Spotify. Para Theresa, tudo isso é excitante: “Existem muitas oportunidades pra todo mundo que quer se envolver. Também gosto do fato de que não existe mais um jeito certo de fazer as coisas. Nós temos várias formas de lançar um álbum, não só trabalhar por um ano no disco, esperar algumas semanas pra lançar, fazer três meses de entrevistas e divulgação e em seguida um ano de turnê. Eu gosto que é mais livre”, esclarece, demonstrando a coragem e entusiasmo.

Ainda sobre música, Theresa lembra a visita ao Brasil com carinho e comenta sobre retorno marcado para fevereiro de 2015 – data que posteriormente foi adiada. Contudo, segundo apuração, a possibilidade da vinda esse ano ainda é grande. Ela também confessa que adoraria fazer uma colaboração com Andre 3000 e que adora Kate Tempest, o Crush Songs da Karen O, Mac Demarco e Savages, claro. Também cita Haim: “Mas gosto delas por motivos diferentes. Elas são musicistas e pessoas ótimas, mas não coloco pra tocar como faço com Savages”. O bom gosto musical vem acompanhado de boas notícias: “Nós já estamos trabalhando no próximo disco do Warpaint, um pouco aqui, um pouco ali”. A gente agradece.