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Tony Bellotto fala sobre Machu Picchu, seu novo livro

O Titã acaba de lançar o seu oitavo romance, que retrata uma família de classe média em crise

Antônio do Amaral Rocha Publicado em 17/04/2013, às 09h25 - Atualizado às 09h36

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Tony Bellotto - Reprodução/Facebook Oficial
Tony Bellotto - Reprodução/Facebook Oficial

O guitarrista dos Titãs e escritor Tony Bellotto acaba de lançar Machu Picchu, seu oitavo romance, que fala de uma família de classe média em crise. Boa parte da história se desenrola no trânsito. “Imaginava a ideia de uma sociedade que a gente construiu buscando a modernidade, a rapidez e, de repente, a gente começa a desembocar numa total imobilidade com todo mundo preso num enorme congestionamento”, explicou o autor.

Na entrevista abaixo, Bellotto fala sobre o novo livro, de sua carreira literária, das adaptações de sua obra para o cinema, do programa Afinando a Língua, dos Titãs, entre outros assuntos.

Os personagens de Machu Picchu estão presos em um congestionamento gigante e aproveitam o tempo para observar os acontecimentos e pensar na vida. Na verdade, relatar o que cada um anda fazendo. Eles pensam em voz alta. O que te levou a escolher este cenário?

Eu trabalhei todo o tempo no livro com o título Congestionamento. Imaginava a ideia de uma sociedade que a gente construiu buscando a modernidade, a rapidez e, de repente, a gente começa a desembocar numa total imobilidade com todo mundo preso num enorme congestionamento. Essa foi a ideia para eu localizar os personagens nesse impasse do mundo moderno.

E quanto a sua forma de escrever? Você pensa na estrutura dos seus romances?

Eu fui ao lançamento do livro da Marta Medeiros, minha amiga, uma escritora que vende muito, e quando cheguei à livraria, a fila saía da loja e ganhava a calçada e chegava até a esquina. Eu fiquei com uma inveja positiva e pensei “pô, que legal, escrever um livro que mobilize tanta gente, o que será que a Marta tem?” Ela escreve sobre problemas femininos... talvez as mulheres comprem mais livros que os homens, não sei. Daí me veio a ideia de começar a escrever o livro do ponto de vista da personagem Chica. Eu pensei “uma mulher que está traindo o marido, isso aí me parece um bom tema” e comecei a primeira parte, ela narrando na sequência. E durante a feitura do livro teve um momento que eu pensei que o personagem do marido, o Zé Roberto, não poderia ser apenas citado na narrativa da Chica e comecei a sentir vontade de falar pela voz dele também. Daí concluí que era interessante fazer uma narrativa que fosse fragmentada, que alternasse entre o marido, a mulher e o filho. A gente vai entendendo os acontecimentos que estão rolando naquele dia e a história deles todos com essa narrativa alternada.

Eu vi que isto estava funcionando, fui escrevendo e acabei a primeira parte. Quando eu fui para a segunda parte, a do jantar onde tudo se deflagra, eu continuei narrando alternado, mas daí não funcionou. E isso me tomou muito tempo porque eu tentei várias coisas. Tentei com a Anita, a personagem da menina narrando, falando telepaticamente com o pai, contando o que tinha acontecido naquela noite, tentei o Zé Roberto narrando e acabei concluindo que o jeito que funcionava melhor era mesmo a narrativa na terceira pessoa.

Você escreveu os capítulos na sequência em que são apresentados no livro? O romance se coloca, especialmente na primeira parte, com diversos narradores. Cada personagem é narrador do seu próprio episódio e parece que cada capítulo poderia ser escrito fora de ordem. Como isso se deu?

É interessante esta pergunta porque eu escrevi as partes separadamente até quase o final. A parte da Chica eu escrevi inteira, depois escrevi a do marido, o Zé Roberto, e depois a do filho Rodrigo. Depois disso, eu fui editando como se fosse a montagem de filme com as cenas já prontas. É claro que durante essa montagem mudei muita coisa, mas criei primeiro as narrativas separadas inteiras e depois fui montando.

O enredo de Machu Picchu é cheio de referências culturais, cita redes sociais, Jimi Hendrix, Dead Kennedys e coisas que não são do domínio de todo mundo, como James Joyce, Rimbaud, Erik Satie, Henry Miller. Estes são assuntos que você domina?

Claro, Jimi Hendrix é um assunto que eu domino. As referências pops são sempre muito importantes para mim, sempre me nortearam. Tem um fato interessante: eu decidi ser guitarrista quando eu vi uma foto de Jimi Hendrix, até antes de ouvir a música que ele fazia. Só de ver a foto que noticiava a morte dele numa revista em 1970, eu fiquei tão impactado com aquela imagem que eu tive certeza naquela hora que era aquilo que eu queria fazer na vida. Então, a questão das referências são muito importantes para mim e elas sempre estão presentes nos meus livros. Na minha adolescência eu já queria ser escritor, tanto quanto queria ser um guitarrista, e me obrigava a ler muitos livros - li diversos sem entender porra nenhuma. O Ulysses do Joyce foi um desses. Coloquei isso no personagem do garoto de uma forma meio cômica até, ele é meio perdido no mundo das referências pops e, de repente, para ele as coisas têm o mesmo peso, tanto um livro do Joyce quanto aquela música do Hendrix que ele está ouvindo. Eu acho que somos muito contaminados por essas referências no mundo de hoje.

A festa de aniversário de casamento dos dois personagens principais é como que um acerto de contas, já que cada um dos personagens desta família disfuncional, sui generis, cada um a seu modo, andaram fazendo besteiras. O enredo deste capítulo lembra um filme de Pedro Almodóvar. Você pensou numa coisa deste tipo para escrever este capítulo?

Eu pensei sim, não exatamente no Almodóvar, mas você lembrando agora eu vejo que faz sentido. Eu senti que tinha que ser uma solução um pouco teatral e ficou parecendo uma coisa de teatro de vaudeville, em que os personagens se revelam ali naquele momento. É um recurso de teatro, por isso que eu acabei optando por uma narrativa mais isenta em que os diálogos ocupam quase toda aquela parte. Quando eu optei por essa narrativa, eu fui reler algumas coisas. Tem um livro do Ian McEwan chamado Sábado, uma história que se passa em um dia em Londres quando está tendo uma grande manifestação contra a guerra do Iraque, e de repente, o apartamento do personagem principal é invadido por ladrões e o autor usa uma narrativa desse tipo na terceira pessoa. Foi um pouco isso o que eu busquei nesta parte do livro e acabou funcionando melhor.

Você evitou estereótipos. Num romance que se passa no Rio de Janeiro é de se notar a ausência do morro, do traficante da favela. Aqui o traficante é um surfista.

É isso, eu evitei esse estereótipo do Rio, uma ideia que já foi bastante explorada, mesmo no meu romance Os Insones tem isso. É uma situação até parecida, só que um pouco mais trágica. Uma família de classe média que tem esse envolvimento todo com o morro, com o tráfico. Só que agora eu percebo, como observador e como morador do Rio, que com essas ações de segurança pública, a pacificação dos morros, diminui um pouco essa imagem do traficante do morro, do traficante da favela. O que a gente vê hoje é um número muito grande do chamado traficante de classe média, que é o cara que vende essas drogas sintéticas, o cara da balada. Volta e meio eu vejo esse tipo de prisãom de traficante que já não é o cara que mora no morro, ele mora num bairro de classe média, zona sul, na Barra. Esse movimento que vem dos growers, que é um movimento internacional muito forte nos Estados Unidos, dos caras que defendem a liberação da maconha cultivada em casa para consumo próprio, é um universo que me interessa. Aqui no Rio é muito forte essa cultura do surf, então eu quis caracterizar esse traficante como uma figura meio engraçada, um guru. Mas traficante, uma cara metido a poeta, e fugi dessa figura do traficante rústico e grosseiro da favela.

Comparando com os outros romances seus, especialmente os com o personagem Bellini, Machu Picchu parece ser mais luminoso, mais solar, porque grande parte do enredo se passa nas ruas, durante o dia, em contraponto aos lugares fechados e enfumaçados por onde anda Bellini.

A minha necessidade de escrever outros romances que não sejam os do Bellini é muito no sentido de não ficar preso a quase que uma fórmula - não que eu acredite que o romance policial tenha uma fórmula, não é isso, mas ele tem umas regras, especialmente as histórias de detetive, que são muito específicas. Sempre vai ter um personagem que vai ter que desvendar um enigma. Todo detetive literário já tem no seu “código genético” essa tendência em frequentar os lugares enfumaçados, as ruelas, os becos sem saída. Não tem como se fugir muito disso, a literatura noir exige algumas coisas. Exige um crime, exige um criminoso e lidamos com coisas pesadas, em ambientes escuros, assassinatos, segredos. Machu Picchu, de todos os que eu escrevi, talvez seja o menos policial, é muito mais uma comédia de costumes do que propriamente uma história de um desvendamento de um enigma, embora existam também ali enigmas a serem desvendados.

Você já teve dois romances adaptados para o cinema, Bellini e a Esfinge e Bellini e o Demônio. Você gosta do resultado dos seus romances transpostos para o cinema?

Eu gosto. Mas como leitor, como amante da literatura (e isso não só em relação aos meus livros), tudo o que eu vejo de adaptações, com raríssimas exceções, na passagem de um livro para o cinema sempre se perde alguma coisa. Às vezes, você gostou tanto do livro e vai com uma ansiedade para ver o filme e não vê o mesmo barato, o mesmo gozo que você teve lendo. O Bellini e a Esfinge eu acho um filme muito bem realizado, dei palpites no roteiro, e o Bellini e os Demônios ficou bom também, apesar de alguns problemas de roteiro que deixaram um pouco incompreensíveis certas passagens, mas é um filme legal, pesado. Tem o lado mais obscuro do Bellini e a interpretação do Fábio Assunção é muito boa nos dois filmes. É aquilo que o Gabriel Garcia Marquez fala: quando um personagem vai da literatura para o cinema, ele passa a ter um rosto único, ao passo que na literatura, o personagem sempre terá um rosto diferente para cada leitor. Essa é uma característica sensacional e única da literatura.

Você imagina o Machu Picchu também como filme?

Acho que ele se adéqua bem a esse formato. Quando a gente está escrevendo, muitas vezes, o método de trabalho é imaginar a cena na cabeça e transcrever para o papel. E são cenas que poderiam ser de um roteiro, de um filme. Acho que daria um bom filme. Depende um pouco de alguém com vontade de fazer, porque o cinema é um trabalho danado.

A capa de Machu Picchu causa certa estranheza por mostrar uma cena de São Paulo, muito familiar para quem mora na cidade, a Avenida Paulista, e uma imagem de Machu Picchu de ponta cabeça. O seu romance se passa no Rio de Janeiro e a foto da capa retrata São Paulo. Não é estranho?

A primeira versão foi essa e todo mundo gostou muito porque tem um efeito plástico interessante. Aquele buraco da Avenida Paulista casa direitinho com a imagem de Machu Picchu, como se fosse uma tigela, uma taça com os carros entrando. Gostamos, mas também pensamos que seria legal que a imagem de cima fosse uma cena do Rio de Janeiro. Daí tentaram colocar várias imagens do Rio de Janeiro, mas não davam o mesmo efeito. As fotografias não se encaixavam com essa perfeição com que a cena [de São Paulo] se encaixou. Tentaram com uma imagem bem carioca, o Pão de Açúcar, mas o Pão de Açúcar com o Machu Picchu ficava muito parecido, ficavam dois cenários de pedra e floresta. O efeito legal que condiz com o livro é esse de uma grande metrópole e Machu Picchu. Então ficou a imagem de São Paulo expressando uma grande metrópole. Mas fica mesmo essa dúvida e, esteticamente, esta opção é muito melhor do que as imagens do Rio.

Como ficam os Titãs neste momento em que você está comprometido com o lançamento do livro? Porque a turnê do Cabeça Dinossauro continua. Como é que isso é arranjado?

Em 1992, quando o Arnaldo Antunes saiu da banda, a gente descobriu que a única forma de sobreviver como banda era se dando liberdade para manifestações individuais. Por exemplo, o Paulo Miklos tem a carreira de ator, o Branco Mello está fazendo a parte musical do programa da Fátima Bernardes, eu apresento o programa no Canal Futura [Afinando a Língua], o Sergio Britto tem gravado discos solos... É claro que é uma coisa que a gente tem que aprender a equilibrar. Eu estou lançando o livro no momento que a gente está finalizando essa turnê do Cabeça Dinossauro e estamos preparando um disco novo, que deve ser gravado no meio do ano pra ser lançado no final. Então, não estou brigando com os Titãs nesse sentido. Se a gente estivesse lançando um disco agora, eu teria segurado o livro e lançaria depois. É mais uma adequação de datas, de agenda, mas a gente aceita isso muito bem e nos damos força uns pros outros, nos prestigiamos, e isso acaba até enriquecendo e melhorando a nossa relação profissional e pessoal.

Então, temos novidades dos Titãs vindo por aí?

Estamos trabalhando há um bom tempo. Desde que programamos essas comemorações de 30 anos de carreira, a gente imaginava relançar o Cabeça, fazer a turnê dele e aquele show de 30 anos em que reunimos o Arnaldo e o Charles. Isso para depois de terminadas essas comemorações fazermos um disco de inéditas para mostrar que toda a glória do passado estava apoiada em uma inquietação artística e criativa que aponta para o futuro, criando coisas novas. Só que a turnê se estendeu mais do que a gente esperava e este ano estamos focados em gravar esse disco pra mostrar as coisas novas que estamos fazendo. Temos feito coisas bem interessantes, um rock mais pesado, que os shows do Cabeça nos inspiraram a fazer, mas com elementos brasileiros, inusitados, e está ficando bem legal.

E o programa Afinando a Língua continua?

Continua, inclusive gravamos uma nova temporada agora que deve estrear em setembro, em um formato novo. Eu estou só entrevistando os convidados. Chamamos alguém da música e alguém da literatura, da palavra escrita. Tem umas duplas interessantes. Eu já entrevistei o José Miguel Wisnik e Paulinho Moska, Paulo Lins e Gabriel, O Pensador, Ferreira Gullar e Zeca Baleiro. Está ficando bem interessante.