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Vento 2017: Com Metá Metá e Francisco El Hombre, festival “esquenta” feriado frio na praia de São Sebastião

Realizado de maneira gratuita no litoral paulista, o evento chega à terceira edição mudando de casa, com público heterogêneo e destacando a nova música brasileira

Lucas Brêda, de São Sebastião Publicado em 21/06/2017, às 06h00 - Atualizado em 22/06/2017, às 13h44

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Metá Metá e Francisco El Hombre no Vento Festival 2017 - Flashit/Divulgação
Metá Metá e Francisco El Hombre no Vento Festival 2017 - Flashit/Divulgação

“A festa é popular não tem pulseira vip/ Não tem camarote, nem tropa de elite”, cantava o pernambucano Barro, em show pelo Vento Festival, no meio de uma tarde quente na Rua da Praia São Sebastião, litoral de São Paulo. O verso, de “Piso em Chão de Estrela”, sintetizava o sentimento do festival gratuito, cuja plateia era formada por pessoas que passavam pelos arredores do palco montado, em pé ou sentadas em cangas e cadeiras de praia, entre fãs do artista, curiosos, turistas, famílias e até moradores de rua locais.

O Vento Festival de 2017 aconteceu no último feriado de Corpus Christi, marcando uma mudança de casa. Após duas edições na vizinha Ilhabela, o evento agora passa a ser realizado em São Sebastião, mantendo o foco na música brasileira e a curadoria antenada, reunindo nomes como Metá Metá, Francisco El Hombre, Mombojó, Ava Rocha, Anelis Assumpção, Abayomy e Macaco Bong, entre outros, durante quatro dias de shows na programação regular, entre quinta, 15, e domingo, 18.

A estrutura foi básica, mas pouco convencional. Além de um palco principal coberto, um pequeno anfiteatro aberto há poucos metros dali serviu como palco secundário, chamado Oca, e abrigou sets de DJs focados especialmente no dub e no hip-hop – como a festa Free Beats, Mission Sabotage e Beatflavor – e shows de artistas emergentes – entre eles Craca e Dani Nega, Acauã, Furmiga Dub e Seu Bando e o bloco Tarado Ni Você. A região inteira, contudo, foi mobilizada, dos bares e restaurantes do entorno até as barraquinhas vendendo roupas, artesanato e comida, passando pela comprida praça e o píer do local.

Este ano, o Vento teve como proposta o “olhar para dentro”. Na prática, o tema significava olhar para a música e a cultura produzida no país, o que se refletiu no line-up e nos discursos da maioria dos artistas que passaram pelo evento, eventualmente ressaltando questões como a importância da cultura gratuita e de fácil acesso e manifestações políticas (os gritos de “Fora, Temer” foram quase uma constante, puxados pelos músicos ou pelo público). Foi um festival brasileiro, no litoral, para celebrar a cultura brasileira contemporânea.

Para São Sebastião, o Vento é visto como uma novidade, não apenas pela escassez de atividades do gênero na agenda local, mas também pela grande ocupação da cidade em um feriado considerado “morto”. O Município, que abrange praias conhecidas como Maresias, é normalmente frequentado por turistas no verão, a alta temporada, mas a chegada do Vento movimentou hotéis e restaurantes em uma época conhecidamente de vagas magras, às vésperas do inverno. Os programas geralmente passavam por ir às charmosas praias ou trilhas e cachoeiras durante o dia e, eventualmente, passar pelo evento durante a noite.

Shows

No primeiro dia, a quinta-feira, a cantora Paula Calvaciuk e o grupo Do Amor – que recentemente lançou o disco Fodido demais – abriram os trabalhos no palco principal, seguidos pelo novo show “lo-fi” do Mombojó e o encerramento, com Francisco El Hombre. O público ainda se familiarizava com a nova estrutura do Vento, cujo palco principal, intitulado Son Estrella Galícia, possuía uma cobertura para o caso de chuvas, dois telões nas laterais e um bar ao fundo.

A última banda, com show focado no mais recente álbum, Soltasbruxa (2016), fez uma das apresentações mais quentes do festival. Com um vigor que salta os olhos, o Francisco El Hombre arrancou gritos dos fãs – minoria na plateia –, mas principalmente fez dançar os que não conheciam a obra do grupo. A mistura da latinidade, inerente à proposta dos integrantes, com os ganchos facilmente reconhecíveis gerou uma conexão direta entre público e plateia. Ao fim do show, os integrantes suados e exauridos voltaram ovacionados para um bis e ainda mostraram uma música nova, de vibe desacelerada em relação ao resto do repertório.

O dia seguinte foi dedicado à fatia mais “torta” da escalação. Depois do grupo Mulamba, agradável surpresa e dono de uma das apresentações mais comentadas de todo o festival, o cantor e compositor Negro Léo subiu ao palco para mostrar o show do último trabalho, Água Batizada (2016). Ainda que o álbum base seja o menos experimental da carreira dele, Léo fez a apresentação mais “esquisita” do festival – o que ficou ainda mais acentuado pelos vocais sensivelmente desajustados, resultado de dores na garganta. O tom psicodélico e a figura excêntrica do artista atraíram olhares curiosos e performances como “Outra Sentimento” – com todas as luzes apagadas e a macabra letra “Papaizinho ama você longe do papaizinho” – geraram momentos interessantes e desafiadores em meio a tantos shows dançantes e imediatos.

Companheira de vida de Negro Léo, Ava Rocha foi a atração seguinte, cantando o incensado álbum Ava Patrya Yndia Yracema (2015). Vestida casualmente, com uma calça vermelha metalizada e uma camisa de botão, ela fez um show mais comportado em relação ao habitual e, mesmo com canções desconstruídas (caso de “Auto das Bacantes”), ela encantou o público local com as diretas “Você Não Vai Passar”, “Hermética” e a carnavalesca “Língua Loka”. Quando ela puxou uma versão de “Índia” – cravada no imaginário popular nas vozes de Roberto Carlos e Leandro e Leonardo –, até o mais desinteressado ali presente se colocou a cantar.

Apesar de heterogêneo, como em todos os dias do Vento em 2017, o público do sábado era notavelmente formado por uma grande parte de turistas. O motivo da “invasão” ficou claro quando o Metá Metá subiu ao palco para encerrar o dia. Uma das mais celebradas bandas do Brasil nos anos 2010, o trio (no palco, quinteto) começou o show com uma revelação. “Boa noite, São Sebastião. Sempre quis dizer isso”, cumprimentou, visivelmente encantada, a vocalista Juçara Marçal. Em seguida, o guitarrista Kiko Dinucci explicou: a cantora, nascida no Rio de Janeiro, viveu a infância na cidade, estava com os parentes presentes na plateia e era a primeira em que se apresentava ali.

Juçara, aliás, estava animada como em raras ocasiões. Ela dançou, pulou e encheu a boca para entoar as agressivas faixas dos três álbuns lançados pelo Metá Metá até então, a partir da abertura com “Três Amigos”, do último álbum do grupo, MM3 (2016). A plateia, abarrotada, estava recheada de curiosos, mas era visível a quantidade de fãs, não só pela animação (surgiram até algumas rodas de pogo), mas porque muitos cantaram junto à vocalista os versos de faixas já clássicas no repertório, como a incendiária “Oya” e “São Jorge”, de MetaL MetaL (2012). A comoção do show é um prova de que o som de difícil digestão do Metá Metá – uma fusão instigante de samba e influências africanas à guitarra barulhenta de Dinucci – já conquistou um espaço nobre na música popular brasileira atual.

O já citado show do pernambucano Barro foi o primeiro do sábado, com as músicas do disco de estreia dele, Miocárdio (2016). O formato reduzido – com apenas baixo e bateria, além do vocalista e guitarrista, e cuja fatia melódica do som vem majoritariamente de programadores – deixou a apresentação mais engessada, mas a participação da cantora Luiza Lian foi um dos pontos altos do dia. O trio carioca Tono foi a atração seguinte e, apesar de em horário mais atrativo, juntou menos público que o Barro, especialmente devido aos constantes problemas técnicos com a guitarra, que parou de funcionar em seguidas ocasiões.

O trio de rock instrumental Macaco Bong tocou no Vento com mais uma nova formação. O guitarrista e líder, Bruno Kayapy, esteve acompanhado por Renato Pestana (bateria) e Daniel Hortides (baixo) e o grupo abriu o show com as faixas de Macaco Bong (2016), guiadas pela guitarra “tenor”, de quatro cordas. A banda empolgou mesmo resgatando os riffs memoráveis do clássico Artista Igual Pedreiro (2008) e mostrando versões instrumentais para duas faixas do Nirvana, “In Bloom” (esta, mais próxima da original) e “Come As You Are” (suficientemente levada ao universo da banda), que devem estar em uma regravação de Nevermind a ser lançada este ano.

Uma tônica em todos os dias de Vento: as sonoridades mais balançadas conquistaram mais diretamente o público de São Sebastião. Quando Anelis Assumpção começou seu show, cantando a misteriosa “Cê Tá Com Tempo?”, a plateia era basicamente de fãs, que versaram com ela a poesia de cunho pessoal. Já em “Mau Juízo”, terceira no set, era difícil se movimentar pelo público, encantado com a figura magnética de Anelis e embalado pelo suingue puxado para o reggae. Afiado e leve, o show captou o clima desapegado do local e chegou ao fim catártico com uma cover do pai de Anelis – a lenda Itamar Assumpção –, “Prezadíssimos Ouvintes”, e do hit “You Don't Love Me (No No No)”, conhecida com Dawn Penn.

Em certa altura do último show de sábado, do Abayomy, o grupo puxou uma performance de “I. T. T. (International Thief Thief)”, de Fela Kuti, em homenagem ao ex-guitarrista da banda dele, Oghene Kologbo. A reverência ao “mestre”, como definiram, é fundamental para entender a apresentação da big band: um afrobeat fiel aos ancestrais, com pouca variação rítmica, mas muita energia e sintonia. A partir da abertura, com “Abra Sua Cabeça”, o show foi baseado no recente disco homônimo, lançado em 2016 (com produção de Pupillo, do Nação Zumbi), levada pelo surpreendente entrosamento entre os 11 músicos – com destaque para o naipe de metais – no palco. Desde o primeiro toque da percussão, o público não parou de dançar, mesmo praticamente desconhecendo o repertório do grupo.

No domingo, São Sebastião já parecia viver a ressaca pós-Vento. As ruas anteriormente movimentadas, próximas ao local onde aconteceu o festival, estavam menos ocupadas e o público apareceu em menor número para o encerramento com o bloco Tarado Ni Você no palco Oca. Conhecido no carnaval de São Paulo, o grupo apresentou as versões animadas do cancioneiro de Caetano Veloso não em um trio elétrico, como está acostumado, mas no anfiteatro a céu aberto do Vento.

Mais que uma “banda cover”, no sentido mais tradicional da palavra, eles soaram como animadores de uma festa gratuita com a praia ao fundo. Parecia um pedacinho de carnaval fora de época, com um clima até nostálgico: as músicas de Caetano evocando o Brasil de uma era que já não existe, menos burocrático e profissionalizado, mais bucólico e simples. Um Brasil popular, sem camarote e sem pulseira vip, como Barro havia cantado no dia anterior. Com famílias completas e crianças – pouco vistos nas noites anteriores – na plateia da Oca para o Tarado Ni Você, o Vento mostrou um poder de alcance ainda mais vasto que, somado à curadoria e ao cenário do litoral, são os maiores trunfos de um festival em ascensão.

O jornalista Lucas Brêda viajou a convite da produção