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Virada para todos

Palco do Largo do Arouche atraiu público mais velho com atrações como Reginaldo Rossi e Wando; Jon Lord, ex-Deep Purple, abriu a programação

Por Adriana Douglas e Anna Virginia Balloussier Publicado em 04/05/2009, às 11h05 - Atualizado em 08/02/2012, às 10h51

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Público mais velho varou a madrugada ao som de ícones da música "brega" - Luciana Figueiredo
Público mais velho varou a madrugada ao som de ícones da música "brega" - Luciana Figueiredo

O frio e a previsão de chuva neste sábado, 2, não espantaram o público da 5ª Virada Cultural, que encheu as ruas do centro de São Paulo para mais de 800 atrações. Detalhes deixados para a última hora acabaram atrapalhando som e organização de alguns palcos - o que não diminuiu em nada a animação de paulistanos e turistas.

No único momento do ano em que se pode caminhar sem muitas preocupações, à noite, pela região central da metrópole, milhares de pessoas ouviram hits do chamado brega, com Reginaldo Rossi e Wando, lembraram os 20 anos da morte de Raul Seixas, cantaram ao som de Marcelo Camelo, unanimidade entre os indies, e dançaram ao som das músicas da fase "Racional", de Tim Maia.

O site da Rolling Stone Brasil deu um giro pelos principais palcos da Virada. Confira nossas impressões:

Jon Lord e Orquestra Sinfônica Municipal, às 18h10

Com um público de aproximadamente 40 mil pessoas, o show de Jon Lord com a Orquestra Sinfônica Municipal começou às 18h20 no palco principal da Virada, na Avenida São João. O pequeno atraso foi compensado pelas desculpas do ex-tecladista e organista do Deep Purple que, sem falar português, declarou sua gratidão à plateia, formada em grande parte por roqueiros. Abrindo a programação do local, a apresentação foi baseada no repertório do disco Concerto for Group and Orchestra, de 1969. Jon mostrou vigor dos tempos de Deep Purple ao tocar com sua banda de apoio, composta por guitarra, bateria e baixo. Não deixou de fazer solos - com o suor caindo de seu rosto -, e logo anunciou que tocaria "outras músicas". Uma palhinha de "Wait a While" veio pouco antes da clássica "Pictures of Home", seguida de "Soldier of Fortune". Jon cumpriu com a expectativa da plateia e encerrou o show, às 19h50, com "Child in Time", acompanhada em coro. (Adriana Douglas)

Palco Toca Raul - Leno, às 19h30, e Edy Star, às 22h

De certa forma, o palco Toca Raul serve a Raul Seixas como uma versão ao vivo, a cores e em alto e bom som de Não Estou Lá, a cinebiografia assinada por Todd Haynes que multiplica Bob Dylan em várias personas. No aniversário de 20 anos da morte do músico baiano, 20 atrações mostraram tantos Raulzitos quanto possível.

Leno, segundo número da noite, era um homem com uma missão. Se o nome do palco já dizia tudo, o músico tocaria o praticamente inédito Vida e Obra de Johnny McCartney. Nada de clássicos. Na verdade, Seixas era apenas o coadjuvante do álbum, gravado por esse cantor bem-sucedido da Jovem Guarda que, de uma hora para outra, resolveu jogar para o alto braços e carreira e investir num disco carregado em psicodelia e conteúdo contestador. Depois de se estrepar com a ditadura, Leno acabou vendo seu álbum engavetado pela gravadora - só lançou o disco décadas mais tarde, e mesmo assim em edição limitadíssima. A apresentação deste sábado, 2, foi o primeiro teste de fogo com o grande público. Leno - fisicamente, uma mistura do ator José Mayer, Erasmo Carlos e Hélio Flanders, do Vanguart - subiu ao palco reforçado por duas backing vocals, o multi-instrumentista Johnny Boy e a banda Envergadura Moral. Mesmo com o repertório desconhecido, conseguiu agradar aos fãs de Raul.

Pouco depois, às 22h, o baiano Edy Star ofertou bom humor ao apresentar as faixas do disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, de 1971. Star é o único músico vivo por trás do álbum, que também contou, à época, com a colaboração de Miriam Batucada e Sérgio Sampaio. Entre lambidas no microfone e rebolados, Edy, fiel ao timbre de voz de Raul, fez a festa na Rua Cásper Líbero, e não cansou de saudar o legado deixado pelo "Maluco Beleza". A apresentação alcançou seu ponto máximo na música "Todo Mundo Está Feliz", que levantou até os bêbados caídos no chão. (Adriana Douglas e Anna Virginia Balloussier)

Marcelo Camelo, à 0h

Marcelo Camelo subiu ao palco da Av. São João pontualmente à meia-noite. Calado, como de praxe, e com um cigarro aceso na boca. Depois de sentar, deu os primeiros acordes de "Passeando" - de Sou (2008), seu disco solo -, mantendo a cabeça baixa até trocar o violão pela guitarra. Só aí, se rendeu à plateia. Acompanhado pela banda paulistana Hurtmold, o ex- Los Hermanos parecia não acreditar no tanto de gente que estava ali para vê-lo - e melhor, para cantar junto com ele. Em meio aos assobios de "Doce Solidão", moças se deleitavam no clima romântico promovido pela canção. Camelo, visivelmente agradecido pelo retorno do público, era incessantemente aplaudido. Como esperado, todos pediam alguma música "hermana", o que foi logo atendido com "Morena" e "Pois É" (ambas do álbum 4). Em "Copacabana", o músico fez seus companheiros no palco entrarem em ritmo de marchinha de carnaval, em meio a uma chuva de confete e serpentina na plateia. Depois de apresentar "Santa Chuva" (canção regravada por Maria Rita, que faz o show de encerramento da Virada), Camelo finalizou o show, de pouco menos de uma hora, com "Além Do Que Se Vê", também dos hermanos. (Adriana Douglas)

Wando, às 23h30

Wando surgiu diante do público pontualmente para fazer o que sabe de melhor: ser canastrão. No palco montado no Largo do Arouche, a ordem era o B de Brega piscando em neon, com artistas sem o menor pudor em entoar letras que rimam "paixão" com "solidão". Brega, claro, é uma questão de ponto de vista. Muitos jovens baixaram por lá, etiquetando o estilo como hype. Mas o forte era o público feminino: espremida na grade, a mulherada (que aparentava, em média, de 40 a 70 anos) formava uma verdadeira Muralha da China, sem deixar ninguém passar. E Wando não deixa por menos. De cara, evoca a marca registrada de seus shows: "Tá todo mundo com calcinha na mão aí?". A afirmação positiva vem como um libera-geral de estrogênio.

Todos os macetes do Don Juan do Arouche estão lá: um cheirinho na roupa de baixo arremessada às pencas pelo mulherio, as caras e bocas, sorriso malandro e tiradas como "esta música vai para aquela que sabe quando cruzar as pernas e o momento exato para descruzá-las". Infelizmente, na música, o artista não compensa sua presença de palco: lançou mão de playback e de um "maestro", que tocava as melodias mais simples em sua guitarra. No repertório, versos como "estou apaixonado/ e este amor é tão grande", "eu sei que vou te amar" (com direito à cola na hora de ler o Soneto da Fidelidade, de Vinicius de Moraes) e "você é luz, é raio, estrela e luar", do clássico "Fogo e Paixão".

Logo no início do show, uma jovem conseguiu furar o bloqueio e se estabelecer na área VIP - um cercadinho que separava palco e público por cerca de 10 metros. Jessica Albuquerque diz ter apenas 20 anos, mas deve à avó, já falecida e de nome Wanda, o amor pelo músico popular. Historinha, aliás, para lá de duvidosa - a moça distribuía nomes e histórias falsos para a imprensa. Intervenção artística? Vá saber. O fato é que, na frente do palco, a moça redonducha esgoelou-se até dizer chega - e, como uma BBB "made in Arouche", adorou a atenção recebida. Posava com gosto para as câmeras e colaborou para uma espécie de pedágio afetivo entre cantor e resto da plateia - a mulherada jogava a calcinha, que caía no chão e era relançada ao palco por Jessica. Só não gostou muito quando o abala-corações mirou especialmente para a repórter e atirou uma maçã, seu fruto proibido, com direito a olhar de latin lover e frase manjada ("todas as mulheres no raio de um quilômetro queriam ser você!"). (Anna Virginia Balloussier)

Reginaldo Rossi, à 1h30

Um dos artistas mais aguardados do palco no Largo do Arouche, Reginaldo Rossi honrou a fama de brega e mulherengo. O cantor conversou o tempo todo com o público, contando suas histórias de "corno", "amante" e "apaixonado". Quando chegou a vez da clássica "Garçom", nem quem apenas passava por ali resistiu aos versos de Reginaldo. Era um só coro. Querido pela plateia, o enxuto senhor de 75 anos surpreendeu com covers de "Have You Ever Seen The Rain", do Creedence Clearwater Revival, além de "Something" e "I Wanna' Hold Your Hand", dos Beatles. Reginaldo não deixou de fora também "Eu Não Sou Cachorro, Não", imortalizada na voz de Waldick Soriano. Sempre bem humorado, Reginaldo brincou muito com os presentes, e manteve o fôlego da apresentação anterior, de Wando. (Adriana Douglas)

Curumin, à 1h50

Volta e meia um músico com quilometragem desponta como "novo artista". Parece ser o caso do paulistano Luciano Nakata, vulgo Curumin. Quando lançou Japan Pop Show, seu segundo álbum, em 2008, o multi-instrumentista já tinha recebido cafuné da crítica internacional, The New York Times incluso. Mesmo assim, na madrugada de sábado para domingo, à 1h50, Curumin e sua banda de apoio, Os Aipins (um baixista e um operador de MPC), se apresentaram no Largo Santa Efigênia, point dos "novatos". O repertório foi calcado em Japan Pop Show (do álbum de estreia, Achados e Perdidos, destacou-se "Guerreiro"), além de jams com "Vai, Saudade", de Clementina de Jesus, e "Everybody Loves the Sunshine", de Roy Ayers. Apesar da formação econômica, o trio usa as bases pré-programadas no MPC e artifícios como um cocalho de chaves para dar personalidade ao show. O baterista absorve influências do afrobeat e do dub jamaicano na hora de compor o samba-rock, sempre na gangorra entre o pop e o experimental. (Anna Virginia Balloussier)

Tim Maia Racional - BNegão, Thalma de Freitas, Instituto e Carlos Dafé, às 3h

Em 1974, Tim Maia achou, na casa do amigo Tibério Gaspar, o livro Universo em Desencanto. Foi a deixa para que o doidão por natureza desse umas férias ao goró e às drogas e entrasse de cabeça na Cultura Racional. A fase "alma lavada" rendeu três volumes de Tim Maia Racional. O rei da receita "para cada balada mela-cueca, traga uma música esquenta-sovaco" foi revistado no palco principal, pontualmente às 3h, por BNegão, Thalma de Freitas, o coletivo Instituto e Carlos Dafé, velho parceiro de Tim. A lição do dia parece ter sido "não tente emular Tim ou você vai se dar mal". A música do gordinho criado no subúrbio carioca foi tratada com reverência e malandragem, sem avançar o sinal ou tentar cópias. A elogiada fase de Tim, com fortes acentos de funk e soul em contraste com letras que pregavam a tal Cultura Racional, ganhou pegada do rap - gênero praticamente ignorado na programação da Virada Cultural. Thalma levou um senhor susto quando interpretava "Imunização Racional" - um gaiato aproveitou uma bobeada da segurança, pulou o cercado e avançou em direção à moça. Deu um abraço, tentou um beijo e ganhou um coice do segurança. "O amor é a coisa mais linda. O amor é paz e é racional", rebateu a cantora, provando-se imunizada contra a gaiatice alheia. (Anna Virginia Balloussier)