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Uma das maiores forças artísticas em atividade no Brasil, Arnaldo Antunes coroa 2015 com trabalhos realizados em três diferentes meios

STELLA RODRIGUES Publicado em 01/01/2016, às 18h34 - Atualizado em 02/01/2016, às 20h32

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Antunes fotografado pela esposa, Marcia Xavier - Marcia Xavier
Antunes fotografado pela esposa, Marcia Xavier - Marcia Xavier

A maioria dos viajantes costuma voltar de férias apenas com um punhado de souvenires, um monte de fotos no Facebook e, infelizmente, uma conta de cartão de crédito astronômica para contar a história. Não é o caso de Arnaldo Antunes, que tem sucessivamente usado os períodos de descanso para alimentar criativamente os produtos que lançará em seguida. Em 2015, o músico paulistano de 55 anos retornou de um período sabático de seis meses com um livro de poesia, uma exposição e um disco de inéditas que nem estava nos planos.

Arnaldo Antunes cantou na homenagem à Cássia Eller, realizada no Rock in Rio 2015.

“Foi providencial, nunca tinha feito isso de tirar um período maior”, diz ele, que, como de hábito, recebe a reportagem na sala de casa. “Compor é parte das férias. Viajar, ler, tocar, escrever. Mas é mais descompromissado, não há encomendas.” O que havia era uma intenção. O livro (Agora Aqui Ninguém Precisa de Si, que saiu no fim de junho pela Editora Companhia das Letras) e a exposição (Palavra em Movimento) já estavam encaminhados antes da ida e previstos para os meses após a volta. Mas, musicalmente, Arnaldo queria explorar um formato diferente para ele, o EP, com seis faixas assinadas cada uma por um produtor. “Acabaram saindo 25 canções, escolhemos 15 e vimos uma temática ali. Fiquei com um dos seis produtores e o plano inicial foi adiado.” O resultado é o recém-lançado álbum Já É.

O eleito para a produção foi o igualmente prolífico Alexandre Kassin, que nunca tinha integrado a populosa rede de artistas que costumam trabalhar com o sempre gregário Arnaldo Antunes. “Ele é muito versátil e trouxe um frescor”, elogia o cantor, que, mesmo com a novidade, manteve na ficha técnica do trabalho vários dos muitos nomes que sempre cercam sua obra: Marisa Monte, Carlinhos Brown, Marcelo Jeneci e até a esposa e artista plástica Marcia Xavier e o filho e também ator Brás Antunes são creditados no encarte.

Tão influente quanto o viço trazido por Kassin foi a renovação de cenários proporcionada pelas viagens. A rota incluiu a caótica Nova York, precursora do caos urbano de São Paulo que Antunes tanto ama – e que registrou para duas exposições de arte, incluindo Palavra em Movimento, que chega ao fim este mês, em Brasília, e segue para Salvador em dezembro – e a transcendental Índia, que segue cumprindo um papel transformador na carreira de artistas de todas as esferas. “Estive na cidade para onde foram os Beatles, Rishikesh”, conta Antunes. “Você não consegue passar imune pela coisa espiritual de lá, sabe? Está impregnado em tudo. É algo cultural, não é bem religião. Tem a ver com filosofia e uma espiritualidade. Para mim, é a convivência com uma maneira mais sensível de perceber o mundo.” Curiosamente, não são apenas as canções compostas no país (“Antes”, “Só Solidão” e o mantra “Aqui Onde Está”) que trazem essa perspectiva. “Tem algumas que foram feitas antes, mas que escolhi exatamente por tangenciarem assuntos próximos a esses. ‘Se Você Nadar’, ‘Põe Fé Que Já É’ ou ‘Peraí, Repara’ tematizam isso da atenção ao instante para o qual o título chama. O aqui e agora. Que, aliás, encaixa com o título do meu livro, Agora Aqui Ninguém Precisa de Si.”

Veja as capas das 100 primeiras edições publicadas pela Rolling Stone Brasil.

A coletânea de poesias que chegou em 2015 ao mercado compila palavras escritas pelo ex-titã há anos. Quando sentou para ver o material que tinha em mãos, ele produziu mais alguns conjuntos de versos ligados à proposta central do livro, assim nutrindo um lado mais individual de sua verve produtiva. “A gente vive uma criação que tem por natureza essa coisa do coletivo”, ele diz sobre a música popular. “O ‘eu’ nunca é o ‘eu’ do sujeito que está cantando. É o ‘eu’ das pessoas que ouvem e se identificam. Quando uma pessoa canta ‘Deixa eu cantar pro meu corpo ficar Odara’, é o corpo dela. Existe uma empatia, você faz aquilo para ser naturalmente identificado e interpretado por outras pessoas. Faço por um instinto espontâneo de expressão e vai atingir o que tiver que atingir, é sempre imprevisível”, completa. Já a poesia, uma arte com um poder de alcance popular infinitamente menor, preenche outras sensibilidades. As duas paixões surgiram no coração do moleque Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Mas a natureza arrebatadora da música fez com que o violão desse uma surra na pluma: quando os Titãs estouraram, a faculdade de letras ficou para trás, pela metade. Mas o impulso que levou o jovem aos bancos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) nunca desapareceu.

“A música é coletiva por natureza, você compõe e toca junto, o resultado toca em ambientes coletivos. Quem vai ler o livro se debruça individualmente, tem um momento de introspecção. Ao mesmo tempo, a tradição da canção popular brasileira tem letras muito sofisticadas, acaba sendo um rico veículo de poesia musicada”, argumenta. “Eu cresci em meio à contracultura dos anos 1970, quando essas duas coisas estavam muito próximas. A poesia concreta e os tropicalistas, por exemplo. É um território fértil e faz parte da nossa cultura misturar isso, não é algo que acontece em todos os países.”

Os momentos e reflexões temáticas de Arnaldo Antunes, mestre manipulador da faceta mais lúdica das palavras, pertencem e cabem a várias áreas da cultura, todas tão intrínsecas a ele quanto percorrer o mundo ou descansar. Sorte do interlocutor, possibilitado de captar todas as descobertas narradas por ele nas mais diversas plataformas e dimensões gráficas e sonoras.