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Vento Festival 2016: extasiante performance de Johnny Hooker e protestos políticos marcaram a terceira noite de shows

Filipe Catto, Karina Buhr e Aláfia também fizeram parte da programação do último sábado, 11

Gabriel Nunes, de Ilhabela Publicado em 12/06/2016, às 14h43 - Atualizado em 14/06/2016, às 00h43

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Johnny Hooker no Vento Festival - Divulgação/Vento Festival
Johnny Hooker no Vento Festival - Divulgação/Vento Festival

O carnavalesco e performático Johnny Hooker encerrou a terceira noite de shows do Vento Festival 2016. Vestido como se tivesse acabado de sair do clássico cult The Rocky Horror Picture Show, o cantor recifense envolveu o público como ninguém, se entregando completamente em uma apresentação impecável e profundamente intensa.

Mesmo com o atraso de quase uma hora na programação devido à maré alta – que transformou as areias da Praia do Perequê em um grande e pegajoso lamaçal – nada impediu que a penúltima noite de evento fosse a mais lotada de todas, até agora, e tivesse as apresentações mais interessantes e desembaraçadas do festival.

Com um line-up formado por Filipe Catto, Karina Buhr, Aláfia, Lay e Free Beats – estes dois últimos se apresentando no espaço Oca –, o último sábado, 11, foi também fortemente marcado por protestos políticos, tanto dos músicos quanto da plateia, e canções politizadas e de altíssimo teor representativo para minorias sociais e de gênero.

Repertório variado

Programado para começar às 19h, Catto só subiu ao palco uma hora mais tarde. O versátil cantor abriu com uma cover da canção “Bom Conselho”, de Chico Buarque, que há algum tempo vem reinterpretando em shows. Desenvolto, o cantor surgiu repentinamente sobre o palco e se juntou à banda de apoio. Usando uma garrafa de cerveja como um slide, o guitarrista transformou a melódica e melancólica balada imortalizada por Chico no disco Quando o Carnaval Chegar (1973) em um blues elétrico e pesado, mas sem perder a sútil poesia da célebre canção.

Despreocupado em priorizar músicas recentes – ou estabelecer qualquer critério quanto à escolha do repertório – o cantor intercalou livremente faixas do primeiro disco, Fôlego (2011), às do álbum mais recente, Tomada (2015). Com “Rima Rica/Frase Feita”, cuja letra foi feita pelo escritor Nei Lisboa, Catto desfilou espontaneidade sobre o palco em perfeita consonância com a banda que o acompanhava. Na sequência, envolto por uma lúgubre luz azulada, o gaúcho emendou o blues lento de “Adorador”.

Catto aproveitou ainda a ocasião para homenagear o cantor e compositor Cartola. “Impossível nesta primavera, eu sei” entoou, junto à plateia, os primeiros versos de “Autonomia”. Ao fundo – como resquício da forte ressaca da tarde – era possível ouvir o violento som das ondas, que acabava invadindo o palco e se confundindo com as experimentações feitas pelo guitarrista em uma Telecaster amarela. Afastando-se da melancolia contemplativa do samba de Cartola, Catto e banda tocaram a pesada “Um Milhão de Novas Palavras”, sob intensa iluminação.

Pouco antes de concluir a apresentação, o músico ergueu o copo. “Um brinde! Esse festival é preciosíssimo!”, disse. “Estamos passando por uma revolução comportamental, em que as pessoas precisam transgredir. Então é muito importante que festivais como esse existam”, declarou o músico em entrevista à Rolling Stone Brasil após a performance.

Selvática

Nem mesmo a dor de estômago e a suspeita de virose impediram Karina Buhr de subir ao palco do Vento Festival. Privilegiando composições do trabalho mais recente dela, o aclamado e altamente crítico Selvática – lançado em setembro passado – a baiana radicada em Pernambuco deu uma grande aula de empoderamento feminino a céu aberto em uma apresentação enérgica e despachada.

“Essa eu fiz de uma notícia que eu li no jornal, sobre uma coisa que acontece todos os dias”, disse Karina depois de cantar a mórbida e hiperrealista “Esôfago”. “Ela é sobre um homem que matou a esposa e tentou se matar em seguida, mas não conseguiu. Acho que vou lançar a campanha ‘quando você quiser matar sua mulher e depois se matar, se mate primeiro!’”, continuou.

Com inigualável desenvoltura, Karina se movimentava pelo palco como uma verdadeira força da natureza, alternando entre vocal e percussão. Em meio aos teclados ácidos e aos ecos dissonantes do trompete de Guizado, a cantora aproveitou ainda para clamar pela desmilitarização da polícia durante “Alcunha de Ladrão”. “Dilma, quando voltar desmilitarize a polícia militar!”, disse Karina, que foi aplaudida e ovacionada sob gritos do público de “Fora Temer!” e “Volta, querida!”.

O show da baiana atingiu o clímax durante a performance de “A Pessoa Morre”, segunda faixa do disco Longe de Onde (2011). Sentada sobre uma caixa na parte da frente do palco, Karina encarava a plateia, instigando-a. Como que entorpecida, a cantora se arrastou pelo chão do palco abraçada ao suporte do microfone, para em seguida concluir a canção deitada sobre os alto-falantes.

A última música da segunda atração da noite condensou em si todo o magnetismo da performance de Karina. Com vocais rasgados e agressivos, verdadeiros gritos lancinantes, a cantora citou a Bíblia e Maomé e concluiu declamando repetidamente os últimos versos de “Selvática”: “E no final ideal, não terás domínio sobre mulher alguma!”

Representatividade e diversidade

Com a afluência de gêneros musicais que a caracteriza, o grupo Aláfia subiu ao palco celebrando e ressaltando a diversidade cultural brasileira. Liderada pelos músicos Eduardo Brechó, Xênia França e Jairo Pereira, o grupo emplacou canções como a envolvente “Adinkras” e a “Proteja Seu Quilombo”, que exaltam a ancestralidade e a herança africana.

Danças em perfeita sincronia – com direito a espacate de Brechó – também marcaram a apresentação do grupo multicultural. “A gente quer sair de Ilhabela com a impressão de que aqui foi o maior baile black do Brasil!”, disse Xênia durante a eletrizante performance de “Baile Black”. Após um extenso improviso e um solo de guitarra à la Sly & The Family Stone, Brechó declamou: “Só existe uma verdade: a diversidade!”.

Não faltaram críticas a personalidades como o deputado Jair Bolsonaro e ao presidente interino Michel Temer durante a performance. De punhos cerrados, os músicos incentivaram a plateia a fazer o mesmo. “Resistência em primeiro lugar!”, bradavam de braços estirados para o alto.

Em “Preto Cismado”, a cantora araraquarense Liniker se juntou aos músicos no palco. Mesmo tendo o som do microfone cortado enquanto cantava, a autora de Cru não perdeu a compostura e deu continuidade à apresentação como se nada tivesse acontecido.

No show mais interativo da noite, os músicos teceram elogios ao festival e à ilha paulista. “Estamos pensando em mudar para cá”, disse Xênia. “Vocês estão vendo aquela linha luminosa no horizonte?”, continuou a cantora apontando para a porção de terra onde fica São Sebastião. “Lá é o Brasil, aqui é um universo paralelo, aqui é outro lugar.”

Êxtase

Para encerrar a penúltima noite de quatro dias de evento, subiu ao palco principal o recifense John Donovan, mais conhecido pelo nome artístico dele Johnny Hooker. Carnavalesco e com a desinibição de Ney Matogrosso e David Bowie, o cantor abriu com a sincera “Vou Fazer Uma Macumba pra te Amarrar, Maldito!”.

“Vocês estão prontos para transar comigo esta noite?”, perguntou preparando terreno para a faixa “Chega de Lágrimas”. “Eu vou meter!”, cantou ajoelhado aos fundos do palco, entre teclado e bateria, com trejeitos insinuantes e sugestivos.

Ofegante, o ar que escapava da boca de Hooker se condensava instantaneamente graças ao frio de cerca de 7ºC. Recuperado o fôlego, o cantor e compositor de 27 anos saiu de cena e cedeu espaço ao percussionista e ao guitarrista em “Segunda Chance”. Como em uma espécie de duelo, os músicos atacaram violentamente os instrumentos enquanto o baixo ao fundo seguia uma linha bastante delineada, ao estilo de John Cale em “Venus In Furs”, do clássico The Velvet Underground & Nico (1967).

Além das canções próprias, Hooker ainda homenageou Reginaldo Rossi com uma cover de “Garçom” Ao lado de Filipe Catto, o músico brincou: “Essa canção é um pouco comunista, já que no bar todo mundo é igual”. Incitando a plateia a acompanhá-lo, o recifense terminou a performance no chão, abraçado a Catto. Em seguida, com o seu contratenor vibrante, Hooker interpretou “Back to Black”, da cantora britânica Amy Winehouse.

Com canções que dialogam com sentimentos universais como a desilusão, ciúme e desejo, Hooker contrapôs extroversão e introversão em uma apresentação oscilante e altamente teatral. Se ele deu início ao show perguntando irreverentemente se a plateia estava pronta para transar com ele, o músico finalizou questionando: “Vocês estão prontos para renascer comigo?”, e em seguida interpretou a canção “Desbunde Geral”.

Ainda complementaram a terceira noite de shows o rap empoderado da cantora Lay, que se apresentou no espaço Oca, e as batidas eletrônicas da Free Beats. Durante a tarde, também foram sediados no Oca uma mesa redonda sobre sexualidade e gênero na música, reunindo Jaloo, Rico Dalasam, Liniker, Assucena Assucena, Raquel Virgínia e Luciana Rabassallo, e palestras sobre a polarização política, com Caio Trendolini, e cultura maker, com Rodrigo Guima e Oswaldo Oliveira.

O Vento Festival 2016 continua no domingo, 12. Veja a programação completa abaixo.

15h – Dom Pescoço (Palco Vento)

17h – O Grande Grupo (Palco Vento)

18h – Bruno Morais (Palco Vento)