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Edson Cordeiro, Marina Lima, Mariana Aydar e muitos outros levaram o melhor da música para o festival

Festival de Inverno de Garanhuns teve shows superlativos para espantar a chuva e o frio

Por Antônio do Amaral Rocha, de Garanhuns, Pernambuco Publicado em 05/08/2017, às 19h57 - Atualizado em 10/08/2017, às 13h27

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Fernanda Abreu no FIG 2017 - Elimar Caranguejo/Secult-PE
Fernanda Abreu no FIG 2017 - Elimar Caranguejo/Secult-PE

Já é tradição: durante dez dias, sempre no fim de julho, as atenções do mundo cultural brasileiro se voltam para Garanhuns, cidade do agreste pernambucano. É nessa época que acontece no município o Festival de Inverno de Garanhuns, que este ano realizou sua 27ª edição. É só chegar lá e olhar em volta: a cultura pulsa em todas as suas formas, começando pela música, mas também enveredando pela literatura, cinema, teatro, circo, dança, artes plásticas, artesanato e gastronomia, com 90% dos projetos e shows apresentados (cerca de 500) escolhidos por meio de edital público.

As atrações se dividiram em oito espaços: Palco Mestre Dominguinhos, Palco de Cultura Popular Ariano Suassuna, Palco Pop, Som na Rural, Palco Instrumental, Palco Forró e Palco Mamulengos e Pontos de Cultura.

A abertura oficial aconteceu na quinta, 20, com show de Isadora Melo no Teatro Luiz Souto Dourado, mas a maratona de atividades começou mesmo na sexta, 21, no Palco Mestre Dominguinhos, com shows de Amanda Black, Mundo Livre, Geraldo Azevedo e, ainda, um grande tributo a Belchior que teve participação de Ednardo, Angela Ro Ro, Lira, Cida Moreira, Tulipa Ruiz, Izaar, Fernando Catatau, Juvenil Silva, Renata Arruda e Gabi da Pele Preta. Os arranjos e a direção musical foram assinados por Juliano Holanda, músico dos mais criativos e dos mais solicitados da cena contemporânea de Pernambuco. Holanda também tocou nas performances de Isadora Melo, Jr. Black, Almério e Flaira Ferro.

Todos os dias, a partir de 20h, começava uma verdadeira romaria. As pessoas deixavam os palcos alternativos e migravam para o principal, o Mestre Dominguinhos. Só no primeiro dia por exemplo, ele recebeu cerca de 30 mil pessoas, que foram ver o rabequeiro Maciel Salu e as cantoras Alice Caymmi e Baby do Brasil. No domingo, 23, o destaque foi todo de Zeca Pagodinho, que substituiu Tom Zé, anteriormente escalado. Tom Zé alegou estar muito cansado para fazer longas viagens de carro (são quase 4 horas entre Recife a Garanhuns), mas lamentou não estar presente.

O MPB4 fechou a noite da segunda-feira, 24 no Palco Mestre Dominguinhos, que antes recebeu Still Living, Herbert Lucena e Cantoria Agreste. Mesmo sendo um dia “ingrato”, no início da semana, o local recebeu 20 mil pessoas. Na mesma data, no Palco Som na Rural, o Francisco, El Hombre, trouxe um discurso libertário, contra todas as formas de fascismo atuais. Lucas Santtana, Banda Eddie e BaianaSystem abrilhantaram a noite do dia 25, terça-feira, no Palco Mestre Dominguinhos, e Curumim fechou a programação do Palco Pop.

Leia a seguir como foram alguns dos melhores momentos do FIG 2017.

Quarta, 26

A cantora, compositora e cineasta Ava Rocha levou ao Palco Pop o repertório dos seus dois discos, Diurno (2011) e Ava Patrya Yndia Yracema (2015). Ela fechou o performático show com “Canoa, Canoa”, de Milton Nascimento, que traz na letra referência ao nome dela. Logo em seguida, o ainda desconhecido Não Recomendados, trio performático e travestido formado por Caio Prado, Daniel Chaudon e Diego Morais (mais banda de apoio), fez uma espécie de espetáculo de cabaré, algo transgressor que lembrou a trupe Dzi Croquettes. As letras carregam mensagens contra a homofobia e fere de morte o machismo brasileiro. O presidente Michel Temer foi lembrado intensamente, de maneira cada vez mais negativa, ao longo da apresentação, que foi vista por cerca de 10 mil pessoas.

A 200 metros dali estava o Palco Som na Rural. Foi para lá que parte desse público se deslocou quando estava prestes a começar a performance estonteante de Edmilson do Pífano. Ouvir e assistir o que Edmilson faz ao pífano é de deixar qualquer jazzista de queixo caído. No melhor estilo procissão, depois de Edmilson, o público se movimentou debaixo de garoa (a chuva e o frio não deram trégua) para o Palco Mestre Dominguinhos, onde acontecia a noite dedicada à música paraense, carimbó e ritmos regionais. Belinha Lisboa, Arthur Espíndola, Lia Sophia e Pinduca mostraram seus trabalhos antes do encerramento com Fafá de Belém, que fez um show “brega” de alta qualidade, a partir do disco Do Tamanho Certo para o meu Sorriso, mais outros sucessos da carreira. Apesar de Fafá ter sido prejudicada pela ausência da sua banda titular, ela conseguiu se sair bem com um time de músicos que ensaiaram “via internet”. Dois guitarristas craques reunidos às pressas, Igor Capela e Davi Amorim deram conta do recado. Outro imprevisto: chovia tanto que Fafá cantou protegida por guarda-chuva, mas pelo menos isso gerou belas cenas, para alegria dos fotógrafos (vide galeria de fotos).

Quinta, 27

A partir desse dia, a festa passou a se mostrar interessante no Palco Pop, que teve show de uma veterana banda dos circuitos punks e alternativos de Pernambuco, a Devotos (ex-do Ódio). Com um punk rock fiel aos anos 1990 e, em certos momentos, um hardcore melódico, eles continuam com grande aceitação com o público pernambucano. Neste show, comemoraram vinte anos do lançamento do primeiro disco, Agora Tá Valendo. Logo em seguida, no Palco Som na Rural, a 200 metros dali, também debaixo de chuva, aconteceu o show do quarteto potiguar Camarones Orquestra Guitarrística, que faz um rock instrumental urgente, rápido, sem firulas e rodeios. Por mais que se tente venerar os marmanjos, quem brilha nessa banda é a baixista Ana Morena, com suas belas cabeleiras esvoaçantes.

Mais uma vez o público se deslocou para o palco principal para se juntar às 40 mil pessoas que lá já estavam para acompanhar o show de Lucy Alves, da Paraíba, que também é atriz (interpretou Luzia na novela Velho Chico), compositora e multi-instrumentista, com destaque para a sanfona. Lucy fez um show de forró pop eletrificado muito bem aceito. Nos bastidores, declarou: “Pernambuco me abraça, foi bonito ver essas pessoas debaixo de chuva, cantando comigo. Esse é o melhor retorno para o artista”.

Encerrando as atividades dessa noite, Chico César trouxe o festejado Estado de Poesia. Chico pode ser considerado um veterano do FIG. Na edição de 2013 fez uma participação no show da Orquestra Santa Massa e, no começo da carreira, em 1996, fez o show do disco Cuzcuz Clã. Este ano, o artista não se limitou ao disco mais recente e escolheu temas de toda a discografia, como “À Primeira Vista” e “Mama África”. Quando cantou “Brilho de Beleza” (de Negro Tenga), mudou a letra, lembrando de Chico Science: “Quando Chico Science morreu foi aquele chororô”. Sempre muito político em cima do palco, César teve que parar diversas vezes para acompanhar o coro de “Fora Temer”, mas nos bastidores ele disse lamentar que esse coro só apareça em plateias de shows. “O protesto deveria estar presente em todos os lugares, como nas filas de ônibus, porque é insuportável que este vampiro esteja no poder”, afirmou.

Sexta, 28

A Catedral de Santo Antônio ficou lotada, com todos os bancos ocupados e gente sentada no chão e nas escadarias, para o concerto de Edson Cordeiro com a Orquestra Jovem de Pernambuco, dirigida pelo maestro Rafael Garcia. Esse grande público deve ter causado uma ponta de inveja ao pároco da igreja. Edson cantou árias de óperas famosas, como “Dom Giovanni” e “Cavalleria Rusticana”, integrando o Programa Virtuosi na Serra, que faz parte da pauta do FIG. Essa grande aceitação deve fazer os produtores avaliarem novamente o espaço dedicado à música erudita e estender a programação para outras igrejas, a exemplo do que faz o Mimo - Mostra Internacional de Música de Olinda (que atualmente vem sendo realizada em Amarante, Portugal por falta de financiamento no Brasil).

Naquela noite, o Palco Pop recebeu o pernambucano (hoje residente no Rio de Janeiro) Tibério Azul, que veio acompanhado de uma super banda, com teclados, guitarras, bateria e baixo e reforçada por um naipe de metais (trompete, trombone e sax). Tibério cantou temas do seu primeiro disco, Bandarra (2011), do mais recente, Líquido (2017), e ainda lançou um livro, que faz parte do projeto Líquido ou o Homem que Nasceu Amanhã. Tibério já é considerado um veterano no FIG e o público demonstrou intimidade com o repertório.

O esperado show de Mariana Aydar começou com ela entrando em cena acompanhada de um quarteto típico do forró, gênero que dominaria a apresentação dela: Léo Rodrigues (percussão), Elton Moraes (triângulo), Cosme Vieira (sanfona) e Feeh Silva (zabumba), todos muito jovens. Durante pouco mais de uma hora, Mariana cantou repertório de forró e xotes já testados em shows do São João nordestino, como “Lamento Sertanejo”, “Gostoso Demais”, “O Homem de Perna de Pau”, “Forró do Xenhenhém”, “Feira de Mangaio”, “Xaxado”, “Tenho Sede”, entre outras. Cantou também uma música própria e ainda inédita que homenageia Dominguinhos, “Vem Domingar”, e pediu ajuda do público para o coro, que diz “todos os dias tem gente querendo domingar”. Notava-se um burburinho entre os auxiliares de palco, tentando avisar Mariana de que o show deveria acabar, mas ela ignorou e chamou o cantor Almério, a nova sensação da música pernambucana, e eles cantaram “São João do Carneirinho”, do repertório do convidado, e “Frevo-Mulher”. Ela terminou com a palavra de ordem “Fora Temer”, desceu para os bastidores e dali saiu para se divertir no Palco Mestre Dominguinhos. No trajeto, confessou que estava preocupada com o formato do show, mas a receptividade foi muito mais do que poderia esperar.

Chegando ao espaço principal do evento, lá estava a sambista baiana Mariene de Castro. Mariene tem personalidade forte e sabe como ninguém interpretar os sambas de roda, os pontos de candomblé, a ligação com os orixás. Vestida de branco (afinal, era uma sexta-feira, dia de respeito aos santos), cantou “Vi Mamãe na Areia”, “Iansã cadê Ogum?”, “Cordeiro de Nanã” e “Mamãe Oxum”, entre tantas. A cantora fez de seu show uma oração e essa é a ideia que ela quer passar.

Mart’nália fez o último show da noite já avançando pela madrugada. Entrou cantando “Você Abusou” (Antonio Carlos e Jocafi) e foi recebida sem muito entusiasmo pelo público, talvez pela energia despendida no show anterior, de Mariene de Castro. Em vez de um show de samba, como era de se esperar, a cantora fez algo mais voltado para a MPB e incluiu no repertório canções de Caetano Veloso, como “Tempo de Estio”, “Odara” e “Pé do meu Samba”, além de “Linha do Equador” (Djavan). Mart’nália assumiu a malandragem e a malemolência carioca no palco e tocou cavaquinho, afoxé e até dedilhou guitarra.

Sábado, 29

A ocasião marcou o encerramento da maratona de dez dias de shows. No Palco Pop, Marina Lima fez um aguardado show acompanhada do duo Strobo, banda de Belém formada por Artur Kuntz, (bateria e programações) e Leo Chermont (guitarra). Marina repassou o repertório da longa carreira cantando “Setembro”, “Paris-Dakar”, “Charme do Mundo”, “Ainda é Cedo”, “Pra Começar”, “Mesmo que Seja Eu” e “Não Sei Dançar”. Sozinha, ao violão, fez “Pessoa” e “O Chamado”. Em seguida, a banda executou o instrumental “Cracolândia” e Marina voltou com “Fullgás”, acompanhada de um coro animado. Depois fez “À Francesa” e “Vingativa”, e revelou que estavam pedindo para encerrar. A bateria introduziu a marcação de “Uma Noite e Meia” e Marina logo interrompeu, falando algo que poucos ouviram: “Bebeu, fumou, tá maluco?”, sinalizando um erro. Recomeçaram e Marina terminou ovacionada pelas 10 mil pessoas que ocupavam a praça.

No espaço do Palco Mestre Dominguinhos, com a maior lotação de todo o festival (60 mil pessoas nessa noite), aconteceram os shows de Andrea Amorim, Jr. Black, Spok Frevo Orquestra e o cantor e produtor carioca Zé Ricardo, que trouxe um repertório de covers especialmente calcado na black music de Tim Maia – “Não Quero Dinheiro”, Cultura Racional, “Acenda o Farol”, entre elas – além de “Azul” (Djavan), “Let’s Say Togheter” (Al Green), “Como é Grande o meu Amor por Você” (Roberto Carlos), “Dançando com a Vida”, com a participação de Almério, e “Olhos Coloridos”, com a participação da cantora Edilza, que substituiu Sandra de Sá no line-up. Foi um verdadeiro baile black apoiado pela afiada banda formada por Wallace Santos (bateria), Maurício Piassarollo (teclados), Claudio Costa (guitarra), Marcelo Linares (baixo, um monstro), Vander Luís e Sandro Guimarães (sopros).

Mas a festa tinha que acabar, e acabou da melhor forma possível, com o profissionalíssimo show da “senhora sangue bom” Fernanda Abreu, que lançou disco, o solar Amor Geral (2016), depois de uma década ausente do mercado. A cantora mesclou o repertório com temas de seu cancioneiro como “Garota, Sangue Bom”, “Rio 40 Graus”, “Kátia Flávia”, “Veneno da Lata”, “Baile da Pesada”, funks revisitados com roupagens eletrônicas, além de “De Noite na Cama” (Caetano Veloso), “Outro Sim” e “Amor Geral”, entre outras do novo trabalho. No bis, Fernanda fez uma homenagem à música negra brasileira, citando Jair Rodrigues, Tony Tornado, Gerson King Combo, e cantando trechos de hits conhecidos como “o morro não tem vez”, “se ela dança, eu danço”, “Maria sapatão”, “me dá um dinheiro aí”. Empolgada, convidou a plateia para subir e dançar no extensivo do palco e, sob chuva, deu-se esse final catártico.

Plataforma FIG

Com curadoria de Priscila Melo e Heloisa Aidar Pripas, uma série de debates fez parte desta edição do FIG, repetindo a experiência vitoriosa do Festival Maloca Dragão, realizado em Fortaleza este ano. A proposya era de promover discussões de interesse dos artistas, programadores e produtores. Os debates aconteceram no auditório Monte Sinai, no Hotel Garanhuns Palace, a partir do dia 26, quarta-feira. A primeira, “A importância dos festivais pernambucanos na cena independente da música nacional”, teve mediação de Melina Hickson (Porto Musical), além dos convidados Paulo Andre Moraes (Abril Pro Rock), Antonio Gutierrez (Rec Beat) e Jarmeson de Lima (Coquetel Molotov).

A segunda mesa, realizada na quinta, 27, reuniu Rafael Cortes (Assustados Discos) na mediação e os convidados Heloisa Aidar Pripas (Pommelo, Brisa Sons+Ideias), Fabio Silveira (Alfafonte) e Pablo Rocha (Noize Record Club) para conversar sobre o tema “Chegamos no digital consumindo mais vinil”. Discutiu-se o crescimento do mercado de vinis, tanto internamente como nos Estados Unidos e Europa, e a falta de estrutura da sucateada indústria nacional para atender essa demanda (acarretando no aumento do preço do produto final). O mediador lembrou que, “apesar do aumento da procura e demanda, ainda se ouve os vinis novos em equipamentos antigos e quase obsoletos, da década de 1990”.

A terceira e última mesa da Plataforma reuniu, sob a mediação de Fabrício Nobre (Bananada), os convidados Paola Wescher (Popload), Zé Ricardo (curador do palco Sunset do Rock in Rio) e Márcio Caetano (Dragão do Mar) para discutir o tema “Circuito de festivais, como fazer parte”. A mesa era formada por curadores experientes e todos deram declarações a respeito de como as bandas e artistas devem se posicionar para ganhar visibilidade. Zé Ricardo afirmou que para ser programado no Rock in Rio não basta mandar um bom material, é preciso que o artista/banda já tenha alguma visibilidade nas redes sociais. Marcio Caetano contou sobre a experiência vitoriosa dos métodos de programação por meio de editais adotado pelo Maloca Dragão. Paola Wescher, que promove eventos com muitas atrações internacionais, falou das dificuldades de realizar festivais em época de crise. O destaque desta mesa foi o mediador Fabrício Nobre, um provocador sempre bem-humorado. Este foi o debate que mais gerou interesse.

*A reportagem viajou a convite da produção do festival