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Especial Zé Ramalho Parte I: Quando o brejo cruzou a poeira

O músico reflete sobre os 40 anos de seu principal disco

Henrique Inglez de Souza Publicado em 05/10/2018, às 11h02

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Reprodução
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Parece incrível: basta ouvirmos o nome de Zé Ramalho, e quase instantaneamente pensamos em “Avôhai” ou “Vila do Sossego”. O álbum solo de estreia do cantor e compositor paraibano tornou-se uma espécie de RG artístico veterano da música brasileira. Mesmo após quatro décadas e outros projetos bem-sucedidos, este virou uma marca que jamais se desfaz.

Composições próprias e parcerias com Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Lula Côrtes, o material reúne faixas densas e poderosas. Tudo untado por uma psicodelia brejeira e a inconfundível voz grave. Na música “Bicho de 7 Cabeças”, nos deparamos ainda com uma peleja instrumental brilhante. Há uma elegância sonora atemporal nesse disco.

Carlos Alberto Sion foi o produtor e ajudou a moldar a abordagem, de essência simples – cuja receita resumiu-se a voz, viola, baixo elétrico e percussão. “O bom foi que o artista permitiu que trabalhássemos em equipe por uma linguagem diferente do que havia na música brasileira”, diz o produtor. “Usamos as percussões regionais, dando ênfase às partes das violas, porque o Zé tem uma veia country rock muito forte, e o regional nordestino.”

Dois Chicos, o Julien (baixo) e o Batera (percussão), criaram uma cozinha enxuta de bastante alma. Das participações especiais, algumas são curiosas: Sérgio Dias, Dominguinhos, Altamiro Carrilho, Bezerra da Silva e o ex-Yes Patrick Moraz. “Aluguei um megateclado do Lincoln Olivetti”, completa Sion. “O Patrick se encantou com a ideia toda, e ‘Avôhai’ teve a presença luminosa de um grande músico internacional.” À parte do sucesso abocanhado, Zé Ramalho não se tratou de uma obra qualquer.

Falar sobre a estreia solo dessa figura única rende perguntas sem fim. Conseguimos uma boa dose delas, e para deixar este especial mais saboroso, dividimos o papo em duas partes. Aqui vai a primeira metade.

Zé Ramalho definiu um estilo com o qual avançou sua discografia dali em diante. Esse disco te desafiou, criativamente, durante algum tempo?
Nesse tempo, 40 anos atrás, a música era uma novidade no Brasil. Fazer música, ser artista, compositor, era um desafio e uma incerteza também. Os critérios das gravadoras, fortes dentro do mercado existente eram rigorosos em relação a contratar novos artistas.

Cheguei ao Rio de Janeiro com o material do primeiro disco, e dentro dos dias de sobrevivência, conseguia contatar pessoas para mostrá-lo. Eram produtores, músicos que eu conhecia e amigos que conseguiam marcar alguma entrevista com esses gerentes de gravadoras. A maioria, depois que ouvia “Avôhai”, “Vila do Sossego” e “Chão de Giz”, torcia o rosto e me dizia: “Com esse tipo de música, não vai dar”.

Essas três canções se tornaram, hoje, clássicos da MPB. Se fosse por esse tipo de gente, nunca seriam conhecidas pelo grande público. Foi só na CBS que houve uma atitude por parte da diretoria. O presidente então, Jairo Pires, ao escutar “Avôhai”, abriu os braços na minha frente e declarou: “Vamos gravar!” O portal se abriu e o velho cruzou a soleira!

Como nasceu o material que viria compor Zé Ramalho?
As músicas foram feitas entre 1975 e 1976. Nas andanças pra lá e pra cá, nos estados da Paraíba e Pernambuco, fui juntando minhas criações musicais. Nesse tempo, eu ainda cursava a faculdade de Medicina na UFPB, até que abandonei os estudos e fui de ônibus para o Rio de Janeiro começar essa jornada. Talvez todas as faixas sejam curiosas pela estranheza das letras que apresentei. Não tinha nada parecido naquela época.

Você e o Carlos Alberto Sion tiveram uma boa química em estúdio?
O disco foi bem realizado, musicalmente falando. Nomes de categoria internacional, como o tecladista Patrick Moraz, que tinha substituído Rick Wakeman no Yes, e os geniais brasileiros Dominguinhos, Altamiro Carrilho, Paulo Moura, Bezerra da Silva e Sérgio Dias Baptista abrilhantaram e rechearam o álbum com seus talentos geniais.

Como Patrick Moraz e Sérgio Dias foram parar em seu disco?
Foram convidados pelo produtor, que mantinha contato com eles. Para mim, foi uma felicidade ter tantos músicos de prestígio. E curiosamente a própria imprensa da época não deu o devido valor, só porque era meu álbum, o álbum de um nordestino estreante mostrando essa pegada psicodélica, política e social. Se fosse algum compositor do Sul ou da moda, falariam tudo! Se não falaram, perderam a oportunidade, e hoje não dá mais para se arrepender.

“Avôhai” foi a primeira música sua que ouviu tocar no rádio. Descreva a experiência.
Foi inesquecível, como é para todo artista/compositor que ouve uma música sua pela primeira vez no rádio! Isso também aconteceu com Beatles e todo artista da época. Tinha esse impacto quando se ouvia sua criação musical soando do alto-falante de um táxi. O táxi era um desses amarelos – como diriam os Mamonas Assassinas, uma Brasília amarela – e eu estava indo para o aeroporto do Galeão, numa de minhas cansativas maratonas para divulgar o disco. Foi lindo! Valeu a pena a emoção desse momento!

Leia a continuação aqui:
http://rollingstone.uol.com.br/noticia/especial-ze-ramalho-parte-ii-profundamente-real-e-verdadeiro/