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Cara Estranho

David Fricke Publicado em 10/11/2008, às 12h14 - Atualizado em 21/09/2011, às 20h37

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Michael Stipe em 1991 - AP
Michael Stipe em 1991 - AP

Para o R.E.M., os últimos doze meses se transformaram no ano dos Grandes Prêmios da Música e há uma montanha deles empilhada em um canto do escritório da banda, em Athens (Geórgia). Há discos de ouro e platina do mundo inteiro referentes ao álbum Out of Time e meia dúzia de astronautas do Video Music Awards, da MTV, ganhos por "Losing My Religion", incluindo o de "Melhor Clipe". Eles ainda estão em suas caixas, juntando poeira, todos endereçados ao vocalista Michael Stipe, que os deixou de lado. "Vou pegar todas essas coisas, levar para casa e colocar sobre a TV - que nunca uso", explica Stipe, olhando para a pilha com um sorriso travesso. "Os discos de ouro vão para leilões de caridade ou para a minha avó. Não preciso disso para me mostrar o que consegui. Já me sinto bem o suficiente olhando para a capa dos discos e pensando: 'Há uma grande canção aqui e eu ainda consigo escutá-la'. Isso é que conquista."

Por esse parâmetro, Stipe, o guitarrista Peter Buck, o baixista Mike Mills e o baterista Bill Berry podem se sentir orgulhosos por sua primeira década juntos. Do ruído catalisador do compacto de estréia independente Radio Free Europe / Sitting Still, de 1981, ao pop urgente de Green, de 1988, o R.E.M. criou um repertório rico de composições exploratórias, profundidade emocional e impulso originário do rock de garagem, alcançando a popularidade do mainstream sem cair nas armadilhas da indústria da música ou trair suas origens como banda vinda das rádios universitárias.

O sucesso total de Green garantiu a boa recepção de Out of Time. Mas o grupo não estava preparado para os três discos de platina e a aclamação geral do público - incluindo uma vitória arrasadora na pesquisa realizada entre os leitores da Rolling Stone EUA (que os transformou em "A Banda do Ano" de 1992). No dia anterior ao desta rara e profunda entrevista com Stipe nos escritórios do R.E.M., eles receberam sete indicações ao Grammy, incluindo "disco" e "música" pelo hit "Losing My Religion".

"Descrevi o R.E.M., uma vez, como um monte de acordes menores com algum nonsense jogado em cima", recorda Stipe cruzando as pernas em uma posição de ioga, sentado na cadeira giratória e pensativamente passando a mão pela barba malfeita. 'Losing My Religion' é assim; 'Fall on Me' também. Você tem sempre aquela vontade de cantar junto e de continuar quando a música termina. E talvez a cada par de anos a gente acerte uma dessas. Na verdade, odeio fazer essa comparação, mas 'Religion' tem um tema parecido com 'Every Breath You Take', do Police. É basicamente uma canção pop sobre obsessão. Sempre achei que o melhor tipo de música era aquela em que qualquer um que ouve se coloca na situação do personagem e se reconhece nele."

Como letrista do R.E.M., Stipe tem escrito canções assim o tempo todo: "So. Central Rain (I'm Sorry)", "Fall on Me", "The One I Love". O problema, para os fãs mais ardorosos e críticos, tem sido encontrar o "eu" que o próprio compositor coloca em seus versos. Por outro lado, em contraste com seu estilo elíptico de escrita, John Michael Stipe, 32 anos, natural de Atlanta, se mostra afável e receptivo ao diálogo. É reservado em alguns pontos - particularmente no que diz respeito a sua vida pessoal -, mas franco e despretensioso ao falar de sua música, do sucesso, dos problemas de ser uma celebridade, de seu ativismo político e de seus interesses criativos amplos fora da banda. Como Peter Buck, Stipe faz "hora extra" como produtor musical e guru do rock indie. Recentemente produziu o segundo álbum do compositor e intérprete Vic Chestnut e também patrocinou uma noite de música sulista em Nova York durante o New Music Seminar para divulgar quatro novas bandas underground.

Sua companhia cinematográfica sem fins lucrativos, a C-00 (pronuncia-se "C-hundred"), com seu cofundador, o diretor Jim McKay, continua produzindo campanhas de conscientização sobre a aids, o racismo e os sem-teto. Michael é também produtor executivo do primeiro longa da C-00, Desperation Angels, dirigido por McKay. "É um road movie", explica o músico, "um olhar muito intenso, muito inteligente e muito gráfico sobre a decadência dos Estados Unidos da América no final dos anos 80 e começo dos 90.

Li dúzias de scripts em um ano e meio” – um a cada dez tinha um rockstar no papel de protagonista, reclama – “e esse simplesmente saltou aos olhos”.

Mais um ano também significa mais um álbum do R.E.M., com gravação agendada para a primavera e lançamento no fim do verão. A noite anterior a esta entrevista marcou o primeiro ensaio da banda em 92, em que martelaram algumas das várias idéias que acumularam desde as sessões de Out of Time. “São meio lentas, bem estranhas”, adianta Stipe. “São canções mais acústicas, com menos bateria.” Sobre a futura turnê do R.E.M., ele acrescenta: “Provavelmente vamos torná-la mais enxuta, baixar os holofotes, tirar toda a merda, botar uma camiseta branca e subir ao palco. Os shows acústicos que fizemos na TV e na Europa, no mínimo, mostraram que consigo mesmo cantar e que as canções não são assim tão estranhas e enigmáticas. São só músicas muito boas e eu tenho um bom fôlego. Na verdade, fui abençoado com péssimas cavidades nasais”, reconhece. “Só suporto isso porque, em troca, ganho uma ótima voz.”

Com o sucesso de Out of Time, você já teve chance de parar para pensar: “Por que agora?”

Acho realmente estranho que este disco seja tão popular enquanto outros passaram despercebidos. Não só nos Estados Unidos, mas globalmente. Fomos número 1 em Israel por nove semanas. Israel! Vai entender. Foi a primeira banda não israelita a ficar em primeiro lugar nas paradas nos últimos cinco anos. E isso aconteceu logo depois da Guerra do Golfo... Se fosse mais pretensioso como cantor ou com relação a nós enquanto grupo, talvez pensasse mais sobre esse tipo de coisa. Mas creio que somos uma banda boa, às vezes ótima e, muito disso, é timing e sorte. Não quero soar de um modo horrivelmente modesto, porque temos muito orgulho do que fazemos e trabalhamos duro para isso, mas não fico tentando entender. Não acho que conseguiria andar por aí e comprar papel higiênico se tivesse que pensar em por que as pessoas em Bombaim e Israel estão dançando ao som de “Radio Song”.

Nos últimos dez anos você passou de roqueiro underground à celebridade. Comparando com sua energética presença de palco nas primeiras turnês, você parece bem mais relaxado nas apresentações mais recentes. A que você atribui este Michael Stipe mais amigável?

Virei um performer em algum ponto da última década. Parei de usar roupas escuras, deixei que as luzes brilhassem um pouco mais. Na turnê de Green, os preços eram tão astronômicos que me sentia culpado pelas pessoas que pagavam todo aquele dinheiro para sentar na última fileira e não viam nada.

Gostou dessa fase “performer”?

Não. Parecia forçado. Meu corte de cabelo é a prova do quão extremo a coisa era. De longe, eu tinha o corte mais feio dos anos 80. Mas sentia essa obrigação para com o público e com o papel que, supostamente, deveria representar. Por falar em poder, isso é uma viagem. Você levanta a mão e 20 mil pessoas gritam. Lembro bem a primeira vez em que percebi isso. Foi no Wang Center, em Boston. Fizemos dois shows lá e, no segundo, tocamos “Flowers of Guatemala”. Olhei para a platéia e vi pessoas chorando abertamente. Daria para ouvir um alfinete caindo, foi uma sensação única.

Ultimamente você parece ter também essa sua personalidade para a TV – falante e cheia de sorrisos para a câmera, como se tivesse tomado as pílulas “shiny happy people”.

Fico muito encabulado e é assim que reajo. Tenho essa reputação de ser uma pessoa séria e, em entrevistas, fico desesperadamente pensando em respostas legais. Por isso acabei criando esse tipo de rabugento respeitável. Quando estou em frente às câmeras, fico parecendo um esquilo que tomou speed. Câmeras me deixam muito animado. Mas é estranho ser uma personalidade da mídia, ser reconhecido por todo mundo. É como se começasse um jogo toda vez que você entra em um lugar – é uma questão de tempo até que alguém cochiche para outra pessoa, aí ela vê você e avisa mais alguém.

Uma das razões pelas quais é tão conhecido é o fato de que nos clipes do R.E.M. você tem um papel mais destacado que os outros membros da banda, como em “Losing My Religion”...

Sou o único que suporta os clipes. Acredito que eles são uma grande forma de transmitir idéias. “Losing My Religion”, por exemplo, acabou virando uma junção da minha idéia e da do diretor, Tarsem. Queria fazer um vídeo bem direto, bem parecido com “Nothing Compares 2 U”, da Sinéad O’Connor. Praticamente um enquadramento estático da minha cabeça. Mas também queria incluir o resto da banda. E Tarsem tinha essa idéia de filmar em um estilo de um tipo específico de filme indiano em que tudo é melodramático e parece estar dentro de um sonho. Foi uma boa mistura, serviu como teste. Quando o resto do pessoal viu como ficou bom, acabou se empolgando para fazer outros clipes.

A abordagem do R.E.M. nos vídeos mudou drasticamente desde “Radio Free Europe”. A banda quase não aparece em cena...

Quase desejo que não tivéssemos aparecido nunca. Nosso grande experimento foi com “Can’t Get There From Here”. Todos apareceram, não funcionou e a culpa foi minha – era meu primeiro trabalho como diretor e editor. Depois daquilo seguimos para outro extremo com “Fall on Me”, em que decidi que a banda não apareceria de jeito nenhum. Chegamos a um ponto em que estávamos fazendo os clipes, gastando muito dinheiro e eles não eram exibidos em lugar nenhum. Foi idiota, essa atitude “anti” não estava funcionando.

Vocês acharam a solução mais efetiva com “Stand”. O foco eram as dançarinas, mas havia também a banda e aquele close em você, com aquele sorriso meio tímido e embaraçado.

O sorriso que despedaçou milhares de corações [risos]. Não foi planejado, foi genuíno. Não sei o que estavam fazendo por trás das câmeras para que eu risse daquele jeito, mas funcionou. Katherine Dieckmann [a diretora] achava que minha imagem pública estava um pouquinho desgastada demais. Ela queria quebrar isso, e conseguiu. Na verdade, ela chegou a me mandar uma cópia da edição final perguntando: “Tudo bem para você?” E respondi: “Claro, está ótimo”.

Existe uma imagem pública consensual de Michael Stipe como um artista estranho e enigmático. O quanto disso é verdade?

Todo mundo é assim. Mas nem todo mundo é projetado desse jeito na casa de milhões de pessoas. Isso não quer dizer que eu seja a pessoa mais racional e sensata do mundo, me contradigo bastante, e com freqüência. Existe também um grau de projeção envolvido: “Isto é o que quero que você veja”. Mas talvez só o fato de dizer o que é e o que não é invenção já seja uma invenção em si própria. É algo que podia prosseguir infinitamente, como descascar uma cebola. Entretanto, não acho que seja assim. Depois de fazer declarações e vê-las várias vezes publicadas de modo deturpado, você começa a perceber que usar frases de efeito faz um certo sentido. Você entende seu sentimento e o condensa.

Mas o sucesso do R.E.M. sugere que o público do pop está aberto a uma nova musicalidade e a novas idéias. Eles são mais espertos do que muitas bandas e gravadoras imaginavam.

Sempre odiei a idéia de que é preciso simplificar algo para que as pessoas entendam. Tento ir além disso. Aceitei desde cedo que a partir do momento em que uma música é levada ao público passa a ser tão deles quanto minha. Qualquer coisa que qualquer um queira enxergar nelas está bom.

Muita gente ainda acredita que “Fall on Me” é sobre a chuva ácida. Inicialmente, era. Então a reescrevi. Se você ouvir o segundo verso, vai perceber que há uma contra-melodia por baixo. Essa é a melodia original da música; essa era a parte sobre a chuva ácida. Na verdade, a “Fall on Me” que todos conhecemos e amamos não é sobre isso. É sobre a opressão em geral, sobre o fato de que há um monte de motivos por aí que precisam de uma canção que diga: “Não nos esmague”.

Um assunto raramente discutido publicamente é a sua história pessoal. A linha padrão na maioria das matérias sobre o R.E.M. é: “Michael Stipe é um filho de militar que estudou na Universidade da Geórgia”.

É só isso. Tive uma infância inacreditavelmente feliz e ainda sou muito ligado à família.

O que o seu pai fazia no exército?

Nada hediondo. Digamos que ele era do exército.

O que levou você a estudar arte?

Não queria ser soterrado em livros, por isso não escolhi inglês; também não queria filosofia, achava que era um monte de bobagens. Acabei me interessando por geologia; podia muito bem ter seguido esse caminho. Só escolhi arte porque dava para ir andando do centro de Athens, ficava perto da Jackson Street. Na verdade, comecei com comunicações, estudei um pouco de inglês. Li bastante. Mas nunca me graduei. Sou um desistente.

Você se interessava por arte no colegial?

Amo fotografia. Fotografei crianças por um tempão, e prédios. Estou começando a soar como David Byrne [risos].

Os grandes ícones do rock sessentista, como Beatles e Rolling Stones tiveram alguma importância na sua juventude?

Na minha época, Beatles era música de elevador. “Yummy Yummy Yummy (I’ve Got Love in My Tummy)”, do The Ohio Express, teve mais impacto sobre mim. Lembro claramente de estar em uma piscina cantarolando essa música e meu pai dizendo: “Não cante isso, é indecente”. Naquela hora, me senti particularmente rebelde e continuei cantando. Mas então mergulhei no lado mais fundo da piscina e ele teve que me arrancar de lá.

Tinha um cara no Texas chamado Mr. Pemberton que era dono de uma loja de discos. Era muito velho e tinha cara de bravo. Mas era uma ótima pessoa e costumava dar para mim e para minha irmã os compactos que não usava mais, que não ia mais vender. Assim conseguimos Tammy Wynette, Beatles e Elvis. E Roger Miller – ele tinha uma música chamada “Skip a Rope”. Teve uma influência profunda em mim.

O que o punk, como movimento ou atitude, significou para você?

Foi incrivelmente libertador. Eu me lembro da edição de novembro de 1975 da revista Cream. Tinha uma foto da Patti Smith, ela estava assustadora, parecia a Morticia Addams. E acho que tinha Lester Bangs ou Lisa Robinson escrevendo sobre o punk rock em Nova York, explicando que ouvir todos os outros gêneros de música era como assistir à TV em cores e que ouvir o punk era como assistir a uma TV em preto-e-branco. E isso fez muito sentido para mim. Horses, da Patti Smith, veio logo depois disso. E então saiu Marquee Moon, do Television. E comprei o primeiro álbum do Wire. Essas foram as minhas grandes inspirações. A grande revolução era que qualquer um podia fazer aquilo. E encarei de maneira muito literal. Li a entrevista com a Patti Smith e pensei: “Se ela pode cantar, também posso”. Ninguém nunca percebeu o quanto ela foi importante para mim.

Em que sentido?

Patti era bem gutural. Soava como um uivo, uma besta enlouquecida. Acho que nunca contei isso para nenhum repórter, mas a primeira gravação que fiz foi quando tinha 13 anos. Minha irmã tinha um desses gravadores típicos de secretária. Um dia, todo mundo tinha saído de casa, me tranquei no porão, liguei o negócio e gritei por dez minutos. Cara, como queria ter aquela fita.

O R.E.M foi sua primeira banda?

A primeira com quem toquei em uma casa noturna ou bar, a primeira que vale alguma menção. Toquei com uma banda de covers por um tempo. Também tive esse grupo de noise chamado 1066, em homenagem à Conquista Normanda, meu ano favorito na história. E estive em uma banda que fazia covers de punk rock em St. Louis, quando tinha 17 ou 18 anos. Mas nenhuma delas significou alguma coisa, mesmo. Nunca tinha escrito uma música antes do R.E.M. E nós mesmos não escrevemos uma música de verdade até “Gardening at Night” [de Chronic Town, 1982]. Ainda creio que as primeiras 30 canções que compusemos foram uma espécie de treino, como ir à escola para aprender a compor. E com “Gardening at Night” foi algo como: “Uau, isso faz sentido”.

E quando o R.E.M fez sentido para você?

Éramos uma banda típica naqueles primeiros anos [início da década de 1980] – dirigindo por aí em um caminhão, parando em alguma cidade e criando confusão. Sendo punks adolescentes de merda. Nós éramos legais, mas mesmo assim ainda quebramos muita coisa. Foi o mais perto de uma aventura kerouaquiana que qualquer um de nós conseguiu chegar. A gente dirigia até algum lugar e alguém pagava 200 dólares para a gente fazer barulho por uma hora e meia. O que podia ser melhor que isso? Não era tão romântico, mas nos divertíamos bastante. Também tivemos ótimos momentos fazendo Murmur [1983] e Reckoning [1984]. Já Fables of the Reconstruction [1985] foi difícil de gravar e uma verdadeira mudança para nós. Mas Lifes Rich Pageant [1986] foi a reconstrução da desconstrução que Fables acabou se tornando. O produtor, Don Gehman, chegou com seu som de bateria enorme e isso abriu algumas portas para nós. Também foi a primeira pessoa a questionar minhas letras. Ele perguntava: “Que porra significa isso?”.

Qual foi sua reação?

Cruzei os braços e saí da sala. No entanto, gostei muito de ter sido questionado. Don só disse: “Pense no que está cantando. O que é isso? Por que você quer colocar isso para fora?”

Esse tipo de crítica fez você repensar seu estilo de composição?

Não. Mas com aquele álbum tivemos uma clareza sonora que estava tecnologicamente a quilômetros de distância de tudo que já havíamos feito. Foi gravado de modo que você pudesse ouvir o que estava cantando. Na verdade, fico tentando fugir disso. No vocal de “Belong” (de Out of Time), gravei direto de um walkman. Não gosto de muita clareza porque não me dá a liberdade de transformar minha voz em algo que seja só uma melodia e deixar que as palavras, o significado, fluam.

Você não gostaria que as pessoas entendessem o que você está cantando?

Não. Não vejo razão nenhuma para isso. Uma música é algo que vai além do pensamento racional. Não precisa fazer sentido. “Half a World Away” (também de Out of Time) não faz sentido para ninguém mais além de mim. E mesmo para mim é uma experiência completamente fabricada; foi tirada de coisas que sei ou vi na TV ou que conhecidos me contaram. É uma invenção completa, mas tem alguma coisa ali.

E quanto a “The One I Love”? Não dá para ser mais claro do que no verso: “This one goes out to the one I love/This one goes out to the one I left behind” (Essa vai para quem eu amei/ Essa vai para quem eu deixei para trás).

É, mas ela tem uma virada também: “A simple prop/To occupy my time” [Um passatempo simples/ Para ocupar meu tempo]. É meio ríspida. Não queria ter colocado isso no disco, mas pensava em escrever uma letra que tivesse a palavra “Love”, porque era algo que nunca tinha feito. Foi também o começo de um tipo de som que a banda começou a curtir – que era tão pop que não tinha como ficar cantando palavras sem sentido por cima. Precisava criar coisas bem sucintas, como “Pop Song 89” ou “Stand”. Nesse ponto, voltei à experiência de “Yummy Yummy Yummy” na piscina. Minha resposta imediata para “Get Up” (de Green) é: “uma ótima música-chiclete!”. É algo que entendo e pode ser realmente divertido. Os caras me deram uma música para o próximo álbum que vai tão além de “Stand” que faz com que ela pareça uma trilha de velório.

Já pensou em gravar um álbum solo?

Nunca fui um grande fã dos Rolling Stones, mas lembro que, quando Mick Jagger lançou seu primeiro disco solo, em 1985, pensei: “Por Deus, o cara está na mesma banda há 22 anos, é o cantor mais famoso do mundo e demorou todo esse tempo para fazer isso?”. Agora entendo o porquê. O R.E.M. consome quase todo meu tempo. Adoraria fazer um trabalho solo e garanto que seria muito diferente.

O que você faria?

A primeira coisa seria um álbum de covers. Já tenho até uma lista: “Paralysed”, do Gang of Four, “Talkin’ ‘Bout a Revolution”, da Tracy Chapman, “Gravity”, do Pylon, “Hey Jack Kerouac”, do 10,000 Maniacs. Tinha uma música chamada “Drowning”, do English Beat, que sempre achei que daria um bom single. E algumas outras que sei que poderia encarar, como “Magic Carpet Ride”, do Steppenwolf. Provavelmente faria esse de covers e então um com meus próprios trabalhos, que seria composto completamente de incoerências – iria querer dar vazão às coisas que não posso fazer com o R.E.M. de uma vez só. Tenho certeza de que seria uma zona, mas muito divertida.

Com sua grande carga de atividades fora do R.E.M. – vídeos, filmes, produção de bandas, ativismo político –, você já teve medo de se tornar uma espécie de “Homem Renascentista do Rock”?

Não vou deixar que isso atrapalhe as coisas que quero fazer. O problema é que você é catapultado para uma posição em que seu ego se torna do tamanho de um planeta. E começa a acreditar que consegue fazer qualquer coisa. O que pode não ser ruim, no fim das contas, exceto pelo pobre público que sofre durante boa parte disso. Mas, analisando como pessoa normal, não é de todo ruim sentir que tudo é possível.

E a síndrome de “homem de todas as causas”, como quando você apareceu com camisetas com dizeres politicamente corretos no MTV Video Music Awards do ano passado?

Se fui mal compreendido ou se as pessoas acharam que aquilo banalizou qualquer uma daquelas causas, realmente sinto muito. Mas acredito que muitos outros viram e disseram: “Ei, concordo com isso”. A resposta que recebi só deste ato foi maior do que qualquer outra coisa que tenha feito. Recebi cartas de países que não conseguia sequer encontrar no mapa.

A morte recente de Freddie Mercury, do Queen, aumentou a atenção da indústria da música para a epidemia de aids. Você acha que a comunidade do rock já fez o bastante – se é que fez algo – para o combate da doença?

Não acho que alguém tenha feito o bastante ainda e não sei se isso pode ser feito. Meu plano é estar bem envolvido. Já estive no passado, de maneira menos proeminente do que estive na questão do meio ambiente, por exemplo. Depois de Green, passei a ser conhecido como o cantor da reciclagem. As pessoas pensam em mim como o grande cérebro por trás dos incineradores de lixo tóxico. Acho que as próximas eleições presidenciais irão provar o quanto a crise da aids e a necessidade de se empregar dinheiro em pesquisas para a cura da doença são assuntos importantes. Se usássemos 1% do nosso orçamento destinado à defesa – que, de acordo com algumas fontes, significa Us$ 8 milhões por dia – e redirecionássemos para o estudo da AIDS, seria mais do que foi investido nesse campo pelo governo nos últimos dez anos.

A banda pretende se engajar ativamente na campanha presidencial, com apoio aberto a algum candidato ou shows em comício?

Show não, porque provavelmente não iremos tocar este ano. Mas dei meu apoio a [Michael] Dukakis em 1988. Não tanto por ele, mas mais por causa de George Bush [presidente eleito nas eleições de 1988]. Tinha medo dele na época e ainda continuo assustado. Mas fiz isso sozinho. Como banda, não sei. É algo que pode se transformar em uma situação delicada, já que o apoio público de uma banda de rock pode acabar se tornando algo mais negativo do que positivo.

Out of Time marcou o começo da segunda década do R.E.M. Como você vê o futuro do grupo?

Meu maior medo é que nos tornemos uma dessas bandas bestas que entram em sua segunda década de vida sem perceber o quão ruim são e a hora certa de parar. Não acho que chegamos nesse ponto. O que estamos fazendo no momento desafia tudo o que já fizemos em termos de energia e emoção.

Quantos anos de vida útil você acha que o R.E.M. ainda tem? É sabido que Peter Buck e Bil Berry (que acabou saindo da banda em 1997) fizeram um pacto de ficar na banda até 2000 e então parar.

Eles querem terminar na entrada do milênio. Tem algo de poético nisso, curto a idéia. Ei, acho que consigo andar com esses caras por mais uma década.