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Ainda sujos depois de todos esses anos...

O que é possível fazer depois de incendiar o mundo? No 30º aniversário de Never Mind the Bollocks, os Sex Pistols continuam... tentando encontrar essa resposta

Por John Leland Publicado em 22/09/2008, às 19h39

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Os Sex Pistols (da esquerda para a direita): Johnny Rotten, Glen Matlock, Paul Cook e Steve Jones - HULTON DEUTSCH COLLECTION/CORBIS
Os Sex Pistols (da esquerda para a direita): Johnny Rotten, Glen Matlock, Paul Cook e Steve Jones - HULTON DEUTSCH COLLECTION/CORBIS

Em uma tarde quente de fevereiro de 2006, John Lydon estava em um restaurante de praia perto de sua casa, em Los Angeles, e começou a cantarolar uma musiquinha feliz. Tinha acabado de completar 50 anos, estava com uma jaqueta de vinil quadriculada, um chapéu de palha, tênis com estampa xadrez, meias com a bandeira da Inglaterra e um sorriso exagerado que parecia ao mesmo tempo fácil e acanhado.

Este ano marca o 30º aniversário do álbum de estréia dos Sex Pistols, Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols, mas nesta ocasião a garganta de Lydon estava engasgada devido a outro marco, a introdução de sua banda no Rock'n'roll Hall of Fame (eles não compareceram à cerimônia). Ele estava falando sobre o humor dos Sex Pistols que, segundo sua opinião, não existiu em ninguém que veio depois. "Somos uma instituição", disse, melhorando de ânimo. "Por acaso seu chiclete perde o gosto do dia para a noite?"

Perguntei qual era o objetivo estabelecido pelos Sex Pistols em 1975. "Ataque. Nenhuma recriminação, nenhuma estratégia defensiva", e continua, "Acho que trouxe uma honestidade descalça à música que não existia lá antes. Tinha a ver com a complacência: 'Não sei qual é meu lugar e também ninguém vai me dizer qual é. Descubro isso sozinho, não me contento em ser um trabalhador escravo, tenho cérebro'. Mas, na verdade, continuava cavando merda". Lydon pareceu ter ficado satisfeito com o último jogo de palavras.

Uma jovem na calçada pediu um cigarro e ele mandou: "Não, vá comprar o seu", antes de aproveitar a ocasião de se dirigir a uma abelha que aparentemente estava em seu chapéu de palha. "Não gosto dessa garotada que consegue as coisas pedindo. Isso é abuso." Foi mais uma tirada de uma tarde cheia de frases de efeito amáveis e de trocadilhos sobre o Green Day, o Hall of Fame, a Virgin Records, Courtney Love, Malcolm McLaren, calças boca-de-sino, operações plásticas, escola católica, Ramones, cada uma delas trazendo um certo ar de familiaridade naquela brisa benigna do Pacífico. "É uma instalação", disse a respeito do Hall of Fame. "É o que se faz com canos de aquecimento central, a gente os instala. É a indústria da música perpetuando a roupa de pingüim e a gravata-borboleta. E isso é inaceitável. Não é uma forma livre. Somos nós contra eles, e nós vamos vencer. Nós, os Estados Unidos."

"Você é um moralista", eu disse. Ele pareceu ofendido, mas só por um piscar de olhos. "Faço isso porque tenho valores. Anos atrás teria usado a palavra 'moral', mas a teria empregado mal. A 'moral' tem como base a religião, e eu, com toda a certeza, não quero ter nada a ver com isso."

A história dos Sex Pistols começa de verdade no fim, no dia 14 de janeiro de 1978, no Winterland Ballroom, em São Francisco. Sid Vicious, o baixista, tinha se rebaixado ao papel de emergência ambulante, com a súplica gimme a fix (me dá uma dose) no peito nu e uma noção cada vez mais dura a respeito de seu destino como membro dos Sex Pistols. "Quero ser igual ao Iggy Pop e morrer antes dos 30", ele profetizara no início da turnê. E apesar de Iggy continuar entre nós, Sid se foi em menos de um ano depois dessa declaração devido a uma overdose de heroína que, acredita-se, tenha recebido de sua mãe. Steve Jones, o guitarrista, estava cansado da inutilidade e do desdém descarado de Lydon. E John Lydon, àquela altura, já desprezava o empresário, a banda e o estado das coisas. "Não gosto de rock, não sei por que entrei nessa", declarou a um entrevistador de rádio naquela tarde. "Só quero destruir tudo." E o empresário deles, Malcolm McLaren, estava cheio da rotina cada vez mais inflexível dos Pistols. "Quando a gente planeja essas coisas, fica achando que é senhor do próprio destino", disparou posteriormente. "Mas, no final das contas, está criando um Frankenstein que vai acabar saindo do seu controle."

Incapaz de se escutar em cima do palco, Lydon ficava encarando o público, meio afetado, meio anticristo. Apesar de não saber na época, aquele seria seu último dia como Rotten durante anos a fio, porque McLaren deteve os direitos sobre o nome durante um bom período. Em outras palavras, os Sex Pistols estavam sendo os Sex Pistols, e aquilo estava desabando sobre suas cabeças, com a mesma clareza das últimas palavras de Rotten: "Você já se sentiu como se tivesse sido traído?"

Em sua existência pública de 26 meses, os Sex Pistols conseguiram fazer um álbum, um punhado de singles, algumas dúzias de apresentações em clubes, uma aparição na TV levemente profana, várias prisões, duas demissões de gravadoras, algumas proibições locais apressadas e uma dança da moda (o "pogo", inventado por Sid). Quando estavam apavorando o público inglês, três integrantes moravam com a mãe e um ficava em um espaço para ensaios (sem água quente) porque eles não tinham dinheiro para morar em um lugar decente. Rotten escreveu "God Save the Queen", a música mais notória da banda, na mesa da cozinha dos pais, enquanto esperava seus feijões de café da manhã. Os shows em que tocaram melhor atraíram umas duas centenas de pessoas ou menos e, até mesmo na última apresentação, na cavernosa Winterland, dividiram entre si US$ 67. Acabaram antes que qualquer um deles completasse 23 anos.

Ninguém jamais conseguiu destruir mais com menos. Mas foram os Pistols que exalaram a promessa virulenta de que os elementos do punk representavam algo mais: a rejeição não apenas ao trabalho e às regras, mas às rebeliões da geração anterior, que na época estavam voltando como uma nova indústria de prazer. "Odeio merda", Rotten disse na primeira entrevista da banda, apenas quatro meses depois da primeira apresentação. "Odeio hippies e o que eles representam. Odeio cabelo comprido. Odeio bandas de bar. Quero que as pessoas que nos assistem comecem alguma coisa, não fiquem só perdendo tempo." Ele não tinha como saber que sua provocação de fato iria longe. Quando um locutor da TV britânica alertou os espectadores que "o punk rock, para muita gente, é uma ameaça ao nosso modo de vida maior do que o comunismo russo ou a hiperinflação", até mesmo o kitsch se revelou profético. Em 1991, 13 anos depois do fim dos Pistols, visitantes da Budapeste comunista teriam visto o grafite "Sid Vicious!" na praça Vörösmarty, uma nova cultura jovem reclamando sua identidade por meio da linguagem mais nova que conhecia.

Em um café em west hollywood, o guitarrista Steve Jones deu sua própria versão do significado dos Sex Pistols. Estávamos no meio da tarde, e ele tinha acabado de terminar seu programa de rádio diário, Jonesy's Jukebox, com a participação especial de Slash, do Guns n' Roses. Jones estava usando uma camiseta preta com o símbolo da anarquia, tinha olhos cansados e lamentava-se um pouco por não estar conseguindo seguir sua decisão de tomar menos café. "Você acha que vai ser ridículo se formos lá?", perguntou, em relação ao Rock'n' roll Hall of Fame. "Acho que seria bom se fôssemos lá e tocássemos. Essa seria a coisa mais punk a se fazer. Simplesmente deixar a trapaça seguir em frente. Acho que desprezar não é uma atitude punk. Parece aquela mentalidade de 20, 30 anos atrás. Estou totalmente dentro da idéia de ganhar dinheiro. Vender-se? Nós nos vendemos há anos, quando assinamos com a Warner Bros. Quero ganhar grana, a gente nunca ganhou nada. O Green Day, por exemplo, já ganhou milhões de dólares." E emenda: "Detesto fazer parte dos Sex Pistols. Agora só quero ter uma vida normal. Nunca é assim. É igual a uma família disfuncional. É a mesma merda que acontece com qualquer outra banda. Só que um monte de bandas diz que não faz essas coisas".

Para Jones, os Pistols surgiram dos anseios antiquados do rock nascidos a partir de opções limitadas e da fuga oferecida pelo crime. "Com toda a certeza, não me sentia querido quando era criança", ele diz no documentário O Lixo e a Fúria (2000), de Julien Temple, um dos diversos momentos em que o caos dramatizado da banda dá lugar à revelação dos verdadeiros danos da infância por trás daquilo. "Realmente repeti de ano por ser burro demais." Por isso, ele destacou-se no crime ou pelo menos perseverou. Roubava roupas de lojas onde ídolos como Rod Stewart ou Bryan Ferry faziam compras e passou a roubar diretamente dos astros: um casaco de pele da casa de Ron Wood, roupas e uma TV de Keith Richards, duas guitarras de Rod Stewart, um amplificador de um show do David Bowie e partes de bateria, microfones e outros equipamentos sortidos. No começo, só queria fazer parte da ação. "Foi minha iniciação musical. Só queria me envolver com a música, só isso. Aquela era a única maneira que conhecia de fazê-lo, roubando equipamento. E roupas."

Uma das lojas que ele assaltou ficava em Kings Road - era gerenciada por McLaren e sua sócia, Vivienne Westwood - e tinha um jukebox e um sofá onde as pessoas podiam ficar sem fazer nada. A "Sex", como a loja logo passou a se chamar, era destino certo de astros do rock preocupados com o estilo e ponto de encontro de jovens que não se encaixavam nos padrões na Londres de meados dos anos 70. Os modelos de Westwood, que incluíam acessórios fetichistas e suásticas, prenunciaram algumas das contradições posteriormente exploradas pelos Sex Pistols: zombaram do consumismo e do materialismo ao mesmo tempo em que adotaram a forma mais pura do materialismo, o fetiche. Quando Jones e Cook começaram a tocar os instrumentos roubados, pediram a McLaren que fosse seu empresário, apesar de sua experiência limitada como manager dos New York Dolls - ele os fez usar couro vermelho e insígnias comunistas - ter sido um desastre. "Eu, com certeza, não queria ser empresário deles", McLaren diria posteriormente. "Tinha mais a ver com evitar que Steve Jones roubasse da loja." McLaren, nascido em 1946, era estudante do rock dos anos 50 e do movimento dândi dos Teddy Boys britânicos, assim chamados devido ao revival que promoveram da moda edwardiana. Para os últimos anos esfarrapados da década de 1960, ele trouxe seu intelecto rápido como um raio que combinava teoria pop, modo de agir travesso e visões de capitalismo moderninho. Ele adorava um slogan que gruda na cabeça e a promessa de calamidade. "A idéia dos Sex Pistols", ele explica, "era uma extensão da 'Sex'." "Eu vendia máscaras de borracha e as prendia em um jukebox que tocava de Muddy Waters a Iggy Pop", lembrou, ao telefone, de seu escritório em Paris. "Isso realmente era uma idéia anterior ao Sex Pistols. E a banda simplesmente forneceu uma plataforma para que essa atitude pudesse ser vista na mídia. Dessa maneira, forcei, manipulei e criei os Sex Pistols e, ao fazê-lo, suponho que esperava que eles se transformassem em atrações fatais, em pessoas perigosas de se conhecer. Gostava da idéia de que tocariam para sempre como se estivessem a ponto de desabar para o caos e para o desastre. E pensei, uma vez que você é mordido por esse desastre, fica duas vezes mais animado." Diferentemente de Lydon, McLaren é um criador de mitos. "Não enxergava os Sex Pistols como um grupo", disse. "A gente só os via como uma idéia constante, em movimento. Eles eram reais, mas continuavam sendo uma idéia e foram usados como uma idéia."

A história dos sex pistols começa no fim porque suas origens são contestadas há três décadas. É uma das discussões persistentes sobre a banda, motivo de processos, acusações e alegações sem fundamento. De onde eles vieram? Será que a banda era de McLaren ou de Rotten? Uma projeção da máquina de bobagens cativante e abertamente manipuladora que operava por trás de uma cortina do Mágico de Oz ou uma máquina de bobagens igualmente cativante que teve seu início atrás do microfone? A batalha pelo controle fazia parte do show - e isso estava bem explícito. Já no início, Rotten insultava McLaren do palco: "Me arruma uma cerveja, Malcolm, seu veado", e McLaren respondia: "Vai se foder, pega sozinho".

Três décadas depois, Lydon continua nessa batalha. "Se você quiser saber quem fez o quê com os Sex Pistols, pergunte aos Sex Pistols", disse, olhando para um ponto qualquer no meio dos transeuntes em Marina del Rey, Califórnia. Depois que a banda se desfez, Lydon passou oito anos tentando receber dinheiro de McLaren e seu tom demonstra exatamente o amargor do desfecho. Certa vez, declarou na televisão que queria ver McLaren morto. "Faço isso só pelo humor e mais nada. Realmente, não teria como desperdiçar qualquer esforço com ele. Fico feliz por ele estar vivo. Não desejo que ninguém morra." A respeito da contribuição de McLaren à banda, explica: "Malcolm teve uma espécie de surto de percepção tardia e começou a dizer que tinha sido tudo uma criação do gênio dele, mas não foi, de jeito nenhum. Realmente, foi algo além do nosso controle".

Mas, como uma das marcas registradas do punk é sempre aumentar sua própria história, McLaren aumentou seu conto da maneira mais envolvente e prolífica do que a maioria. Sua falta de modéstia é animadora. "Queria simplesmente destruir a indústria da música", disse antes da cerimônia do Hall of Fame. "Porque essa era a maneira que tínhamos para transformar a cultura. Queria destruir suas regras, seu controle, seus enganos e a falsidade de tudo aquilo. Queria promover o fracasso como busca criativa, que também fosse nobre. Achava que esse era o caminho para mudar as coisas, a maneira de perder todo o medo." No decurso dessa promoção e autopromoção, ele disse: "Por meio dos Sex Pistols, descobrimos a mídia e seu poder. A imprensa, na época, era relativamente ingênua e se tornou nossa amante. Nós a seduzíamos com histórias que iam parar na capa dos jornais porque ajudavam a vender. Era simples assim". Tanto quanto a música dos Pistols, esse jogo aberto da mídia antecipou o mundo pop em que vivemos. Se existem alguns verdadeiros Rottens por aí, cada banda nova tem um McLaren auto-intitulado.

Ao plano maquiavélico pop de Malcolm, Lydon adicionou os ressentimentos que teve na infância pobre de garoto irlandês no bairro de Finsbury Park, zona norte de Londres. Ele foi um garoto daqueles em quem os outros sempre batiam, enxergava mal e tinha senso de humor sombrio e agressivo. Acabou entrando para um grupinho formado por outros garotos de disposição parecida, todos chamados John, reunidos pelo tédio e pelo desespero. Quando os pais o expulsaram de casa porque ele cortou o cabelo e tingiu o que sobrou de verde, foi morar no squat de um amigo de escola chamado John Beverley, que ele batizou de Sid, em homenagem a um hamster de estimação. Eram adolescentes morando sozinhos, sem eletricidade nem água encanada, que ganhavam dinheiro apagando cigarros no próprio pulso em bares por 5 libras. "Servia para aliviar algum tipo de pressão, só para lembrar a mim mesmo que de fato estava vivo e que todo aquele caos estava mesmo acontecendo", Lydon diz hoje. Sid era um clone de Bowie, uma vítima da moda. Penteava o cabelo enfiando a cabeça no forno e carregava os sinais da falta de cuidados na infância - certa vez, quando um amigo o viu fervendo uma seringa para injetar speed, ele explicou: "É da minha mãe".

No verão de 1975, Lydon entrou na Sex usando uma camiseta do Pink Floyd que ele tinha customizado com as palavras "I hate" [eu odeio] antes do nome da banda. Apesar de Lydon não ter ambições musicais, um dos associados de McLaren enxergou nele o carisma negativo certo para a banda, que àquela altura consistia de Jones, Cook e um balconista da loja chamado Glen Matlock. Em sua audição, Lydon cantou "Eighteen", de Alice Cooper, para um cano de chuveiro, acompanhado pelo jukebox da loja. Foi um caos... ele estava dentro. Sid, que sentia que a função lhe tinha sido prometida, transformou-se no fã número um, lugar de honra em uma cena em que os fãs eram tão centrais quanto os músicos.

A Inglaterra em que eles emergiram estava a ponto de explodir, pronta para a mudança. Mais de um terço das pessoas com menos de 25 anos vivia do serviço social. O punk se formou menos como estilo musical e mais como uma autodeclaração de uma geração que estava se tornando dispensável em termos econômicos, temida pelos pais que a abandonaram.

Vestidos com modelos da Sex ou com roupas feitas com sacos de lixo de plástico - em alusão a uma greve que atingiu toda a cidade e deixou pilhas de sacos apodrecendo por todo lugar -, os Pistols suscitaram cobertura purulenta da imprensa e um público que imediatamente formou suas próprias bandas - Billy Idol e a Generation X, Siouxsie and the Banshees, Buzzcocks. Em homenagem aos problemas crônicos de sinusite de Lydon, o público mostrava seu apreço cobrindo o músico com uma chuvarada de cuspe. "Era fantástico, era uma cena da porra", disse Jones a respeito das primeiras apresentações. "Você via gente indo lá de calça boca-de-sino e, na semana seguinte, a mesma pessoa estava com um alfinete. Dava para ver que estávamos provocando alguma coisa completamente diferente. Quanta gente começa uma banda e nada acontece? Além de fazer sucesso, foi aquilo que incentivou todas as outras bandas a se formarem, a moda e a coisa toda." O guitarrista Keith Levene, que depois tocou com Lydon em sua banda pós-Pistols, a Public Image Ltd., viu os Pistols na casa noturna Nashville, em Londres, e sofreu um renascimento ali mesmo. "Eles simplesmente passaram uma borracha em cima de tudo", declarou ao jornalista Greg Whitfield. "Nunca tinha visto nada como aquilo. Era uma noite fria e chuvosa. Simplesmente saí da rua e entrei no Nashville e, a partir daquele momento, a minha vida se transformou: Sabia que era aquela porra e pronto.(...) Havia um ódio, um cinismo, uma espécie de obscuridade, uma energia niilista, mas também muito humor maluco. Todos nós queríamos ver a morte do rock e dar um chute na bunda do fantasma do rock de uma vez por todas; dar mais um empurrãozinho no fantasma enquanto ele caía na cova." O público cantava junto com os Pistols com um ar de triunfo, à maneira demente de Lydon. A cena ignorava o mundo lá fora por meio da invalidação de qualquer perspectiva que pudesse ter.

Olhando em retrospecto, não foi uma revolução, mas sim a última festa insana que precedeu uma mudança cultural abissal derivada da mesma ruptura social e falta de esperança que deu lugar ao punk e ao hip-hop. Em 1979, Margaret Thatcher, a "Dama de Ferro" do Partido Conservador da Inglaterra, foi eleita para o cargo de primeiro-ministro com promessas de cortar os programas de serviço social que sustentavam boa parte da geração punk. A luta entre as classes que os Pistols tinham representado no palco estava agora no centro da política britânica. No ano seguinte, Ronald Reagan tornou-se presidente dos Estados Unidos e deu início ao desvio para a direita que domina a política norte-americana até hoje. A ruína dos Sex Pistols, inclusive a morte de Sid em 1979, transpirou em um clima muito mais severo do que aquele em que a banda tinha declarado que não existia futuro.

Mesmo depois do último show na Winterland, houve outros finais que se seguiram: a overdose não-fatal de Sid naquela mesma noite; a dissolução da banda alguns dias depois, com Rotten e McLaren trocando insultos em público; a morte de Nancy Spungen, namorada de Sid, apunhalada (por Sid ou por alguma outra pessoa) com uma faca de caça no quarto deles no Chelsea Hotel; a overdose letal de Sid em fevereiro de 1979; o processo de oito anos de Lydon contra McLaren (que terminou em 1986 com um acordo de £ 880 mil e direitos de propriedade intelectual); o último prego no caixão do legado da banda em 1989, cravado por Lydon: "Já não reconheço mais a importância dos Pistols. As únicas pessoas interessadas nos Sex Pistols são yuppies, porque Never Mind the Bollocks finalmente saiu em CD. Encaixa bem direitinho entre John Denver e Barry Manilow". E, finalmente, como prova de que o fantasma dos Pistols já não precisava mais ser temido, houve a aparição improvável de Lydon em 2004 - e sua saída coalhada de xingamentos - do reality show britânico I'm a Celebrity... Get Me Out of Here! (Sou uma celebridade... Tire-me daqui), um final que aparentemente faz com que qualquer outro seja desnecessário.

Ao analisar seu histórico, Lydon achou que a frase "no future" precisava de uma explicaçãozinha. Mas, primeiro, vamos ver como anda sua vida na Califórnia. Seu programa no canal VH1, Rotten TV, durou apenas três episódios em 2000. De lá, passou para brincadeiras com tubarões ou macacos ou insetos como apresentador de diversos documentários sobre a vida selvagem, incluindo uma série de dez episódios sobre insetos chamada John Lydon's Megabugs, no Discovery Channel.

Está casado desde 1979 com a alemã Nora Forster, 14 anos mais velha do que ele e herdeira de uma editora. A filha de Nora, Ariana, foi líder da banda de punk-reggae Slits, que fez turnê com os Pistols. "As Slits eram arrasadoras", recorda Lydon. "Aquilo era punk de verdade porque eram mulheres falando por si." Ari, aos 14 anos, com a saia levantada atrás e cabelo que parecia um monte de cobras selvagens, escandalizou as pessoas de maneiras que nem John conseguiu. Os gêmeos dela, que agora estão na casa dos 20 anos, moraram com John e Nora durante partes da adolescência e o chamam de "vovô", identidade pela qual ele diz ter carinho. "Participava de reuniões da Associação de Pais e Mestres da escola", contou. "E isso costumava deixar os gêmeos envergonhadíssimos. Sinto muito, vocês não deveriam ter vergonha de mim, deveriam ter vergonha de suas notas baixas, seus pestes preguiçosos. A educação é um dom gratuito maravilhoso. Torcer o nariz e dizer que não é legal ser inteligente é uma estupidez. Não entrem nessa. São os garotos burros tentando influenciar vocês."

Passar um tempo com lydon significa observar, além dessas pregações de tio, um fluxo constante de besteira que borbulha no meio de suas falas. Ele é uma fonte de informações falsas: o Green Day anda por aí dizendo que os Sex Pistols não são punks de verdade; os Ramones gostavam de poesia; Courtney Love tem fixação por Nancy Spungen; o Smashing Pumpkins e o Massive Attack roubaram suas fortes estruturas do Public Image; a Virgin Records, a gravadora das três bandas, deixou o Public Image de lado quando as outras duas se apoderaram dos amuletos de Lydon.

Jamie Reid, que criou os gráficos pesados dos Pistols, certa vez definiu o punk como "verdade expressa por meio de fraudes", e a verdade aqui, imagino, é a verdadeira necessidade de oposição de Lydon. Isso lhe garante substância e contexto. Mesmo na época dos Pistols, suas divagações a respeito dos hippies e das calças boca-de-sino pareciam ter mais a ver com os estereótipos dos hippies - adversários convenientes, entregues de graça, toda noite, no metrô noturno. O desprezo era o estado de espírito típico da banda. McLaren certa vez os classificou como "o único grupo formado sob o preceito de que eles se odiavam mutuamente, mas odiavam ainda mais todas as outras coisas". Ainda hoje, Jones diz: "Adoro o John, mas não é alguém com quem gostaria de conviver. Tenho respeito por Rotten. Não sei o que ele acha de mim". A fabricação contínua de ressentimentos só faz expandir o elenco de personagens. "A verdade", Reid poderia dizer, está no ato de estabelecer limites ao mesmo tempo em que se é democrático - um paradoxo traiçoeiro, mas um legado punk que sobreviveu mesmo à medida que a música foi perdendo o brilho e o viço.

É justo dizer que nenhum dos Pistols queria que a banda fosse o que foi e cada um deles trabalhou ativamente para impedir que isso acontecesse. Jones e Cook queriam ser uma banda de rock robusto, Lydon queria dissonância, McLaren queria um caos contínuo. "Se a decisão fosse minha, seria uma banda barulhenta, insuportável", Lydon disse. "Suponho que, na verdade, fosse medo: se estiver em dúvida, jogue um monte de barulho. Insegurança. Reconheço isso de bom grado. Tinha preocupação de que as músicas não se sustentassem. Mas se sustentaram." Em parte, devem seu sucesso, e seu legado, às incapacidades individuais de qualquer um deles de impor sua vontade.

Mesmo com sua história de rebeldia, o legado de Sid ainda não foi determinado. Ele continua sendo uma figura que não foi assimilada dentro da história da banda, da mesma maneira que a banda não se encaixa muito bem na história da década de 1970. Ainda assim, sem ele, os Sex Pistols não seriam os Sex Pistols. Sid só tocou em uma música no álbum e, com freqüência, tocava no palco sem estar plugado. Mas, em alguns aspectos, era o Pistol perfeito. "Sid provocava caos e desastre e fazia isso de maneira notável", comenta McLaren. "Ele era um poser maravilhoso, mas vivia em busca de encrenca. Era presa voluntária de Nancy Spungen. Parecia que tinha isso tatuado na testa."

Sid era uma pessoa completamente hostil, insensata. Todo mundo falava mal dele, mesmo dentro da banda. Era um pária entre párias, uma queda meteórica ao nível mais baixo imaginável. Em uma entrevista de rádio em dezembro de 1977, Sid disse que os outros tramavam contra ele. "Porque dizem que não sei tocar nada e que sou burro", declarou, apresentando um relato justo de seu encanto. Rotten, que também estava no programa, aproveitou a deixa: "Não é uma tramóia, é um fato".

Se Rotten e McLaren eram os cérebros em guerra dos Pistols, e se Cook e Jones eram os colhões, Sid era um símbolo. Mesmo antes de se juntar à banda, seu comportamento no meio do público produziu boa parte da notoriedade inicial do grupo. Quando foi preso depois de jogar um copo em um show do Damned, Westwood lhe enviou um livro sobre Charles Manson - construindo assim um psicopata mais aperfeiçoado. "Uma das coisas em que passei a acreditar desde que fui jogado aqui é na liberdade pessoal total", escreveu em uma carta da cadeia, como se não estivesse tão aprisionado em sua identidade de Sex Pistol. Filho de uma hippie perdida, Sid era um predicado cambaleante da geração da década de 1960: quanto pior fosse seu fracasso, melhor. Seu auge talvez nunca se concretize: em uma proposta de filme sobre a banda, a ser dirigido pelo rei da vulgaridade, Russ Meyer, o roteirista Roger Ebert escreveu uma cena em que Sid come um chocolate Mars do meio das pernas da mãe, que seria interpretada por Marianne Faithfull - a representação devassa de um boato da prisão por drogas dos Rolling Stones em 1967. Mas suas verdadeiras fraquezas já eram bastante catárticas: os dois singles que a banda gravou depois do rompimento, com Sid como cantor, sobrepõem-se a qualquer coisa que tivessem feito antes.

"Não queria Sid na banda porque ele não sabia tocar", esclareceu Jones. "Não entendia o que McLaren estava fazendo na época. Tinha tudo a ver com uma imagem específica do Sex Pistols. Acho que ele não dava atenção à música. Ele achou que nós seríamos capazes de escrever de qualquer jeito." O que obtiveram foi uma caricatura representada com tanta vontade que, mesmo em sua autodestruição, ele não despertou nenhuma pontada de culpa. Nenhuma imagem foi fabricada de maneira mais transparente do que a de Sid e, no entanto, o sangue no palco era sempre verdadeiro. Ele era o ponto em que a violência metafórica do punk se concretizou em real, mas também em que a violência real retrocedeu ao conceito sem peso. Ninguém além de Sid poderia ter dignificado a camiseta que Westwood e McLaren criaram depois do assassinato de Nancy Spungen, quando já não dava mais para argumentar que a negatividade do punk fosse apenas teatral ou irônica, ou obediente às intenções de seus criadores. "She's dead, I'm alive, I'm yours" [Ela está morta, eu estou vivo, sou seu], dizia a camiseta, anunciando a morte real e talvez o assassinato como chamariz de celebridade.

Em O Lixo e a Fúria, Lydon soluça de maneira audível sobre a autodestruição arrastada e determinada do amigo. "Sid foi jogado no fundo", dispara Lydon hoje. "As drogas confundiam as fobias dele. E ele as usava como muleta. Mas a muleta se tornou seu atributo mais vendedor. Nós éramos novos demais para ter essa percepção e não havia adultos por perto para nos chamar de lado e mostrar sensatez." Sid costumava caçoar de John: "Você vai passar o resto da vida com gente chegando e perguntando se você não tinha sido o Johnny Rotten". Mas, no fim, isso não aconteceu. Em vez disso, Lydon relatou: "Já teve gente que chegou para mim e perguntou se eu não era aquele que tinha morrido. E a minha resposta é sempre 'sim'".

Trinta anos depois de never Mind the Bollocks, é inevitável que os Sex Pistols - e o próprio punk em si - tenham adquirido o tipo exato de permanência institucional e de legitimidade adulta que a banda se propôs a atacar. Os inimigos que os Sex Pistols tinham atacado por seu gigantismo estão ainda mais gigantescos do que nunca e os herdeiros para quem abriram o caminho são ainda menos underground do que os antigos inimigos. Ao escrever na Rolling Stone norte-americana há dois anos, Billie Joe Armstrong, do Green Day, disse: "Never Mind the Bollocks é a raiz de tudo que acontece nas rádios de rock moderno", o que só serve para mostrar que ninguém escolhe seu legado. Ao fazer uma avaliação dos anos decorridos, Jones falou, em tom conciliatório: "Os Pistols hoje parecem afáveis, pensando em retrospecto. Não são ameaçadores. Não porque exista algo mais ousado, mas a gente se acostuma com as coisas. É só rock'n'roll."

Para Lydon, os louvores reescreveram a experiência vivida de ser um Sex Pistol: a falta de dinheiro, a exposição, a animosidade, a destruição de seu amigo de infância, o sentimento de ser novo demais para dar um basta em tudo aquilo. "Aquele ano e meio nos Pistols foi assassinato para todos nós", desabafa. "Todos carregamos lembranças sombrias, de um modo ou de outro. Fomos simplesmente jogados no fundo e deixados lá, ainda precisávamos nos deslocar por Londres, ainda precisávamos pular a roleta porque não tínhamos dinheiro para pagar a passagem. Ao mesmo tempo, estávamos nos jornais como inimigos públicos número 1, de modo que a banda era sempre um alvo. Havia uma gangue em cada esquina que realmente queria machucar a gente. Muitas e muitas cicatrizes daquele período. Enfiaram uma faca em mim aqui", concluiu.

Tradução: Ana Ban