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The Post: A Guerra Secreta é acadêmico e conta história instigante, mas não “pega fogo”

Dirigido por Steven Spielberg e estrelado pela ótima dobradinha Tom Hanks e Meryl Streep, o filme narra os bastidores do vazamento de informações que foram escondidas por quatro presidentes dos EUA

PAULO CAVALCANTI Publicado em 25/01/2018, às 07h59 - Atualizado às 08h10

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<i>The Post: A Guerra Secreta</i>, filme dirigido por Steven Spielberg e estrelado pela dobradinha Tom Hanks e Meryl Streep - Reprodução
<i>The Post: A Guerra Secreta</i>, filme dirigido por Steven Spielberg e estrelado pela dobradinha Tom Hanks e Meryl Streep - Reprodução

Durante as décadas de 1970 e 1980, o diretor e produtor Steven Spielberg notabilizou-se criando mundos fantasiosos. De alguns anos para cá, porém, dinossauros, seres extraterrestres e tubarões carniceiros tornaram-se elementos do passado. Desde o premiado A Lista de Schindler (1993), ele passou a priorizar temáticas “adultas” e situações mais reais. O que não quer dizer que tenha perdido o dom de exímio contador de histórias.

The Post: A Guerra Secreta segue a mesma linha de alguns de seus mais recentes trabalhos, como Lincoln (2012) e Ponte dos Espiões (2015). Baseada em fatos reais, a ação se passa em junho de 1971, quando o presidente dos Estados Unidos era Richard Nixon e a impopular Guerra do Vietnã dominava as manchetes dos jornais. Na época, os jornalistas do The New York Times receberam através de Daniel Ellsberg, ex-colaborador do governo, um longo e detalhado relatório sobre o conflito, encomendado em meados da década de 1960 por Robert McNamara, ex-Secretário de Defesa durante os governos de John F. Kennedy e de Lyndon B. Johnson. Na verdade, a análise, classificada como Top Secret ia muito além da guerra em si, detalhando todo o envolvimento dos Estados Unidos na região da Indochina desde 1945. A conclusão era de que a Guerra do Vietnã era uma inutilidade, um desperdício de vida e de dinheiro, e de que todos os governos tinham muito esqueletos no armário.

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O governo de Nixon conseguiu evitar que o NYT publicasse os documentos vazados, agora conhecidos como The Pentagon Papers, alegando prática de espionagem e quebra de segurança. Só que o modesto, mas combativo The Washington Post entrou na jogada, e isso aconteceu em um momento decisivo para publicação. Katharine “Kay” Graham (Meryl Streep), publisher e proprietária do jornal, estava em meio a uma campanha bem-sucedida que tinha o objetivo de angariar investidores para o insolvente negócio. Mas o impetuoso e arrogante editor Ben Bradlee (Tom Hanks), quando notou que tinha a chance de publicar os documentos, não arregou diante das possíveis ameaças do governo. Kay ficou em um dilema. Se publicasse os Pentagon Papers, perderia todo o apoio financeiro que conquistou, comprometendo o futuro do TWP, patrimônio da família dela. Sem contar que ela e Bradlee ainda poderiam ser presos. Mas para a equipe do Post, a liberdade de imprensa era o que mais importava e, apoiados na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, lançaram-se à empreitada.

Spielberg revisita meticulosamente a atmosfera e visual dos anos 1970 e garante a credibilidade do longa. A cinematografia de Janusz Kaminski também recria a redação esfumaçada e bagunçada do The Washington Post. O diretor não hesita em usar os clichês de filmes sobre jornalismo, com todos os mecanismos inerentes a este tipo de produção: as verborrágicas reuniões de pauta, a correria em meio à redação cheia de gente, e os telefonemas frenéticos para as fontes misteriosas. Apesar de ser uma produção contemporânea que se passa na década de 1970, a alma de The Post está mesmo nos filme sobre jornalismo dos anos 1930 e 1940, como A Primeira Página e Jejum de Amor. Trata-se ainda de uma visão romantizada sobre o ofício e bem distante do jornalismo moderno. Mesmo com todo o esmero, o grande problema com The Post é que ele não pega fogo. Falta tensão à visão acadêmica que Spielberg impõe ao filme.

Apesar dos problemas na narrativa, o filme tem acertos notáveis, como quando detalha a proximidade dos bastidores do jornalismo em meio aos poderosos e influentes. A aristocrática Katharine era amiga dos chefões de todos os lados do poder. Ela e Robert McNamara, que no filme é interpretado por Bruce Greenwood, eram muito chegados. E o próprio Ben Bradlee também era confidente de John F. Kennedy. Fica claro que havia um verdadeiro conflito por parte deles em ter que expor os podres que os amigos tentaram esconder. Kay Graham, Bradlee e os funcionários do Post eram alinhados aos pensamentos do partido democrático. Assim, foi fácil mirar no truculento Richard Nixon. E como todos sabem, o The Washington Post foi crucial na queda de Nixon ao publicar uma série de reportagens reveladoras sobre o escândalo de Watergate (junho de 1972), engendrado pelo Partido Republicano, algo que Spielberg nos lembra na coda de The Post.

Mesmo não sendo um dos trabalhos mais impressionantes de Spielberg, The Post: A Guerra Secreta não deve ser ignorado, não só por recordar um capítulo importante dos Estados Unidos, mas também por conter notáveis interpretações. Meryl Streep e Tom Hanks são dois ícones que até agora nunca tinham trabalhado juntos, e a dobradinha deles em The Post é maravilhosa. O elenco coadjuvante, com Bob Odenkirk, Sarah Paulson, Tracy Letts e outros, também é de primeira.