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Psicodelia Revista

Com disco/show ao vivo e relançamentos, Alceu Valença retoma período mais desafiador da carreira

Lucas Brêda Publicado em 31/12/2016, às 11h11

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<b>Hoje e Ontem</b><br>
Alceu em 2016 e em 1976, com o mesmo paletó - Antonio Melcop
<b>Hoje e Ontem</b><br> Alceu em 2016 e em 1976, com o mesmo paletó - Antonio Melcop

"A cagada foi usar o mesmo paletó da época e ele ter cabido perfeitamente”, brinca Alceu Valença, referindo-se ao blazer que ele vestiu tanto no show Vivo! (registrado no disco homônimo de 1976) quanto no remake Vivo! Revivo!, lançado em áudio e vídeo pela gravadora Deck agora, 40 anos depois. Espécie de versão ampliada de Vivo! – obra mais lisérgica da carreira do pernambucano –, o novo álbum/filme encabeça o relançamento da “trilogia psicodélica” do artista, constituída também por Molhado de Suor (1974), primeiro álbum solo dele, e Espelho Cristalino (1977).

Ganhando notoriedade com Molhado de Suor, que teve a música “Borboleta” na trilha da novela Saramandaia (1975) e “Papagaio do Futuro” em clipe no Fantástico, Alceu foi chamado para participar do festival Abertura, no Theatro Municipal de São Paulo, no que foi uma espécie de embrião para Vivo! Acabou reunindo como banda de apoio um verdadeiro time dos sonhos da psicodelia pernambucana daquela década. Na linha de frente: Alceu, Lula Côrtes e Zé Ramalho.

Atrás deles, o percussionista Dicinho, o flautista Zé da Flauta e os melhores instrumentistas do Ave Sangria (grupo ícone da psicodelia nacional, então esfacelado pela censura e abafamento do recém-lançado primeiro e único álbum): o gênio da guitarra Ivinho, o baterista Israel Semente Proibida, o percussionista Agrício Noya e o guitarrista Paulo Rafael, na ocasião como baixista.

O encontro pontual dos músicos rendeu a performance de “Vou Danado pra Catende” (facilmente encontrada no YouTube), ápice da psicodelia de Alceu, mas a troca criativa foi pouca. “Eu nunca tive grupo.

A minha sonoridade é minha, até as coisas de orquestra são minhas. Montava as bandas para as ocasiões e depois ‘tchau’”, conta. “Inclusive, eles tiveram dificuldade, porque não conseguiam entender a linguagem da terra deles, a música nordestina.”

De fato, apesar de carregar o som de raiz do Nordeste, a maioria daqueles músicos fora educada pela onda do rock estrangeiro, de Beatles, Janis Joplin e Jimi Hendrix. Alceu, por sua vez, distancia-se de paralelos com esse universo. “Eu tinha relação com a música ibérica, mas sem nunca ter ouvido Beatles. Também não tinha relação com tropicalismo, porra nenhuma.”

Em 1975, o show Vivo! já havia rodado o Nordeste quando estourou no Rio de Janeiro. “Eu fui para a rua, botei um papelão e um megafone, a imprensa veio atrás, uma loucura”, lembra. “Quando chegamos a São Paulo, fodemo-nos. Não pegou muito.” A curta existência do espetáculo foi sufi ciente para render a obra mais intensa e amalucada da carreira de Alceu. “Não tinha improvisação, era tudo loucura mesmo”, ri sobre Vivo! “Era tudo sobre um arranjo ensaiado, [mas] óbvio que eu mudava umas palavras, havia os solos e uma espontaneidade.” Com músicas fundidas a pirações teatrais, Vivo! pintava com agressividade as bases da cultura popular nordestina, dos pífanos à literatura de cordel. Alceu prefere o termo “um rock que não era rock”.

A última obra de Alceu nos anos 1970 foi Espelho Cristalino, o mais polido da trilogia. “Estávamos em um [equipado] estúdio, uma coisa mais bem trabalhada”, recorda. “O cara botava uma guitarra e depois: ‘Bora botar outra?’ Colocava uma flauta aqui, outra coisa ali.” A abordagem sintética, inclusive, gerou a saída do produtor Guto Graça Melo durante a mixagem. “Queriam botar um negócio na minha voz que ia deixar parecida com a de John Lennon”, conta. “Eu: ‘De jeito nenhum! Não sou Lennon!’ Na hora, ele disse: ‘Então, termine sozinho’.”

Além de encerrar a trilogia psicodélica, o álbum deu fim à parceria do músico com a Som Livre. Depois de um mal-entendido com Paulo Coelho, o pernambucano acabou taxado de “maldito”, foi morar (ao lado do guitarrista Paulo Rafael, que o acompanha até hoje) em Paris e gravou Saudade de Pernambuco (1979), álbum que até este mês jamais havia sido lançado nacionalmente.

“Aquilo era uma saudade cruel que eu tinha daqui”, admite Alceu, comentando o trabalho, espécie de “volta às raízes”, cuja feitura representou uma transição criativa na carreira dele. Coração Bobo, álbum seguinte, sairia em 1980, elevando o alcance do artista, com mais de 250 mil cópias vendidas. A importância de Alceu Valença só cresceu, mas desde que Espelho Cristalino foi recebido com frieza pela Som Livre – que adiou mais de duas vezes seu lançamento – o pernambucano nunca desafiou tanto nossos ouvidos.