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Mad Men sem censura

Como os demônios internos de Jon Hamm o transformaram em Don Draper, o anti-herói mais quente da televisão

Josh Eells | Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 09/05/2013, às 12h07 - Atualizado às 12h25

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<b>TRABALHO DURO</b> “Não acredito em ir ao sabor do vento ou ficar à toa”, diz Hamm - Mark Seliger
<b>TRABALHO DURO</b> “Não acredito em ir ao sabor do vento ou ficar à toa”, diz Hamm - Mark Seliger

As 9h da manhã de uma quinta-feira, Don Draper pode estar saindo da cama, sentindo-se um trapo depois de outra noite contaminando os pulmões e tomando uísque Canadian Club suficiente para derrubar um cavalo, mais um passo em direção a um enfarte inevitável. Ou talvez já esteja no escritório, de cabelo penteado e barba bem feita, usando uma camisa tão branca e lisa que pode cortar como papel, pronto para soltar mais uma frase publicitária genial. Ou talvez nos surpreenda, como Draper é famoso por fazer, e acorde em uma mansão em Palm Springs, na cama de uma cliente ou abandonado, quase morto em algum motel barato, em mais uma reviravolta como já aconteceu nas cinco primeiras temporadas de Mad Men, um dos programas mais inteligentes, ricos e atraentes da televisão. Só que Jon Hamm não é Don Draper – pelo menos não totalmente, não o tempo todo. Então, nesta quinta-feira em particular, Hamm está sentado na varanda e usando boné, com a segunda xícara de café na mão, uma cópia dobrada do Los Angeles Times no joelho, confiante e à vontade como o rei de tudo o que vê, o que, neste momento, é sua rua bem cuidada no bairro chique e moderno de Los Feliz, em Los Angeles.

“Bom dia!”, diz Hamm, olhando sobre a cerca. “Pode subir!” Ele joga o jornal de lado e me conduz para dentro de casa, falando baixo para não incomodar Jennifer Westfeldt, atriz e escritora com quem está há 15 anos, que está doente e deitada com Cora, a cadela do casal. “Quer alguma coisa antes de sairmos? Água? Café? Vamos levar um pouco”, diz, jorrando o conteúdo da cafeteira em duas canecas para viagem. Ele calça os tênis, põe os óculos de sol e se dirige à porta. “Está pronto?” Originalmente, era para nos encontrarmos daqui a dois dias para jogar em um campo de treino de beisebol em Burbank. Hamm é um grande fã do esporte: cresceu jogando em St. Louis, como receptor. Só que ele teve de remarcar a entrevista: aparentemente, esqueceu que sábado é aniversário de Jennifer. Em vez disso, propôs uma caminhada nesta manhã. “Acho que todas as partes envolvidas ficarão mais felizes desta forma.” Hamm não é dos melhores quando se trata de aniversários. Uma vez, anos atrás, foi convidado para uma festa-surpresa para um amigo ator e quase a estragou aparecendo um mês antes. “Literalmente um mês”, conta. “Ele abriu a porta e perguntou: ‘O que você está fazendo aqui?’ Falei: ‘Estou... aqui... para...’ Enquanto isso, a esposa estava atrás dele gesticulando ‘Não, não!’” Alguns anos depois, contou essa história a Matthew Weiner, criador de Mad Men, que a incluiu em um roteiro. “Plagiado das páginas da minha própria vida de idiota”, Hamm diz.

Ele sai e caminha pelo quarteirão até uma escadaria escondida que leva ao imenso Griffith Park. Ele e Jennifer moram aqui há mais de dez anos e conhecem todos os segredos do bairro. “A casa da Megan é ali”, aponta, falando sobre Megan Fox, que contracenou com o casal no filme Solteiros com Filhos. “E a January fica logo na esquina” – falando sobre January Jones, que faz a ex-mulher dele, Betty, em Mad Men. Hamm sobe a escada dois degraus por vez. Quando chega ao topo, está um pouco cansado, gotas minúsculas de suor brotando na testa, então para um minuto para recuperar o fôlego. Tudo nele parece grande demais – a mandíbula máscula, os ombros de estivador e, claro, a cabeça enorme de 19 cm de diâmetro. “Tenho a segunda maior cabeça de qualquer pessoa que já apresentou o Saturday Night Live”, Hamm afirma. Respondendo à pergunta óbvia de quem teria a maior cabeça: “Ben Affleck. Eu achava que tinha a cabeça grande até conhecê-lo. Filho da mãe. Não coloque palavras na minha boca, mas tenho quase certeza de que é de, pelo menos, 20 cm”.

Logo o caminho se abre e estamos em uma trilha de terra que leva ao Observatório Griffith. Hamm já viu cobras e coiotes aqui, mas agora só há algumas senhoras asiáticas fazendo tai chi. Chegamos ao topo e ele tira os óculos para admirar a vista, em uma manhã californiana de céu azul fotográfico: “Nada mau, hein?” No que diz respeito a metáforas, esta não é ruim: Hamm está sobre uma montanha, com Hollywood a seus pés, declarando que as coisas não estão “nada más”. Ele é modesto demais para dizer isso, mas não há ator melhor na TV no momento. Depois de cinco temporadas como o anti-herói mulherengo e alcoólatra Don Draper, Hamm incorporou tão bem o papel que até Daniel Day-Lewis o elogiou. Desde os dias de Tony Soprano (para quem Weiner também escreveu) um ator e um personagem não combinam tão bem. Hamm faz o implacável Draper com uma contenção tão impassível que é fácil subestimá-lo, como o prêmio Emmy tem feito há cinco anos consecutivos. “Ele está em desvantagem neste seriado”, diz o amigo e colega John Slattery, que interpreta o sócio Roger Sterling. “Não é um chefão do tráfico, não está explodindo nada, mas dia após dia eu o vejo fazer coisas incríveis, sutis. As pessoas nem acham que ele está atuando na metade do tempo.”

Aqui está a pergunta que todos fazem: quanto de Hamm existe em Draper? De acordo com Hamm, não muito. “Don Drapper é um personagem muito complicado, e sou um sujeito complicado, mas é aí que as semelhanças terminam.” Ele tem razão. Hamm é um piadista que roubou a cena no SNL, foi hilário em Missão Madrinha de Casamento e arrasou em uma participação de seis episódios como namorado de Liz Lemon em 30 Rock. Gosta de coisas masculinas, como pôquer, jogar no time de beisebol no bairro e beber cerveja depois dos jogos. Além disso, é um ex-jogador de futebol americano e fã de videogames – não tanto dos jogos de tiro em primeira pessoa, mas mais dos games de fantasia, como World of Warcraft. No entanto, pergunte a Hamm que tipo de personagem ele gosta de representar no jogo – um guerreiro, um vilão, um feiticeiro nefário? – e de repente ele fica sério. “Eu”, diz, “nunca dividiria isso com ninguém.” É nesse ponto que a linha entre Hamm e Draper começa a desaparecer, porque, sim, Jon Hamm é um homem de 42 anos que ama Budweiser, Wilco e Words with Friends, mas também há um pouco mais de Draper nele do que gostaria de admitir.

“Matt Weiner escreve em torno de quem somos como pessoas”, conta January, “e coloca muito do Jon no Don. Seu charme, suas vulnerabilidades, seus defeitos... Há um ar de mistério nele – como de onde veio? De repente, é Don Draper, um superastro. Não vou falar por ele, mas talvez ambos tenham um passado semelhante”. Weiner diz que Hamm prefere manter a vida particular resguardada. “Somos amigos de trabalho”, diz. Christina Hendricks, que faz Joan Harris, a secretária que se tornou sócia, trabalha com Hamm há mais de sete anos. Com a agenda de 14 horas por dia de gravações, é possível que passem mais tempo juntos do que separados, mas, mesmo assim, ela diz: “Conheço o Jon no trabalho, mas não sei muito bem quem ele é”.

De volta para casa, hamm entra em um Mercedes CLS63 e dirige até um complexo de 81 mil m2 chamado Los Angeles Center Studios. Aqui é a sede de Mad Men, no antigo edifício da Unocal no centro – uma locação escolhida por Weiner parcialmente pela semelhança com os arranha-céus da Park Avenue nos anos 50, como o Seagram Building e o Lever House. O último trabalho de Hamm antes de virar ator em tempo integral foi como garçom em um restaurante latino a três quadras daqui. Às vezes, até parava o carro no mesmo estacionamento. Agora, tem uma vaga melhor.

A maior parte do elenco já está aqui, em uma área que chamam de Acampamento, um pequeno labirinto de trailers com árvores em vasos e uma fogueira. Elisabeth Moss, que faz a redatora Peggy Olson, está vendo vídeos do YouTube em um iPad, ainda se recuperando da gripe da semana passada. Christina, que também se recupera, está lendo uma biografia da editora de moda Diana Vreeland e fazendo tricô. Em um sofá, January está sentada tomando sol, quando alguém atrás dela dá um arroto estrondoso. “Foi o Rich?”, pergunta sem se virar. Incrivelmente, foi – Rich Sommer, que faz Harry Crane, o chefe do departamento de TV. Ela ri: “Conheço os arrotos”. Hamm passa por January a caminho de seu trailer e lhe dá um leve aperto no ombro. “Ei, Bubby”, ela diz, sem olhar para cima. Ele entra por alguns minutos para vestir o “uniforme”: camisa branca, cinto com fivela monogramada, abotoaduras, gravata. Sai e senta no lugar de sempre à mesa, em frente a um caderno espiral cheio de páginas de marcações de contas – o placar do infinito jogo de dominó disputado pelo elenco. Pergunto quem é o grande campeão e Hamm aponta para si mesmo, dizendo: “Sou eu”.

Hamm é o que se chama no set de “número 1 na lista de chamada”. Isso é literalmente verdade, no sentido de que seu nome está no topo, e também se refere a seu lugar especial como o primeiro entre iguais. Weiner discute roteiros com Hamm de uma forma que não faz com outros atores. Ele o chama de “presidente da classe” e “rei da formatura”. Elizabeth afirma que, sempre que há um problema, o elenco pede ajuda a Hamm. Afinal: “Quem mais lutaria por você senão Don Draper?” O lado ruim é que eles não querem decepcioná-lo. “Ele é como o pai”, afirma Elizabeth. “Você não quer deixá-lo esperando, não quer estragar tudo. Dá para ver, especialmente com os rapazes – se começam a fazer besteira, ficam vermelhos de vergonha, porque tudo o que querem é agradá-lo.” Ela diz que até Weiner está sujeito a isso – não querer deixar Jon Hamm decepcionado. “Tenho a sensação de que, mesmo se ele tivesse o menor personagem na série, isso também aconteceria”, admite Weiner.

Há alguma coisa nele que exige poder e respeito. Weiner, que criou Draper, vê tendências alfa parecidas: “Jon pode ser silencioso de uma maneira poderosa, e tem gênio ruim, o que é uma surpresa, porque há muito charme. Ele trouxe uma intensidade para o personagem que eu não esperava. Por exemplo, não sabia que Don sentiria tanto prazer em dominar seus inimigos, só que o Jon trouxe isso, e é brilhante. Não sei se ele se baseia em seus relacionamentos na vida real, mas sei que, quando os personagens dele e do Vinnie [Kartheiser] estavam brigando, Jon poderia dominar o jogo dentro e fora da quadra”. Kartheiser, que faz o executivo de contas Pete Campbell, tem uma história sobre derrotar Hamm três vezes seguidas no dominó. Hamm voltou e o destruiu, derrotando-o metodicamente por uma semana seguida. “Ele é um competidor implacável”, afirma Weiner. “Você não quer vê-lo perder. Acho que ele nunca virou uma mesa – mas se alguém próximo o derrota, está morto para ele até que Jon consiga a revanche.”

Hamm passou dez anos ralando em Los Angeles antes de finalmente conseguir o papel que o revelou. Trabalhou em bufês, como barman e, por um tempo, como figurinista em filmes pornôs soft. Foi dispensado da agência que o representava por ficar três anos sem trabalho. Depois disso, fez papéis genéricos de bombeiro, soldado e policial bonitão (”Encontramos fotos antigas de Jon de gola rolê e gozamos da cara dele”, conta Elizabeth). Então vieram Mad Men e Don Draper e, naquele instante, o esforçado ator de 36 anos chamado Jon Hamm se transformou no astro Jon Hamm.

“Acho que isso remete à minha coisa de tentar o máximo que posso, o tempo todo”, diz Hamm. “Não acredito em ir ao sabor do vento ou ficar à toa. Não gosto de deixar muita coisa sobrando, porque sinto que, se você ganhar, será uma vitória legítima – e, se não ganhar, sabe que precisa melhorar. Só que se você simplesmente se deixar levar – o que está aprendendo? Acho que essa é a pior desculpa: ‘Eu não estava tentando pra valer’. Vá se ferrar. Estava sim, só que perdeu.”

Exceto pelo cabelo, pelos 15 cm a menos de altura e pela capacidade de ficar quieto por mais de 15 segundos, há algo de Don Draper em Matthew Weiner. Para começar, o compromisso servil com a confidencialidade. Em uma época de teasers e spoilers, Weiner adora manter os espectadores no escuro. Parte disso é para preservar o valor comercial de Mad Men para o canal de TV, mas, na maior parte, trata apenas de se divertir como artista. “Ele quer morrer quando alguma coisa vaza”, conta Elizabeth. “A única vez em que o iTunes liberou um episódio mais cedo foi desesperador.” Não é que Weiner seja controlador, ela observa rapidamente. “É só que ele quer que todos aproveitem a série exatamente da forma como deve ser.” Ela faz uma pausa para pensar. “Embora isso soe muito controlador...” Weiner afirma que há consequências para qualquer ator que deixa algo escapar sobre a história. “Eles assinaram um documento legal”, conta. “Tivemos um problema uma vez e fomos obrigados a escolher esse caminho – não vou falar sobre isso.” John Slattery brinca que se Weiner pudesse fazer todos os papéis no seriado, ele faria. Weiner não discorda. “Você já dirigiu um carro e tirou a mão do volante?”, pergunta. “Eu meio que sinto que [a série] é um carro e eu tenho de dirigir.”

A esta altura na cronologia de Mad Men, estamos no final dos anos 60, quando o chão sob os pés dos Estados Unidos começa a rachar. A quinta temporada terminou na primavera de 1967. Nos meses seguintes, aconteceram o Verão do Amor, protestos antiguerra na Casa Branca, tumultos raciais, o assassinato de Martin Luther King Jr., o assassinato de Robert F. Kennedy e a Convenção Democrata de 1968. Em outras palavras, um país se desfazia. Weiner vê paralelos com a situação atual. “Estamos em um momento de autoestima baixíssima nesta cultura”, diz. “Há uma visão de quem somos – o país mais poderoso do mundo, a terra da oportunidade, a terra da tolerância –, mas está havendo uma revolução. Há uma desigualdade dolorosa, uma injustiça dolorosa. Estamos tendo uma desconexão na qual achamos que somos de um jeito, mas, quando olhamos no espelho, sentimos nojo.” Ele afirma que essa desconexão também será grande com Don nesta temporada. “Dick Whitman [nome verdadeiro de Don] é uma criança indesejada, abusada, um covarde, oportunista e, até certo ponto, um criminoso. Don Draper é bonito e bem-sucedido e, mesmo quando mostra fraqueza, é um tubarão. Então, o que ele fará quando sabe que a pessoa dentro de si é desprezível? Há algo a se fazer ou isso simplesmente te faz sentir mal?”

Um dos aspectos sobre Mad Men é a forma oblíqua com que o seriado aborda a cultura norte-americana. Weiner, que diz acreditar na “natureza cíclica do tempo”, alega que isso é intencional. “Sempre cometemos os mesmos erros”, afirma. “Por exemplo, não dá para escolher um ano entre 1960 e 1980 que não esteja cheio de violência com armas, mas, mesmo assim, ninguém fez nada sobre isso. Você acharia que o uso de armas seria afetado depois que o presidente levou um tiro na cabeça. Você acharia que um fuzileiro naval pegar um rifle e atirar em 45 pessoas faria algo mudar. Não foi o que aconteceu.” No final das contas, Weiner diz: “Estamos vivendo em um estado de ansiedade agora, e nesta nova temporada vamos aumentar essa sensação”.

“Johnny!”, diz Hamm. “Cadê minha bebida?” Hamm agora está no estúdio, prestes a filmar uma cena no escritório. Está gritando para John Slattery, que dirige o episódio. A maioria das pessoas chama Slattery de “Slatts”, o que o diferencia de Hamm, só que Hamm é um pouco mais flexível. “Eu o chamo de John, de Slatty, de feioso”, conta. “Somos bem informais.” Andar pelo set de Mad Men dá uma sensação levemente desconfortável – como se você tivesse acabado de sair de uma máquina do tempo que não está funcionando muito bem. Os detalhes de época são impecáveis: os telefones de disco com os números na base; os cigarros de ervas preparados manualmente que são réplicas perfeitas de Old Gold, L&M e Kent; as garrafas de uísque falso que Johnny Youngblood, assistente-chefe de acessórios, acabou de passar horas deixando no tom perfeito de marrom. Só que também há um quadro de avisos com uma lista de apostas para o Super Bowl e, entre cenas, todos falam ao celular. Lembre-se disso na próxima vez em que assistir a um episódio: Don Draper pode estar com um iPhone no bolso da calça.

Parte da reação das pessoas a Hamm está no fato de que ele é algo anacrônico, um adulto. Quando Mad Men estreou, a maioria dos astros de Hollywood era ou do tipo imaturo ou vilões do estilo canalha, como Bradley Cooper. “Era fascinante e misterioso nosso herói estar em um molde tão clássico”, afirma Weiner. “Pusemos um terno no Jon, cortamos o cabelo e ele deixou de ser um tipo de ‘namorado contemporâneo’ para se tornar uma espécie de Gregory Peck. Havia essa vibração emanando dele – a incorporação física da confiança. As pessoas viram autoridade, viram glamour. Estranhamente, muita gente enxergou os próprios pais.” Há uma história famosa – que Hamm acha ser fictícia – sobre Weiner ter declarado para a equipe após o primeiro teste de Hamm para o papel: “Este homem não foi criado pelos pais”. Supostamente, isso fazia dele a opção perfeita para o órfão Draper, cuja mãe morreu no parto e o pai alcoólatra foi morto pelo coice de um cavalo. Hamm também perdeu os pais cedo: a mãe morreu de câncer abdominal quando ele tinha 10 anos e o pai, de diabetes, uma década depois. Ele fez terapia e tomou antidepressivos por um tempo, mas acabou superando a tristeza com um estoicismo típico do Meio-Oeste norte-americano.

Weiner acha que representar Draper deu a Hamm uma vazão para questões que ele não teria abordado de outra forma. “Nenhum de nós foi atraído pelo show business porque era alguém seguro”, afirma. “A humildade de Jon não é algo afetado – é porque, no fundo, como qualquer pessoa nesta indústria, há muita insegurança e muita história que gostaria de reescrever. O fato de ele conseguir exorcizar seus demônios neste ambiente fictício, por mais doloroso que seja, é um dom. A correlação entre Jon e Don Draper é total – mas, para nossa sorte, está acontecendo em um palco com rede de segurança e podemos dizer ‘Corta’.” Não é de surpreender que Hamm discorde da análise. “Matt é incrivelmente intuitivo e é seu trabalho ser um observador da natureza humana”, diz, “mas nunca vi a atuação como uma terapia. Não é um exercício psicológico profundo. Não fico ali sentado pensando na minha mãe morta ou algo assim e ‘Ah, estou triste’. A não ser que todos estejam vendo alguma coisa que eu não enxergo.” Ele ri. “Só que, sinceramente, não acho que estou exorcizando demônios da mesma forma que Matt. Quer dizer – eu não escrevo a série.”

Algumas semanas depois, Hamm está no bar do bairro, vendo o St. Louis Blues jogar contra o L.A. Kings. Está de jeans e boina e pede garrafas de Budweiser a uma garçonete. Depois da segunda cerveja, pede uma porção de asas de frango – crocantes, não muito apimentadas. Hamm frequenta esse bar há cinco donos diferentes. Ninguém o incomoda, o que pode ser um motivo para gostar daqui. Os paparazzi sabem onde ele mora e às vezes o flagram com Jennifer enquanto caminham com a cadela ou saem para jantar. Ultimamente, os fotógrafos têm tirado muitas fotos com closes de sua, digamos, “masculinidade”, o que gerou barulho na internet. “É, estou sabendo disso”, ele diz, desanimado. “A maioria é de brincadeira, mas é um pouco grosseiro. Isso mostra uma liberdade mais ampla que as pessoas sentem ter – uma lascívia. Elas são chamadas de ‘partes íntimas’ por um motivo. Estou de calça, caramba, dá um tempo. Quer dizer, não é como se eu fosse mineiro, há trabalhos mais pesados no mundo, mas quando as pessoas se sentem na liberdade de criar sites de fotos sobre meu pau, sinto que isso não fazia parte do acordo.” Ele bebe outro gole de cerveja. “Deixa pra lá”, diz. “Acho que é melhor do que ser criticado pelo contrário disso.”

Há apenas mais uma temporada de Mad Men depois desta, e o elenco já está pensando no futuro. Quanto a Hamm, o consenso é o de que ele pode fazer basicamente o que quiser. Em meados deste ano, rodará um grande filme da Disney sobre beisebol – uma espécie de Moneyball na Índia, o primeiro dele como protagonista. Para ele, o modelo parece ser alguém como George Clooney, que também foi revelado como ator na TV quando já havia passado dos 30 anos. Hamm diz também gostar de Jeff Bridges: “Parece que ele faz tudo certo”. Em retrospectiva, a temporada passada de Mad Men foi uma espécie de alegoria para a própria série. Com a agência fazendo cada vez mais sucesso, o trabalho ameaçou envenenar a vida pessoal dos personagens. No final da temporada, Draper fez uma apresentação para alguns executivos da Dow Chemical que foi sedenta de sangue e cínica até para os padrões dele. “Vocês estão felizes porque são bem-sucedidos – por enquanto”, grunhiu. “Mas o que é felicidade? É aquele exato momento antes de você precisar de mais felicidade.”

“Jon poderia ter enlouquecido com o que aconteceu com ele”, afirma Weiner. “Com certeza existe um pouco de sofrimento junto com o sucesso, e colocamos isso no programa. O sucesso é algo solitário. Sua luta terminou, mas você não confia nisso. Quer comer com as duas mãos. É claro que o Jon nunca fez o que o Don fez, mas sentiu isso, sim.”

No bar, “I Got You Babe” toca na jukebox – e lembro de perguntar sobre a esposa dele, Jennifer. Na hora, Hamm olha para cima. “Falando no diabo, olha quem está chegando”, diz. Como se fosse mágica, Jennifer entra, elegante, e se senta na banqueta ao lado. Ela se inclina e beija Hamm na bochecha. Ele continua, afirmando que tenta não levar Don Draper para casa, “mas isso afeta a mente”. “Lembro que conversei com [o ator] James Gandolfini sobre o final de Família Soprano, e como ele estava emocionalmente esgotado. É difícil ser tão terrível por tanto tempo.” Além disso, como Gandolfini, Hamm está consciente do fato de que, quando se representa um personagem tão icônico, que ressoa tão profundamente na psique norte-americana, pode ser difícil abandoná-lo. “É por isso que abordo minha carreira como um afastamento constante de Don Draper. O mulherengo, o cafajeste – já vimos isso tudo. Não preciso ser esse homem.”

“Ele é muito versátil!”, diz Jennifer. “Um ator cômico brilhante.” Ela faz carinho nas costas de Hamm. Eles têm um jantar, então Hamm pede licença para ir ao banheiro. Jennifer aproveita para falar sobre ele. Depois de 15 anos, sente que o conhece muito bem – mas entende que outras pessoas talvez não. “Há algo de antiquado nele”, diz. “As pessoas mais próximas dele sempre foram as mesmas. Ele as conheceu na escola e acho isso encantador. Não sei se tenho algum segredo para você.” Acrescenta: “Não há segredos”.

Nesse momento, Hamm volta do banheiro e diz, sorrindo: “Ah, existem segredos sim, mas vão continuar secretos”. Ele coloca a boina, segura a mão de Jennifer e os dois vão embora.