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Desconstruindo o Killers

Um passeio por Las Vegas com Brandon Flowers, o roqueiro mórmon mais importante e mais inseguro de todos os tempos

Por Brian Hiatt Publicado em 16/06/2009, às 11h04

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Brandon Flowers está com dificuldades para se explicar. Talvez pela sua incoerência de vida: é um fanático por sintetizadores pop que se veste com alta-costura e quer ser Bruce Springsteen, ao mesmo tempo que é um mórmon devoto que canta em uma banda de Las Vegas. Talvez seja porque Flowers costuma se meter em encrencas quando abre a boca. Como naquela vez em que afirmou que Sam's Town, o álbum anterior de sua banda, The Killers, era "um dos melhores dos últimos 20 anos" - antes de qualquer pessoa ter a chance de ouvi-lo. Ou talvez seja porque, no momento em que o Killers lança seu terceiro trabalho, Day & Age, ele ainda não sabe descrever o tipo de som que a banda faz. "Mudo sempre", reconhece o vocalista. "Em um dia, quero ser sério de morrer e, no outro, só quero escrever canções pop maravilhosas e me divertir. Não tenho nenhum tipo de direção definida e não sei se gostaria de ter." Ele suspira. "Nem sei por que as pessoas querem falar comigo."

Flowers está sentado no balcão vazio de uma churrascaria enfiada no fundo do Hotel e Cassino Four Queens, um lugar bem caído em Las Vegas, na frente de onde o Killers ensaia. Carrega duas bebidas: uma água Crystal Geyser e o resto de uma Coca-Cola com gelo. Cada detalhe de seu visual é calculado com perfeição obsessivo-compulsiva:as mangas da camisa vermelha xadrez estão dobradas com precisão militar; a barba de dois dias embrutece seu rostinho de bebê na medida exata; o cabelo castanho penteado parece que é cortado e penteado duas vezes por dia. E ele fala com a cadência entrecortada de um adolescente nervoso, desviando-se de perguntas mais cabeludas com uma risadinha infantil, incongruente. Tem problemas para responder a uma questão bem simples: o que quer dizer com a frase que dá nome ao disco - "I want the new day and age" (eu quero o novo dia e a nova era) - na faixa "Neon Tiger"? "Acho que as coisas poderiam ser melhores", diz e faz uma pausa de quase dez segundos em que fica com os olhos baixos, fixos na mesa. "Sinto-me como se não tivesse permissão para dizer algumas das coisas que sinto." Por quê? "Sou bonito demais."

Day & Age, lançado em novembro passado e produzido por Stuart Price, que já trabalhou com Madonna, é muito mais divertido do que o bombástico Sam's Town, que tinha uma levada híbrida entre Bruce Springsteen e Queen. Como o baixista Mark Stoermer bem defi ne, ele "atira para todos os lados" - mas no bom sentido, começando no pop cheio de sintetizadores e buzinas de "Losing Touch" e indo até a faixa de encerramento, "Good Night, Travel Well", que chega a lembrar remotamente The Cure. "Day & Age não está tentando ser nada", analisa Flowers. "Temos tantas influências, não queremos ficar amarrados nem rotulados."

Flowers cresceu ouvindo bandas de new wave e pop de sintetizador - Duran Duran, Cure, Depeche Mode, Smiths - e, adulto, apaixonou-se por rock de raiz norte-americano, principalmente Springsteen, Tom Petty e Tom Waits. "Hot Fuss [a estreia da banda, de 2004] era sintético", recorda Flowers, 27 anos. "Apesar de ter sido feito de coração, tinha um verniz, foi um tipo de máscara que nós vestimos. Mais ou menos como os Strokes, que eram de famílias com dinheiro e faziam rock & roll sujo. Nós viemos da outra ponta e nos vestíamos com terno. Mas, quando ouço Tom Waits ou 'Thunder Road', fico com vontade de calçar botas, tocar piano e sair por aí em um Chevy 57."

Em nova york, uma semana depois, a língua de Flowers está um pouco mais solta. Da última vez, estava agitado por causa dos ensaios da turnê, mas agora os

primeiros shows já tinham acontecido. O vocalista esteve em seu quarto de hotel assistindo ao filme Starman - O Homem das Estrelas (1984), estrelado por Jeff Bridges, que avaliou como "muito comovente". Ele se anima ainda mais quando conversamos sobre sua mulher, Tana, e seu filho de 1 ano e dez meses, Ammon. "Não quero ficar longe de casa por mais de duas, três semanas", comenta. "Ammon está começando a desenvolver a personalidade agora. É difícil. Chorei muito quando saí do aeroporto ontem."

Bem acomodado em um restaurante japonês, Flowers defende a genialidade negligenciada do Oingo Boingo. "Eles são tão desprezados", afirma com gestos furiosos. "As pessoas simplesmente não entendem. Só conhecem 'Weird Science' ou talvez 'Dead Man's Party.' Eles surfam na onda de ska, punk e tudo, e não são ska nem punk. É uma loucura. Compre Best of Boingo. Estou falando sério!"

A mãe de Flowers é dona-de-casa e seu pai trabalhava em um supermercado. Ele foi criado nos arredores de Las Vegas e depois em Nephi, em Utah (voltou para Vegas aos 16 anos). O músico compartilha com Springsteen a vida dura - seu progenitor foi alcoólatra até se converter ao mormonismo, quando ele tinha 5 anos. "Meus pais são minha conexão com os Estados Unidos românticos", confessa. "Meu pai sempre teve carros antigos e me ensinou tudo sobre eles." Porém, diferentemente de Bruce, ou basicamente de qualquer rockstar, Flowers é mórmon praticante. Ele vai à igreja, e a mulher dele, que é professora primária e ex-gerente de uma loja de roupas em Las Vegas, se converteu à religião antes de eles se casarem, em 2005. O filho deles recebeu o nome de Ammon em homenagem a um missionário do Livro de Mórmon.

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias condena as drogas, o álcool e o sexo antes do casamento, mas, durante um período, Flowers bebeu muito e caiu na balada na estrada. Há dois anos, mais ou menos na época do lançamento de Sam's Town, ele parou com tudo. "Eu me sinto menos culpado e também estou mais saudável do que nunca", reconhece. Mesmo não sendo muito específico para falar sobre o que causou essa mudança, ele tenta explicar: "Minha mulher estar grávida e todo o resto colocou as coisas em perspectiva". E continua, melancólico: "No entanto, há um elemento de diversão de que sinto falta".

Flowers votou em Obama, mas suas visões políticas sempre pareceram pender para a direita: já expressou simpatia por George W. Bush e criticou o Green Day por cantar "American Idiot". Agora ele se preocupa, em alto e bom som, com o fato de os Estados Unidos estarem se afastando da religião. "Na Inglaterra, a imprensa trata os crentes como se eles acreditassem em Papai Noel, e as coisas estão ficando assim por aqui", diz, com óbvia desaprovação. A fé que Flowers tem em sua banda é fervente na mesma medida: há pouco tempo, sugeriu que o Killers pode vir a ser maior do que o U2 e acha que ainda não fez suas melhores canções. "Tenho de compor o tempo todo", conta. "Posso ir para o meu quarto agora mesmo e... sabe como é, ainda quero escrever uma 'Imagine'. Não é impossível para mim, por mais que todo mundo queira dizer que é."

A pesar de estarem juntos há quase sete anos, há algo de estranho na química dos quatro Killers fora do palco - ela é quase inexistente. O visual e o comportamento dos integrantes é como se cada um dos quatro fizesse parte de uma banda diferente e a interação entre eles parece mais a de colegas do que a de companheiros. "Estamos ficando amigos", conta Flowers. "Ainda estamos aprendendo uns sobre os outros. Nós só nos conhecemos mais ou menos desde que a banda existe."

Mas, por mais diferentes que possam ser, esses caras estão unidos por uma ambição tamanho extragrande: a banda, que começou com as jam sessions do guitarrista Dave Keuning e Flowers em 2002, estabeleceu objetivos desde o início. "Eu me lembro de perguntar a Brandon se ele queria ser grande. E ele respondeu que sim", conta Keuning. De acordo com Stuart Price, produtor de Day & Age, Flowers e Madonna têm muito em comum: "Eles deixam transparecer um ímpeto e uma certa determinação, do tipo 'preciso acontecer usando de quaisquer meios necessários'".

O baterista Ronnie Vannucci estudou percussão na faculdade e fez o técnico do estúdio ajustar exatamente a pulsação da batida dance do primeiro single do álbum, "Human". Keuning é o doido de plantão - a cabeça dele vive tanto no espaço que ele de fato está guardando dinheiro para reservar um lugar nos primeiros voos espaciais comerciais da Virgin. Com seus cachinhos de Brian May, o guitarrista também tem o visual mais rock & roll das antigas entre o grupo - ele deixou o cabelo comprido porque não podia fazê-lo em seus diversos empregos anteriores. "Simplesmente me sinto agradecido todos os dias por não ter que acordar e ir para a Banana Republic às 6 da manhã abrir caixas de roupas", afirma.

A combinação do ímpeto de Flowers com a tendência que o grupo tem de pensar alto faz com que a banda seja ainda mais fascinante. A letra mais famosa que ele escreveu - "I've got soul, but I'm not a soldier" (tenho alma, mas não sou soldado), da faixa "All These Things That I've Done", do disco Hot Fuss - pega no ouvido e é inesquecível, mas também não tem o menor fundamento. O refrão que não segue regras gramaticais de "Human" ("Are we human, or are we dancer" - somos humanos ou somos dançarinos) é impenetrável na mesma medida. Flowers se irrita com o fato de as pessoas não entenderem muito bem a letra, e de os fãs não gostarem muito da levada da canção. "Foi feita para dançar, combina com o refrão", esclarece. "Se você não consegue juntar essas duas informações, é um idiota. Simplesmente não entendo por que existe alguma confusão em relação a isso." Flowers sabe que está pedindo ainda mais diversão com outra faixa, "Neon Tiger", que tem uma levada de David Bowie e que pode ser interpretada como uma fábula de autoenaltecimento. "Took to the spotlight like a diamond ring (...) / Don't you let them tame you / You're far too pure and bold" [ganhou destaque como um anel de diamante / Não permita que o domem / Você é puro e ousado demais], ele canta, com grau máximo de drama.

Mas, há pouco tempo, o músico recebeu algumas validações de um de seus heróis: conversou com Bruce Springsteen no backstage de um estádio em Los Angeles. "Fiquei morrendo de medo, com toda a poeira que Sam's Town levantou", Flowers confessa. "E ele simplesmente me acalmou e me deu uma dose extra de segurança. Ele é perfeito, foi muito mais legal do que precisava ser. Falou como o nosso primeiro álbum tinha qualidade inegável. E eu mencionei as minhas preocupações. E Bruce disse que aconteceu com ele a mesma coisa em relação a Bob Dylan."

Em Nova York, o Killers está no palco iluminado do Hammerstein Ballroom diante de milhares de fãs histéricos, desde garotos de 10 anos até donasde- casa sacudindo as cadeiras. Já para o fi m do show, Brandon Flowers sobe nas caixas de retorno e abre os braços em uma pose messiânica, típica de Bono, enquanto a plateia berra junto o refrão de "All These Things That I've Done": "I've got soul, but I'm not a soldier". Flowers ergue o pedestal do microfone com a mão direita e acompanha as batidas de Vannucci com movimentos no ar. Ele repete a frase vez após outra, com toda a paixão que tem: "I've got soul, but I'm not a soldier". É uma coisa maravilhosa de se ver. E, por um instante, a gente quase acredita que a frase possui algum significado.