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Um conversa com o Krisiun, o maior nome brasileiro do metal na atualidade

A banda de irmãos, incensada até por Bill Ward, ex-Black Sabbath, fala sobre preconceito, outros gêneros musicais e do fatídico episódio em Bangladesh

Daniel Mangione Publicado em 18/08/2017, às 20h13 - Atualizado às 20h13

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Krisiun - Pri Secco/Divulgação
Krisiun - Pri Secco/Divulgação

Não há dúvidas: a maior potência do metal nacional é, atualmente, o Krisiun. O trio de irmãos (Alex Camargo nos vocais e baixo, Moyses Kolesne na guitarra e Max Kolesne na bateria) saiu de Ijuí, Rio Grande do Sul, com a missão de elevar a velocidade e a brutalidade do death metal à enésima potência. Conseguiram: até mesmo Bill Ward, ex-baterista do Black Sabbath, reconhece o peso e a importância da banda, tendo incluído o disco Southern Storm, lançado pelos gaúchos em 2008, em sua lista de álbuns de metal favoritos.

Mas, nesses mais de 25 anos de estrada, a banda angariou ouvintes para muito além do universo do metal – artistas como BNegão, Supla e Lucas Silveira (Fresno) já disseram ser fãs ou apareceram usando camisetas da banda. Até Ronnie Von se disse curioso em relação à música do Krisiun (em uma conversa do “príncipe” com João Gordo; os dois são amigos de longa data).

Os irmãos atingiram o mainstream; tocaram, inclusive, no Rock in Rio. As raízes do death metal, no entanto, permanecem inabaladas no trabalho da banda, como mostra o mais recente trabalho, Forged in Fury (2015). “O nosso som é underground. É o que a gente faz”, diz Moyses Kolesne. “Ao mesmo tempo, várias portas se fecharam para nós por conta disso, porque somos do mesmo jeito, não importa onde seja.”

O Krisiun já foi forçado a cancelar shows no Texas, Estados Unidos, no final dos anos 1990, e na Cracóvia, Polônia, por conta de protestos religiosos ou políticos, mas nada se compara ao que os integrantes passaram no último mês de maio, em Daca, Bangladesh, quando ficaram detidos por cerca de 15 horas no aeroporto (o show com ingressos esgotados que fariam na cidade foi cancelado). “Era um ambiente hostil com pessoas armadas com um olhar radical”, relembra Moyses. “Em um país muçulmano radical, não tem como não sentir medo. Mas no fundo sabíamos que sairíamos daquela situação, porque não tínhamos feito nada de errado.”

E, em termos comparativos, o Krisiun sofre menos com o preconceito que muitas outras bandas do metal extremo. “O campeão disso é o Cannibal Corpse. Na Alemanha, apareceram umas velhinhas com cartazes na mão [tentando impedir o show da banda], mesmo sem nem entender o que os caras cantam”, conta. O trio se lembra ainda de uma ocasião em que o Cannibal Corpse estava em uma cidade na Rússia, no local onde ocorreria um show, quando policiais fortemente armados levaram os integrantes para o aeroporto e os mandaram de volta para o país de onde tinham vindo.

Olhando para eventos como esse, Alex Camargo concorda que a letra de “Dogma of Submission” (“Centuries of progress, we are still living in a cave”/ “Séculos de progresso, e ainda vivemos em uma caverna”) é uma boa representação da situação atual da sociedade: “Ao mesmo tempo que tem uma puta evolução tecnológica, a gente vê pessoas se matando por questões raciais, de religião ou orientação sexual.”

Apesar dos percalços, a banda mantém o espírito perseverante. E permanece em movimento. Para tocar um som pesado e veloz como o do Krisiun, é essencial ter condicionamento físico. Embora Moyses diga que o trio “nem se cuida tanto”, Max afirma que é uma preocupação. “Tem que fazer exercício”, diz. Alex completa: “O importante também é estar bem da cabeça. Se a sua mente está bem, tudo flui naturalmente”.

Na entrevista abaixo, os irmãos comentam o início da carreira, o reconhecimento e a vida na estrada, entre outros assuntos.

Vocês se incomodam com o fato de, por conta do sobrenome diferente, muita gente achar que só o Max e o Moyses são irmãos?

Alex: Não, cara, a gente não chega a se incomodar com isso. A mudança do nome foi meio que proposital, pra não ficar muito igual. Tipo Hanson do death metal [risos]. Um é o sobrenome da nossa mãe [Kolesne], o outro do nosso pai. Mas a gente tem muito orgulho de ser irmão, e acho que isso é uma coisa legal pra banda. Tem gente que pensa que eu sou primo deles, mas não incomoda.

Moyses: Quem conhece sabe. Acredito que 90% das pessoas sabem que somos irmãos.

O fato de serem uma família ajuda vocês a superarem conflitos internos na banda?

Max: Com certeza. Acho que não só o fato de sermos irmãos, mas o fato de sermos três ajuda muito, porque quando dois brigam, um se mete no meio: “Acabou com a palhaçada”. Sempre rola esse equilíbrio.

Moyses: E também tem aquele lance de irmão: você briga, mas no fim do dia já está amigo de novo.

"Quando éramos moleques, essa era nossa ideologia: ser rápido e brutal, mais do que qualquer outra banda"

No começo da carreira, vocês se destacaram pela velocidade e pelo modo como se apresentam ao vivo. Foi algo planejado focar nesses dois aspectos?

Moyses: Sim. Quando éramos moleques e começamos a banda, tínhamos muita influência de discos como Reign in Blood [Slayer, 1986] e o Altars of Madness [Morbid Angel, 1989]. A gente queria dar um passo a mais. Éramos maníacos pelo negócio brutal, pela velocidade. Quanto mais rápido fosse, melhor. E era uma época em que era tudo analógico, então as coisas eram no braço mesmo. Não tinha esse lance de Pro Tools, quantização, de acelerar a música. A gente dava o sangue e achava que aquilo era a coisa mais verdadeira que podia ter: você conseguir superar seus limites, tocar e ser a banda mais rápida e brutal do mundo. Quando éramos moleques, essa era nossa ideologia: ser rápido e brutal, mais do que qualquer outra banda. Mas hoje temos outras prioridades dentro da música.

Vocês têm total controle na composição?

Alex: Sim, total.

Outras pessoas já tentaram manipular ou fazer alguma exigência?

Moyses: Um pouco. A Century Media [gravadora norte-americana com a qual o Krisiun tem contrato] tem várias bandas comerciais, e eles sempre falam, tipo: “Ah, vamos fazer um outro som assim para o rádio”.

Alex: Mas nunca foi uma pressão.

Moyses: Não é pressão, é conselho. Já nos aconselharam dizendo que o nosso groove era bom, que a gente tinha muito pouco groove no passado, e que seria interessante ter mais. Então, querendo ou não, todo conselho é válido. Não vamos também negar, dizer que só nós fazemos tudo. Tem opiniões de fora que a gente escuta. Escuta tudo. E, às vezes, dá certo.

Mas vocês filtram.

Moyses: A gente filtra. A gente faz da nossa maneira.

Max: Ouvimos todo mundo. Os fãs, a gravadora, os amigos. Toda opinião é válida.

Vocês também são público, não é? Estão sempre em shows de outras bandas como espectadores.

Max: A gente imagina, por exemplo, um show do Krisiun. Eu me imagino como fã assistindo a um show do Krisiun. A ordem com músicas velhas, aquela cascudona, rápida; aí, uma com um pouco mais de groove, ou uma música dos álbuns mais recentes. Acho que essa dinâmica deixa o show mais interessante.

E quando vocês tocam mais de uma vez na mesma cidade, na mesma turnê, tentam variar o setlist?

Max: Tem que variar, mas às vezes fica meio automático. Por exemplo: quando lançamos The Great Execution (2011) fizemos muitos shows, um atrás do outro. Aí fica difícil você mudar o setlist de uma hora pra outra. Tem que ensaiar as músicas antigas, reinventar certas músicas…

Moyses: Tem música antiga que eu nem imagino como toca. Daí tem que ensaiar mesmo.

Vocês ensaiam boa parte do catálogo?

Moyses: Nem tanto, cara. Acho que estamos aptos a tocar uns 40% de toda a discografia.

Alex: É como o Max falou, a gente tenta fazer um balanço. Às vezes estamos bolando o setlist e vemos que os fãs estão pedindo uma determinada música, de um disco de 10 anos atrás. Então, temos que colocar a cabeça naquela música, naquela fase e tentar ensaiar. Tem muita banda que resgata música velha e você sente que o cara está tocando por obrigação. Quando voltamos para uma música antiga, tentamos soar como soávamos na época, sem perder peso ou velocidade.

Quando lançaram Black Force Domain (1995), vocês tiveram um grande reconhecimento internacional. Aliás, fizeram mais shows lá fora do que no Brasil. Acreditam que o reconhecimento foi maior lá fora do que aqui naquele momento?

Moyses: Eu acho que o exterior, tipo Europa, Estados Unidos, estava mais preparado para o estilo de música que estávamos fazendo. No Brasil, ainda não tinha um som nesse estilo. Tinha as coisas dos anos 1980, o Sarcófago fez umas coisas; outras bandas estavam fazendo coisas assim, mas a gente estava tentando um lance um pouco mais arrojado, mais dinâmico. No Brasil também tivemos o reconhecimento no underground, mas aqui, no começo dos anos 1990, o death metal ainda estava engatinhando.

Max: Uma coisa que evidenciou o Black Force Domain, principalmente lá fora, é que é o death metal estava em alta, com bandas como Deicide, Death, Cannibal Corpse, Morbid Angel. Ao mesmo tempo, algumas bandas já estavam até acalmando, dando aquela amansadinha no som. Acho que o Krisiun veio com esse encontro do que tinha de mais brutal e veloz com o old school. É um death metal brutal, mas não modernizado.

Dessa influência old school, nos últimos trabalhos de vocês dá para perceber influência de um som mais cadenciado, como Black Sabbath, Motörhead...

Max: Até Iron Maiden.

No começo, a característica mais forte era a velocidade. Vocês têm alguma influência mais atual, de bandas mais novas?

Alex: Mais pra ouvir, pra curtir o som. Ouvimos músicas tradicionais do Brasil, do Sul, do Nordeste. Agora, influência que atinja o Krisiun...

Moyses: Pode ter alguma influência no subconsciente. Às vezes, você pode escutar algo que acha comercial, mas há coisas boas ali também. Bandas como Slipknot, Gojira e Meshuggah têm coisas interessantes. Não vou negar, já escutei um pouco dessas bandas. Talvez subconscientemente eu tenha feito alguma coisa. Teve uma época que gostei um pouco de Fear Factory. Gostava do [guitarrista] Dino Cazares, e para algumas pessoas aquilo era comercial.

Com que frequência e em que tipo de situação vocês ouvem sons fora do rock pesado? Porque vocês respiram muito metal.

Alex: [Respiramos] muito, muito. Estamos envolvidos com a banda a maior parte do tempo, ensaiando, trabalhando. Quando temos uma folga, depois de ensaiar ou quando fazemos um churrasquinho, ouvimos outras coisas – jazz, música típica do sul.

Max: Mesmo em algumas turnês que a gente faz só com banda brutal – Cannibal Corpse e tal –, é muito intenso o tempo inteiro. Daí chegamos ao ônibus de turnê e colocamos um som mais sossegado, tipo Judas Priest, Iron Maiden.

"A liberdade é a nossa maior riqueza. Reclamamos muito do Brasil, mas temos uma liberdade que poucos países têm"

No episódio de Bangladesh, vocês sentiram medo? Como era o clima do ambiente?

Moyses: Claro que sentimos um pouco de medo, porque Bangladesh é considerado o segundo país mais perigoso do mundo, e Daca, onde estávamos, a segunda pior cidade, atrás apenas de Damasco, na Síria. Era um ambiente hostil, com pessoas armadas com um olhar radical, nos estranhando. Em um país muçulmano radical não tem como não sentir medo. Mas no fundo sabíamos que sairíamos daquela situação, porque não tínhamos feito nada de errado.

Direta ou indiretamente vocês defendem a liberdade ideológica, e tiveram essa liberdade reprimida em Bangladesh. Como vocês encaram o fato de ter essa liberdade parcialmente amputada em episódios como esse?

Moyses: Serve pra gente aprender que a liberdade é a nossa maior riqueza. Reclamamos muito do Brasil, mas temos uma liberdade que poucos países têm. Pra gente foi uma lição de vida muito grande ver todo este problema que assola o mundo, onde o radicalismo é brutal mesmo. É muito diferente do Brasil, e temos que ter todo cuidado ao escolher nossos líderes, já que temos esse privilégio. Liberdade não tem preço, é o maior bem do ser humano.