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El Mencho: rastro de morte deixado pelo chefe do cartel mais violento da atualidade não para de crescer

O criminoso incita níveis de barbárie impensáveis

Josh Eells Publicado em 09/12/2017, às 07h11 - Atualizado às 16h41

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Ilustração: John Ritter
 - Fotos usadas na ilustração - Felix Marquez / Archivolatino / Redux
Ilustração: John Ritter - Fotos usadas na ilustração - Felix Marquez / Archivolatino / Redux

Em uma noite quente e úmida de agosto de 2016, dois ricos irmãos mexicanos saíram para curtir a noite na cidade de Puerto Vallarta. Ivan, de 35 anos, e Jesus Alfredo Guzmán, de 29, estavam passando uma semana de férias na cidade. O domingo era a véspera do 36º aniversário de Ivan e eles reservaram uma mesa em um restaurante chique chamado La Leche para comemorar. Seis homens e nove mulheres se juntaram a eles – jovens, atraentes e bem vestidos, dirigindo Range Rovers e Escalades –, sentaram a uma mesa comprida à luz de velas no meio de uma sala toda branca, pediram champanhe e cantaram “Parabéns a Você”. Três horas depois, a festa estava terminando quando, pouco depois da meia-noite, meia dúzia de homens armados com rifles entraram e os renderam.

Um deles forçou Ivan a se ajoelhar e deu um chute forte em suas costelas, fazendo-o deitar no chão. Jesus Alfredo também foi rendido sob a mira da arma. Os irmãos e os outros homens foram, então, levados a duas SUVs e escoltados noite adentro, enquanto as mulheres foram deixadas ilesas. Toda a operação durou menos de dois minutos – o dono do restaurante mais tarde a descreveu como “violenta, mas muito limpa”. E, assim, sem nenhum tiro disparado, os dois filhos mais novos do notório chefe do cartel mexicano de Sinaloa, Joaquín Guzmán – mais conhecido como El Chapo –, foram sequestrados.

Os filhos de Chapo cometeram o erro de sair à rua nos domínios do mais novo e perigoso rival do Sinaloa: Rubén Oseguera Cervantes, ou El Mencho, chefe de um novo e violento cartel. Ex-policial de Jalisco que cumpriu três anos de prisão nos Estados Unidos por vender heroína, Mencho lidera o que muitos especialistas dizem ser o cartel de drogas mais mortal, de crescimento mais rápido e, segundo alguns, mais rico – o Cartel Jalisco Nueva Generación, ou CJNG. Embora seja pouco conhecido fora do México, Mencho foi indiciado em um tribunal federal de Washington, acusado de tráfico de drogas, corrupção e homicídio e, atualmente, a recompensa por sua captura é de US$ 5 milhões. Exceto por, talvez, Rafael Caro Quintero – o idoso senhor das drogas ainda procurado pela tortura e morte de um agente do DEA, departamento antidrogas norte-americano, em 1985 –, ele é provavelmente o principal alvo do país em cartéis. “Antes, era o Chapo. Agora, é Mencho”, diz uma fonte do DEA.

O CJNG existe há apenas meia década, mas, com sua ascensão espantosamente rápida, já conseguiu o que Sinaloa demorou uma geração para ter. O cartel estabeleceu rotas de tráfico em dezenas de países em diferentes continentes e controla um território que abrange metade do México, inclusive ao longo das duas faixas de litoral e das duas fronteiras. “[O CJNG] aumentou suas operações como nenhuma outra organização criminosa até hoje”, afirmou um relatório confidencial da inteligência mexicana obtido pelo jornal El Universal. Em maio, o procurador-geral do México, Raúl Cervantes, declarou que o cartel era o mais onipresente no país.

A especialidade do CJNG é metanfetamina, que tem margens de lucro mais altas do que cocaína e heroína. Ao focar em lucrativos mercados estrangeiros, como Europa e Ásia, o cartel simultaneamente manteve a discrição nos Estados Unidos e construiu uma imensa reserva de guerra, que alguns especialistas estimam valer US$ 20 bilhões. “Eles têm muito mais dinheiro que o Sinaloa”, diz um ex-agente do DEA que passou anos caçando o cartel no México (e pediu anonimato por questões de segurança). Segundo outro investigador, “Mencho tem sido muito, muito agressivo – e até agora, infelizmente, isso compensou”.

Ele exibe uma selvageria extrema até para os padrões do narcotráfico. Para o admitidamente brutal Chapo, matar era uma parte necessária dos negócios. Para Mencho, parece mais sadismo e uma forma de espetáculo público. Houve massacres, como o dos 35 corpos amarrados e torturados despejados nas ruas de Veracruz durante a hora do rush de fim de dia em 2011. Dois anos depois, operadores do CJNG estupraram, mataram e incendiaram o corpo de uma menina de 10 anos que (erroneamente) acreditavam ser a filha de um rival. Em 2015, assassinos da organização executaram um homem e seu filho, ainda no ensino fundamental, detonando bananas de dinamite presas com fita adesiva a eles, rindo enquanto filmavam a cena pavorosa com os celulares. “Isso é coisa do Estado Islâmico”, diz um agente do DEA que investigou o cartel. “O jeito como matam as pessoas, o número de mortos – é sem precedentes até no México.”

A comparação com o Estado Islâmico é instrutiva por outro motivo. Quando Chapo estava no auge do poder após as sangrentas guerras dos cartéis mexicanos há uma década, o país teve um período de paz relativa – que o romancista e cronista da guerra das drogas Don Winslow batizou de “Pax Sinaloa”. No entanto, da mesma forma como o EI cresceu do vácuo no Iraque pós-Saddam Hussein, uma consequência acidental da prisão de Chapo pode ter sido abrir a porta para alguém ainda pior.

Existem poucas fotos de Mencho e até a descrição feita dele pelo Departamento de Estado é comicamente vaga: teria 51 anos, 1,72 m, 75 kg, cabelo e olhos castanhos. Contadores de histórias sobre o narcotráfico narram o suposto amor de Mencho por motos e rinhas de galo de US$ 100 mil – um dos apelidos dele é “El Señor de los Gallos” ou “O Senhor dos Galos” –, mas, fora isso, o homem é um enigma. “Depois de mais de 25 anos trabalhando no México, você encontra pessoas que conheceram o Chapo e falam sobre ele”, diz o ex-agente do DEA. “Só que, com o Mencho, você não ouve isso. Ele é meio que um fantasma.”

De certa forma, sequestrar os filhos de El Chapo serviu como um evento para a revelação de Mencho. “O plano era matá-los”, afirma uma fonte do DEA. “[O CJNG] ia sequestrá-los, conseguir as confissões que queria e dar um fim neles.” Entretanto, no último minuto, Chapo – ainda preso no México à época – conseguiu negociar um acordo. Em troca de “US$ 2 milhões e muita droga”, segundo a fonte do DEA, os dois rapazes foram libertados sem ferimentos.

O pagamento do resgate foi bastante cerimonial. “Mencho não precisa do dinheiro”, afirma a fonte. “Estava mandando uma mensagem: ‘Seu pai está trancafiado agora. Não achem que são intocáveis’.” De Cancún à Califórnia, o aviso foi claro. Mencho estava tomando o trono.

Jalisco é, de muitas formas, o típico estado mexicano. A música mariachi, a tequila e os sombreros nasceram ali. O lema do lugar é: “Jalisco é o México”. Durante décadas, a região foi uma zona neutra para os cartéis: muitos narcotraficantes ricos tinham casas na capital, Guadalajara – uma cidade colonial apelidada de “Pérola do Oeste” –, e cidades litorâneas como Puerto Vallarta eram o lugar preferido para férias não apenas dos senhores das drogas, mas também de políticos mexicanos.

No entanto, Jalisco também é um território tremendamente importante para o comércio de drogas. Como a segunda maior cidade do México e grande centro financeiro e de transportes, Guadalajara oferece muitas oportunidades para lavagem de dinheiro e recrutamento. Jalisco também fica perto dos dois maiores portos marítimos do país, Manzanillo e Lázaro Cárdenas – o que é útil para embarcar cargas com várias toneladas de drogas. “Se eu tivesse de escolher um fator principal [que permitiu a ascensão de Mencho]”, diz o agente especial Kyle Mori, da divisão de campo do DEA em Los Angeles, “é que ele teve uma tremenda vantagem geográfica”.

Em um relatório diplomático de 2008 (“Cidade Química: Guadalajara, Jalisco e o Comércio de Metanfetamina”), um oficial norte-americano detalhou como Jalisco tinha se tornado o centro mexicano das drogas sintéticas. Diferentemente da heroína ou da maconha, a metanfetamina não exige grandes terrenos nem clima bom – só áreas isoladas para construir laboratórios. Guadalajara também tinha uma próspera indústria farmacêutica, com químicos jovens cheios de know-how técnico. Além disso, havia os portos do Pacífico, que permitiram ao CJNG trazer clandestinamente grandes quantidades de bases químicas da Índia e da China e contrabandear o produto final. “Eles foram um dos primeiros a adotar de maneira massiva a metanfetamina”, afirma Scott Stewart, analista do Stratfor, serviço de inteligência privado. “Também entendiam a economia: diferentemente da cocaína, que tinham de comprar dos colombianos, com a metanfetamina eles ficavam com a maior parte dos lucros.”

Só que, segundo um analista do DEA, “o problema com o pessoal de metanfetamina é que eles são desequilibrados”. Comparados aos cartéis mais estabelecidos, Mencho e o CJNG eram “caipiras, gente tacanha que ganhou reputação esmagando pseudoefedrina”, diz o analista. “Eles não precisavam fazer social com fornecedores bolivianos ou voar até a América do Sul para fechar negociações internacionais. Não são sofisticados. São muito brutos.”

No entanto, enquanto Mencho rapidamente construiu seus negócios, as operações ficaram mais complexas. Ele investiu pesadamente em submarinos, que usou para trazer narcóticos da América do Sul (segundo o ex-agente do DEA, até contratou engenheiros navais russos para ajudar a projetar os submarinos), enquanto evitava investigações dos Estados Unidos ao se concentrar em mercados como a Austrália, onde um 1 kg de cocaína pode render o quádruplo do preço em solo norte-americano. Mencho também empregou técnicas mais mundanas, como usar modelos para contrabandear drogas. De acordo com o ex-agente de campo, traficantes do CJNG posavam de fotógrafos de moda, falsificando até as credenciais, e voavam para o México com mulheres da Colômbia e da Venezuela. As autoridades ficavam tão distraídas com elas que as drogas entravam sem problemas.

Paralelamente, o criminoso impulsionava seu poder usando corrupção e intimidação. Membros capturados do CJNG testemunharam sobre como ele odeia desobediência e gosta de fazer suas vítimas implorarem perdão antes de matá-las. “É um homem que executa uma família inteira baseado em pouco mais do que um boato”, afirma uma fonte. “Não tem consideração nenhuma pela vida humana.” Segundo uma fonte que conheceu Mencho, ele é um homem de negócios frio que não bebe, não tem amantes, como outros líderes de cartel, e não confia em quase ninguém.

O ex-agente de campo diz ter ouvido várias ligações grampeadas de Mencho falando com funcionários do cartel. “Esses homens também são assassinos e estavam com medo”, afirma. “Ele ficava dando ordens. Acho que não ouvi nenhuma ligação em que estivesse calmo, mas não estava de cabeça quente. A gritaria era muito controlada. Ele sabia o que estava fazendo.”

A ferocidade de Mencho inspirou uma devoção voraz de suas tropas. “Uma vez, houve um grande tiroteio em uma feira”, lembra o ex-agente. “Alguém jogou uma granada e alguns rapazes [do CJNG] se jogaram sobre ela para evitar a morte de Mencho.” Segundo o agente, a impiedade de Mencho também dificultou o recrutamento de informantes contra ele. Em determinada ocasião, um homem chegou perto de ajudar a polícia – tinha um endereço do traficante –, mas quando o cartel percebeu que ele estava espionando, o sequestrou junto a seu filho adolescente. “Acharam o corpo do pai um mês depois”, conta o agente. “Ele tinha sido torturado. O garoto nunca foi encontrado.”

Mencho ainda comprou policiais. O governador de Jalisco, Aristóteles Sandoval, disse que, quando assumiu o cargo, a “maior vulnerabilidade [do estado] era a infiltração do crime organizado” em suas forças policiais. Segundo uma reportagem da agência Reuters, a certa altura o CJNG tinha mais de metade da polícia de Jalisco na folha de pagamento – alguns ganhavam mais que o quíntuplo do salário que recebiam do governo. E Mencho aterrorizava os policiais que não conseguia comprar.

De acordo com o ex-agente de campo do DEA, o CJNG inspirou um nível extraordinário de medo na polícia mexicana, muito maior do que o inspirado pela maioria dos cartéis.

Uma ligação recentemente divulgada mostra a informalidade com que Mencho faz ameaças. Na gravação, ele pode ser ouvido falando com um comandante de polícia local (“Delta Um”) cujos subordinados aparentemente estavam sendo zelosos demais para o gosto de Mencho. Uma transcrição resumida:

Mencho: Delta Um?

Comandante: Sim, quem fala?

M: Escuta, filho da puta. Aqui é o Mencho. Diga para seus homens não se meterem ou vou te foder, sério. Mato até a porra dos seus cachorros, filho da puta.

C: Sim, senhor. Vou falar para recuarem –

M: Não desliga na minha cara, filho da puta. Sei onde você está – acabou de sair de Chapala [bairro rico de Guadalajara].

C: Não, senhor, não estou desligando. Vou falar para recuarem –

M: Achei que você tivesse dito que nos daríamos bem, filho da puta. É melhor você embarcar nessa ou será o primeiro a cair fora, entendeu?

C: Não, senhor, não precisa fazer isso. Não precisa fazer isso.

M: Se quiser amizade, sou um ótimo amigo, mas, se não quiser, vá se foder.

C: Senhor, o senhor me conhece. Sabe que sou seu amigo. Vou fazer algumas ligações agora mesmo. Eu te retorno neste número –

M: Não, não, não. Não ligue para este número. Eu ligo. E, se desligar esta linha, vou interpretar isso como [um sinal] negativo.

C: Sim, senhor. O senhor me conhece, senhor. Sabe que há respeito.

M: Ok, então. Desculpe os palavrões.

Duas horas ao sul de Puerto Vallarta, em um trecho cintilante do Pacífico chamado de Costalegre (“Costa Alegre”), está o resort cinco estrelas Hotelito Desconocido (“Hotelzinho Desconhecido”, em português). Formado por 20 bangalôs com telhado de palha abrigados em meio a um paraíso de aves protegido pela Unesco, o estabelecimento já apareceu no The Wall Street Journal e cultivava um ar de luxo e discrição: estrelas de Hollywood, como Sandra Bullock, Julia Roberts e Blake Lively, já teriam passado por lá.

Infelizmente para os proprietários do Hotelito, em agosto de 2015 ele foi fechado pelo governo mexicano depois que oficiais norte-americanos declararam que o estabelecimento servia de fachada para o cartel. Segundo investigadores dos Estados Unidos, a propriedade tinha elos profundos com o CJNG e sua organização-irmã, Los Cuinis – um grupo de tráfico afiliado liderado pelo cunhado de Mencho, Valencia. Os cartéis teriam usado o hotel para lavar dinheiro e realizar reuniões secretas; o estabelecimento fica perto de Tomatlán, a mesma cidade onde Mencho serviu como policial. A dona do Hotelito – cunhada de Mencho – foi presa no Uruguai com o marido, depois que o Panama Papers revelou que os dois tinham milhões em patrimônio ilegal.

A Agência de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro dos Estados Unidos, ou Ofac, foi responsável pelo desmascaramento do Hotelito. “Nosso trabalho é semelhante ao de qualquer agente da lei – só que não prendemos as pessoas”, diz um investigador do Ofac. Em vez disso, quando o órgão suspeita de alguém apoiando um cartel, pode “indicar” essa pessoa sob a lei de designação de chefes do narcotráfico Kingpin Act, congelando patrimônio e, essencialmente, bloqueando o suspeito no sistema financeiro. O Ofac acrescentou Mencho à sua lista negra financeira em 2015 e, em uma série de ações desde então, expôs uma ampla teia de empresas relacionadas ao CJNG, incluindo uma companhia agrícola, uma empresa de publicidade, um negócio de aluguel de imóveis para temporada, uma marca de tequila e uma cadeia de restaurantes japoneses.

“A ideia é espremer Mencho por meio de seus parceiros de negócio”, diz o investigador. “Ao colocar coisas na lista, meio que jogamos um holofote e dizemos: ‘O dono dessa empresa na verdade é um laranja para El Chapo ou El Mencho e vem lavando dinheiro há 20 anos – então você provavelmente não deveria estar fazendo negócio com ele’.”

Enquanto o Ofac fazia pressão financeira sobre Mencho, agentes da lei mexicanos também estavam aprimorando a caçada. Várias chances já haviam sido perdidas: em março de 2012, o exército do país (conhecido pela sigla Sedena) invadiu um prédio de apartamentos em Guadalajara, onde acreditava que Mencho estava se escondendo. Houve um tiroteio, mas o traficante conseguiu fugir. Alguns meses depois, a polícia federal mexicana montou outra operação, atacando um complexo rural do CJNG com cinco helicópteros Black Hawk; na troca de tiros que se seguiu, seis membros do CJNG foram mortos. Houve relatos falsos de que Mencho tinha sido capturado pelo governo. Segundo uma fonte do DEA, “eles o perderam em questão de minutos”.

Na primavera seguinte, o CJNG provocou as autoridades com uma coletiva de imprensa falsa veiculada no YouTube, com 50 mercenários usando touca ninja e colete à prova de bala diante de uma imensa faixa do CJNG. No final, um porta-voz entregou uma mensagem do “el señor”, o Mencho: “Podem latir, cães”, disse em espanhol, “mas enquanto latem saibam que estou avançando”.

Então, Mencho declarou guerra. Em 19 de março de 2015, um destacamento da polícia federal estava de tocaia em uma cidade de Jalisco chamada Ocotlán quando atiradores do CJNG realizaram uma emboscada, matando cinco policiais. Duas semanas depois, em Guadalajara, o cartel tentou assassinar o comissário de segurança pública do estado, Alejandro Solorio, atingindo a picape blindada dele com mais de 200 balas. “Quando tentamos revidar, jogaram duas granadas em nós”, Solorio contou mais tarde.

Na semana após a Páscoa, houve o grande ataque. Um comboio da polícia de elite Fuerza Única estava indo de Puerto Vallarta para Guadalajara quando – por volta das 15h, em uma estrada de montanha sinuosa e com pista dupla – encontrou um carro incendiado bloqueando a passagem. O comboio parou e foi aí que o CJNG atacou, bombardeando os policiais com metralhadoras e lançadores de granadas. Quinze oficiais foram mortos no banho de sangue – foi o dia mais mortal das forças policiais mexicanas em uma década. Ninguém do CJNG morreu.

Algumas semanas depois, o Exército mexicano revidou com a Operação Jalisco. Na escuridão antes do amanhecer da sexta-feira, 1º de maio, um destacamento de tropas de paraquedistas de elite do Sedena e da polícia federal – transportados por dois helicópteros EC-725 “Super Cougar” – pousou em um rancho no sudoeste de Jalisco onde se acreditava que Mencho estivesse escondido, mas, novamente, o cartel estava aguardando. Enquanto os primeiros soldados desceram de um helicóptero, homens armados em caminhonetes blindadas e usando uniformes camuflados com os dizeres “Alto Comando das Forças Especiais do CJNG” abriram fogo com fuzis automáticos e lançadores de granadas fabricados na Rússia. Um dos rotores do helicóptero foi atingido e ele caiu em chamas. Oito soldados e um policial foram mortos. O único sobrevivente, um oficial de inteligência chamado Iván Morales, sofreu queimaduras em mais de 70% do corpo.

O ataque representou um marco mortal: a primeira vez em que uma aeronave militar mexicana foi destruída por um cartel. Nas horas seguintes, Mencho duplicou o terror, incendiando dezenas de caminhões, ônibus, postos de gasolina e bancos em todo o território de Jalisco, bloqueando o trânsito e deixando o estado de joelhos. O consulado dos Estados Unidos alertou seus cidadãos para procurarem abrigo onde estavam; o governo mexicano teve de enviar 10 mil homens para a segurança do estado. Segundo o ex-agente do DEA, o caos foi elaborado para ajudar Mencho a fugir – uma tática que o cartel supostamente aprendeu com comandos israelenses. “Ouvi falar de encontros de israelenses com eles – atiradores e tal”, diz. “É um uso técnico de força que nunca foi visto em cartéis mexicanos.”

De todas as plazas de drogas do México, provavelmente a mais valiosa é Tijuana. Quase todo o tráfico para o sul da Califórnia passa pela cidade e dali é uma viagem fácil pelo oeste dos Estados Unidos até Los Angeles, São Francisco, Las Vegas, Phoenix, Denver, Chicago ou mesmo até o Canadá. Cerca de US$ 225 milhões em narcóticos são apreendidos no corredor do DEA em São Diego todo ano – sem dúvida apenas uma fração do que passa. Ter o controle de Tijuana significa ter nas mãos um negócio bilionário.

Até poucos anos atrás, a cidade estava firmemente sob as garras do Cartel de Sinaloa, mas por volta de 2013 o CJNG começou a abrir passagem. Segundo a jornalista Adela Navarro, o discurso de recrutamento do grupo era simples: “Junte-se a nós ou te mataremos”. Um tenente do cartel que foi capturado e havia lutado contra Mencho descreveu uma estratégia parecida: “Todos os que vendiam drogas foram sequestrados ou mortos”, disse. “Se você estivesse trabalhando, começava a trabalhar para ele – caso contrário, já era” (ele ainda acrescentou: “É uma porra de uma guerra sem fim e sem objetivo”).

Adela, uma bela mulher que não leva desaforo para casa, é editora do ZETA, premiado jornal investigativo de Tijuana. Ela diz que, em 2015, o Sinaloa e o CJNG tinham chegado a uma estranha paz na cidade – dividindo áreas, rotas de tráfico e até mesmo oficiais corruptos, então não estavam se matando (“Basicamente, fizeram um acordo comercial”, afirma Kyle Mori). Tijuana era um microcosmo do país: naquele verão, Tomas Zerón, chefe da Agência de Investigação Criminal do México (equivalente local ao FBI), declarou: “Só restam dois cartéis no México: Sinaloa e CJNG”.

Mencho seguiu avançando. Há sinais de que ele está penetrando ainda mais em outros territórios do Sinaloa, incluindo Baja California, Sonora e até o próprio estado natal de Chapo, Sinaloa. No entanto, também há indícios de que o cerco esteja ficando mais apertado. Em dezembro de 2015, um irmão de Mencho, o suposto chefe financeiro do CJNG Antonio “Tony Montana” Oseguera, foi preso em Jalisco. O segundo homem no comando do CJNG – o próprio filho de Mencho, Rubén Oseguera Jr., conhecido como “Menchito” – também foi preso e, em dezembro passado, indiciado em um tribunal federal dos Estados Unidos. Vários chefões de plazas do CJNG também foram capturados ou mortos. Em março, o México aceitou extraditar Valencia, o cunhado de Mencho, para os Estados Unidos sob a mesma acusação feita a Mencho.

Se Mencho for capturado amanhã, os Estados Unidos provavelmente pedirão sua extradição, como fizeram com Chapo. A essa altura, caberia ao México aceitar. Mori, por exemplo, espera que aceite: “Há esta concepção errônea entre agentes do DEA de ‘tirei US$ 3 milhões desse cara, é um puta bom negócio’”, conta. “Acredite, não é. Para esses criminosos, esse é o custo desse tipo de operação. A única coisa com a qual eles se importam – a única – é a extradição para os Estados Unidos.”

Só que o ex-agente de campo do DEA duvida que chegará a esse ponto. “O Mencho é tão assassino”, diz, “que eu ficaria surpreso se o capturassem vivo”.

Enquanto isso, segundo Mori, “estamos basicamente só procurando por ele”. Qualquer operação para pegar Mencho é de responsabilidade do México – os Estados Unidos “só podem aconselhar e dar assistência e espero trabalhar com eles em uma operação bilateral, mas não é preciso dizer que, a esta altura, não tivemos muitas oportunidades boas para prendê-lo”.

Ele suspeita que Mencho esteja se escondendo em alguma área montanhosa, provavelmente em Jalisco ou Michoacán. “Acho que ele se sente seguro naquele terreno que conhece bem”, afirma. “Acho que é extremamente seletivo quanto a com quem conversa e quem encontra. Acho que se movimenta muito e que tem dinheiro e homens quase ilimitados. E quando você tem essas coisas pode aguentar por muito tempo.”

Consequência Brutal

Prisão de El Chapo abriu espaço para a selvageria de El Mencho

Desde a recaptura do traficante El Chapo em janeiro de 2016, a taxa de homicídios em Tijuana explodiu. No ano passado, aumentou 36%; os 910 assassinatos na cidade foram o recorde de todos os tempos (para comparar, a cidade de Chicago, nos Estados Unidos, teve 762 homicídios em 2016 e tem o dobro da população). Rosario Mosso, editora do jornal Zeta responsável por acompanhar os assassinatos em Tijuana, lembra que o acúmulo de vítimas era mais rápido do que ela conseguia contar. “Uma depois da outra”, diz. “Corpos pendurados, cabeças cortadas.” Em março deste ano, as mortes atingiram um novo pico mensal – 121 pessoas. Se seguir nesse ritmo, Tijuana terá mais de 1.300 homicídios em 2017 – mais um ano recorde.

Adela Navarro, também editora do Zeta, diz que a situação não é tão ruim quanto foi em 2008, quando Sinaloa estava enfrentando o cartel Arellano-Félix e civis eram sequestrados e mortos à luz do dia. Desta vez, pelo menos até o momento, os assassinatos se concentraram na população criminosa de Tijuana. “Se você olhar para quem matam, são traficantes de drogas”, afirma Adela, “mas depois que você elimina seus inimigos, quem vem em seguida? Bom, a sociedade vem em seguida.”