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Sem Personagem

Débora Falabella chegou ao maior posto da teledramaturgia nacional, mas diz que não consegue interpretar a si mesma

Carina Martins Publicado em 07/01/2013, às 17h56 - Atualizado em 15/01/2013, às 19h50

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<b>ESTRELA HESITANTE</b> Débora começou insegura na carreira, mas hoje tem objetivos claros - Claus Lehmann
<b>ESTRELA HESITANTE</b> Débora começou insegura na carreira, mas hoje tem objetivos claros - Claus Lehmann

Débora Falabella está sem personagem. Com o fim de Nina, a atriz vive, em suas palavras, uma “ressaca de Avenida Brasil”. O trabalho que rendeu a ela o posto de heroína das 21h na novela mais emblemática dos últimos anos também custou nove meses de dedicação e estudo quase integrais, além de um “intensivão” sobre o funcionamento da imprensa de celebridades na reta final do folhetim, quando começou a namorar o colega de elenco Murilo Benício. Compreensivelmente, no momento, ela descansa. Mas não por muito tempo, já que pretende dedicar 2013 ao Grupo 3 de Teatro, companhia dela há sete anos, que agora prepara uma amostra de repertório e uma montagem inédita. Quando o projeto virar realidade, a atriz terá literalmente dez personagens para viver – ela participa de todas as peças. Mas, até lá, está sem nenhum. É 100% Débora Falabella. E representar ela mesma para o público talvez seja seu maior desafio.

Vídeo: assista ao making of da sessão de fotos com Débora Falabella.

Débora vive uma vida dela, mesmo. É global, mas mora em São Paulo, em um prédio antigo e discreto de Higienópolis, bairro de classe alta em que os amplos apartamentos de décadas atrás não deram lugar à ostentação das fachadas neoclássicas, e onde condomínios-clube são impensáveis. Na vizinhança, moram também um ex-presidente e apresentadores de TV milionários, entre outros figurões, mas seu edifício é bem menos opulento que os dos colegas. Apenas um imóvel confortável e discreto para uma mãe bem-sucedida.

Calor em São Paulo é uma tristeza, e este é um dia sofrido. Mesmo assim, nada do despojamento de shortinhos, regatas e chinelos. É um compromisso profissional, e Débora se veste de acordo – calça preta justa, blusa listrada de branco e preto que cai um pouco do ombro, um look quase parisiense. Comportada sim, mas nunca submissa – ela completa o visual branco e preto com sapatos marrons, tipo oxford, sem ligar para as regras da moda sobre a combinação preto e marrom. (Ficou ótimo.) Talvez precise levar a filha à sessão de fotos do dia seguinte, ela avisa – Débora tem uma consulta no dentista, e Nina, 3 anos, fruto do casamento com o músico e apresentador da MTV Chuck Hipolitho, está em férias. Nada mais prosaico para uma mulher que é mãe e profissional, e nada menos estrela.

Sugere que façamos a entrevista em uma doceria próxima de sua casa. Diante do trânsito, da demora e do calor, outra sugestão: não é melhor deixarmos o carro e fazermos o resto do trajeto a pé? É melhor. Descemos e, quando há indícios de que nenhuma das duas sabe bem o caminho, ela toma as rédeas de novo: tem uma padaria aqui na esquina, pode ser? Pode.

Os percalços ainda teriam o acréscimo de uma mesa com mais de uma dúzia de pessoas que brotou ao lado da nossa para comemorar um amigo secreto. E todo esse esforço é para uma atividade que ela confessa ser fonte frequente de incômodo – uma entrevista. “Claro que pra mim é importante, não posso virar uma pessoa que não dá entrevista nunca. Porque eu tenho o outro lado, gosto de divulgar meu trabalho. Não tenho ainda essa inteligência, essa malícia pra saber responder. Claro que eu sei o que devo falar e o que não devo. Mas a gente tem que aprender também a dar entrevista, quase tem que aprender a ser uma pessoa para isso. Eu leio e me sinto uma idiota”, confessa.

Não é só para dar entrevistas que serve aprender a ser uma outra pessoa. Construir uma imagem, uma persona, atrai anunciantes interessados naquele perfil, projetos que desejam se associar àquela marca, negócios e oportunidades (e riscos). Show business. Débora não levanta nenhuma bandeira e até aceita sua parte do quinhão, fazendo alguns comerciais e eventos – “exploram tanto a imagem da gente de graça!”– mas não chega a trabalhar nessa construção. “Eu sei que era necessário [criar essa persona], até pra me proteger, mas eu não sei fazer isso”, frisa. No caso de Débora, além de o cotidiano corroborar o discurso, este é feito quase com angústia, não com orgulho. “Acho que talvez seja importante, mais pra você se proteger, pra você não virar também uma pessoa completamente reservada ou não se expor completamente.”


A ideia de que uma personagem chamada Débora Falabella seria necessária para lidar com público e imprensa é reforçada pela experiência vivida por ela no tratamento público dos últimos meses, quando o início de um namoro virou boato, especulação e, após alguns artigos mais tensos e uma declaração apaixonada de Benício em rede nacional, um fato. “No final dessa novela eu passei por coisas que achei tão absurdas, e, ao mesmo tempo, dava uma vergonha... Tão ridículos. A maneira como é escrito, como você se vê nas coisas. Ao mesmo tempo, é tão ingênuo, é tão bobo, é tão careta a maneira que eles escrevem que me dá um pouco desse pavor. E, quando a gente faz TV, está nesse meio”, afirma, depois de descrever como “quase um estupro” o comportamento da mídia no seu caso.

Durante todo esse processo, Débora nunca falou sobre a relação. Mas, tanto o ex-namorado, Daniel Alvim, quanto o atual, falaram. Pergunto se ser discreta não implica, muitas vezes, em entregar a outros o poder de decisão. Ela não acha. “Meu namorado deu [a declaração] de uma forma muito inteligente. Acabou com a história e falou. Eu não sei fazer isso. Ele sabe. Eu nunca conseguiria fazer o que ele fez”, diz, acrescentando que sabia de tudo com antecedência. “Acho também que um respeita o outro dentro da relação, o que cada um consegue ser. Eu não consigo falar, prefiro não falar, ficar me expondo, expondo o outro.”

Outro problema das entrevistas é estar sujeita a perguntas petulantes. Como, por exemplo, se ela não se sente insegura ao iniciar um romance com alguém conhecido pelo envolvimento com seus pares românticos na ficção. Débora dá mais uma lembrança de que falar baixo e ser discreta não é o mesmo que ser mansa. “Não me sinto [mais uma], e acho que isso é uma história dele. Não tenho nada com isso, e nem vou julgá-lo em nenhum momento. Minha história com ele é a partir de agora. Não sou uma idiota também, tenho confiança em quem eu sou”, replica. “E acho até que é muito chata essa associação, problema de cada um, eu também namorei, todo mundo namorou todo mundo na vida.”

Débora respeita os próprios pontos de vista, o que nem sempre é possível em qualquer que seja a profissão, e menos ainda em uma que depende tanto da imagem e dos relacionamentos. Quando estreou na TV em 1998, em Malhação, achou tudo “muito estranho”. O clima solto de um elenco de adolescentes em um ambiente profissional causou surpresa na mineira. Ao fim de seis meses, a personagem minguou, a certeza dela também, e a atriz voltou para Belo Horizonte, de onde sairia para fazer Chiquititas. “Não sei se foi porque entrei na Malhação, que era todo mundo da mesma idade... Eu sempre fui mais discreta, as pessoas já se conheciam... Entrei, não fiz muito, já saí logo [risos]. Voltei achando aquilo meio estranho, não sabendo se eu ia conseguir... Até hoje eu tenho meio essa sensação.” Quinze anos depois, a postura segue inalterada. Apesar de todos os projetos – como o grupo de teatro e a loja Un Vestido y Un Amor – serem feitos em associação com amigas, ela diz que fez “pouquíssimas amizades” dentro da TV. “Eu tenho facilidade de lidar com as pessoas, não tenho problema. Mas a gente esquece que, apesar de o trabalho de ator ser muito diferente, é um trabalho. Ninguém é assim no trabalho. Você cria relações, mas entra como profissional, não vai ali se expondo. Acho que é isso, é mais a minha visão.” Isso foi afetado pelo peso de Nina em Avenida Brasil, que fez com que a atriz criasse laços mais fortes com os colegas. “Este ano fiquei tanto dentro da Globo, que pra mim foi mais natural. Não teve como fugir.”

Nina, assim como Débora, cresceu na novela trabalhando mais a sutileza, em contraste com a estrela da solar e carismática vilã Carminha, de Adriana Esteves. Não à toa, a personagem foi escrita pelo autor João Emanuel Carneiro com a mineira na cabeça desde o começo. E exatamente pelo modo como as personagens foram construídas, era a vilã, e não a heroína, quem mais repercutia nas redes sociais e ganhava comentários no dia seguinte. A esta altura, já está claro que disputar holofote não é o estilo de Débora. “Eu nunca trocaria a personagem que fi z, o que gosto de fazer – no teatro, na televisão, no cinema – é essa linha. Sim, ali dentro eu cortei um dobrado e a gente conseguiu inverter as coisas de uma maneira maravilhosa. Colocou uma vilã solar, loira, que usava roupas claras, engraçada, e a heroína soturna: eu quase não sorri a novela inteira, tive poucos momentos românticos... Eu gosto quando a coisa não é... óbvia”, diz ela. “Mas acho que é mais difícil de entender. Talvez essas delicadezas sejam mais complicadas de ver na televisão, numa tela assim [pequena]. Você não está ali vendo uma história como você vê no cinema. Então é mais complicado para o público.” Ela ainda elogia a colega e o jogo de cena. “Acho os dois personagens dificílimos. Até que pela força e pela liberdade que a Adriana tinha também, porque ali 70% das coisas ela que inventou, essa liberdade veio muito dela. E o jogo que a gente teve também foi muito importante pra história.” Mesmo assim, Débora está satisfeita com o resultado do esforço coletivo. “É mais difícil, sim; é mais complicado. Isso que foi feito com o público foi uma coragem. Eu vomitava no início da novela: a protagonista, a mocinha, o tempo inteiro passava mal e o reflexo dela era vomitar. É sensacional poder fazer isso. Isso você faz no teatro, no cinema. É um carisma diferente, isso que acho legal da história, a inversão com os personagens.”


Débora evita concordar que está mais bem vista dentro do mercado depois da conquista marcante. “Acho que isso é visto, que isso é reconhecido. Mas não consigo perceber se sou vista de outra forma.” O reconhecimento, diz ela, serve mais para poder trabalhar melhor do que qualquer outra coisa. Serve para, por exemplo, poder tornar seu grupo de teatro mais conhecido, embora ela afirme que não considera a televisão simplesmente um ganha-pão para financiar atividades mais interessantes. E acredita que a TV pode ser complexa e trazer satisfação. Foi o caso da novela, mas não só. “Acho que quando a gente tem liberdade dentro do trabalho, é possível. Antes eu fiz o Mulher Invisível, que não era complexo, mas eu tinha total liberdade pra fazer tudo que quisesse, e é muito bom quando isso acontece, independentemente de ser complexo ou não.” E é para isso que servem as conquistas: “Quero ter dentro da televisão um reconhecimento para ficar numa posição onde possa, talvez, cada vez mais escolher o que faço. Isso acho que é o mais importante, é ter e sse reconhecimento, essa confiança, pra falar: ‘Não, isso não, quero fazer aquilo’.” Ela nega, no entanto, que já tenha feito alguma coisa obrigada. “Já fiz coisas que eu não imaginava e depois não gostei tanto. Mas até acho que dentro da TV tenho conseguido escolher muito, assim, coisas diferentes. Porque é isso que é minha preocupação, não fazer sempre a mesma coisa.”

Na saída da padaria, uma atendente aborda a atriz para pedir uma foto. É a segunda vez desde que nos sentamos para conversar. A moça conta que, durante os meses de exibição de Avenida Brasil, cada um dos funcionários ganhou o apelido de um dos personagens da trama – e ela era a “Nina”. Débora sorri, gentil, e posa para a foto. Mas não diz nada. Se a outra é a Nina, para ela não sobra personagem nenhum.