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Entrevista RS: Billie Joe Armstrong

David Fricke | Tradução: Ana Ban Publicado em 12/04/2013, às 12h24 - Atualizado às 12h26

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<b>PERDIDO</b> “Achei que todo mundo estava entendendo a piada. Mas eu era a piada” - Danny Clinch
<b>PERDIDO</b> “Achei que todo mundo estava entendendo a piada. Mas eu era a piada” - Danny Clinch

"Esta é com toda a certeza a única entrevista que vou dar a respeito disto", Billie Joe Armstrong diz e se joga em um sofá. no estúdio do Green Day, em Oakland (Califórnia). “Eu não quero ser o tipo de cara que fala sobre vício. A última coisa que desejo é que alguém sinta pena de mim.”

Armstrong, vocalista/guitarrista e principal compositor do Green Day, está começando o segundo dia de conversa sincera a respeito dos últimos seis meses que viveu: o ataque violento durante a apresentação do Green Day no I Heart Radio Music Festival, em Las Vegas, em setembro de 2012; o período de desintoxicação devido a alcoolismo e vício em remédios; uma turnê cancelada e o efeito desastroso sobre as vendas dos três novos álbuns do Green Day, ¡Uno!, ¡Dos! e ¡Tré!; e as provações severas à amizade da vida toda com o baixista Mike Dirnt e o baterista Tré Cool.

“Eu nunca reavaliei essas coisas, de jeito nenhum”, Armstrong reconhece, enquanto arranca pedaços de um muffin. Há pausas frequentes e reflexivas na conversa, como se ele ainda estivesse tateando o caminho para escapar dos problemas. Também há uma impaciência saudável na voz enquanto reflete sobre as provações, o efeito sobre a família – a mulher, Adrienne, e os filhos adolescentes, Joseph e Jakob – e o futuro imediato. O Green Day voltou para a estrada em março, apresentando-se em grandes arenas da América do Norte, para então encarar estádios na Europa e festivais até agosto.

“Depois de nossa primeira entrevista, eu pensei: ‘Nós falamos tanto sobre vício...’”, ele diz. “Porra, eu sou maior do que isso, melhor do que essa merda. Isso é um incidente. Aconteceu. O resto é história. Tenho muita coisa importante a fazer. Tenho minha família para cuidar. Tenho minha banda. Sou uma pessoa de ideias loucas. Sempre vou ser. E isso vai encobrir qualquer coisa relativa aos meus problemas com vício.”

Usando um chapeuzinho, jeans preto justo com um rasgo no joelho e lápis de olho cor de carvão, Armstrong, que completou 41 anos em 17 de fevereiro, ainda tem a aparência de um jovem punk e se agita no sofá como tal; ele é o moleque capeta por trás dos maiores álbuns do Green Day: o primeiro sucesso em 1994, Dookie, e a ópera-rock de 2004, American Idiot. Mas o Armstrong que apareceu em Las Vegas em 21 de setembro, para o show I Heart Radio, era um desastre: estava movido a uma combinação arrasadora de comprimidos para ansiedade e insônia, somada a um longo histórico de bebida pesada.

No backstage, antes do show, “eu o puxei de lado”, Mike Dirnt lembra, “e disse: ‘Meu, você precisa parar de encher tanto a cara, porra’. E, no minuto em que pisei no palco, pensei: ‘Isto não vai ser nada bom’. Somos conhecidos como uma banda bem coesa. E ele nãoconseguia tocar a guitarra.” Em vez de fazer música, Armstrong despedaçou o instrumento depois de um discurso cheio de palavrões contra o evento e o tempo curto do set. Em 24 de setembro, Armstrong deu início a um programa de desintoxicação sem internação de um mês de duração.

Muitas dessas coisas remontam a 21st Century Breakdown [disco de 2009]”, Armstrong confessa. "Houve ataques enormes naquela turnê.” Em um show no Peru, em 2010, durante um discurso inflamado contra a tecnologia, Armstrong berrou: “Mal posso esperar para Steve Jobs morrer de câncer”. Jobs morreu um ano depois. “Foi uma coisa idiota de verdade”, Armstrong diz, se encolhendo. “Um monte dessa merda estava rolando.”


Durante a desintoxicação, Armstrong só teve o que descreve como “semicontato” com Dirnt e Cool. “Escrevi algumas cartas para ele e Adrienne para explicar como eu me sentia, como estava preocupado e orgulhoso dele”, diz Dirnt, 40 anos. Algum tempo depois, como Armstrong relata, os dois amigos – que tocam juntos desde os 12 anos – se esbarraram sem querer, tomando um café. “Billie me pediu desculpas do fundo do coração”, Dirnt diz. “Éramos apenas nós, dois amigos em um banco de parque. Espero estar em um banco de parque com ele quando eu for velho, dando comida aos pombos e conversando.”

Armstrong caracteriza seu regime de desintoxicação como “meditação por meio de oração”, combinada a reuniões e senso de noção a respeito de limites. “Vamos começar esta turnê nos assegurando de que vamos fazer de tudo para que todos se sintam saudáveis, seguros e felizes”, diz. Ele já começou a escrever músicas novas e menciona dois marcos que estão para acontecer em 2014: o aniversário de 10 e de 20 anos, respectivamente, de American Idiot e Dookie. “Temos isso para considerar”, ele fala e ri.

No final da segunda parte da entrevista, pergunto se ele deve mais um pedido de desculpas: aos fãs do Green Day, que presenciaram o ataque ou leram a respeito. “Eu decepcionei todo mundo”, ele responde. “O negócio em Vegas... algumas pessoas adoram, algumas pessoas odeiam. Sei que não vou reviver isso. Esse é um lado meu que não quero que os fãs vejam nunca mais”, afirma.

“Quero fazer bons shows”, ele diz. “Quero ser confiável. E o nosso plano é que sejamos confiáveis.”

Quando nos falamos em junho passado, durante a mixagem dos novos álbuns, você me pareceu normal. Como estava se sentindo?

Para ser sincero, eu estava bem feliz. Aquela foi uma das vezes em que eu mais me diverti gravando. Foi um projeto grande e divertido, com muita camaradagem. Logo após termos mixado os discos, descobri que minha tia tinha morrido. Eu precisava voltar para casa. Ajudei o meu primo a pagar o enterro. A minha tia – irmã da minha mãe – era uma grande presença na família. Aquilo me afetou bastante.

Daí comecei a ficar sobrecarregado. Estávamos fazendo divulgação à imprensa todos os dias. Tinha a turnê. Estávamos pensando em outra turnê depois daquela. Eu estava com compromissos demais e exausto. Pensei: “Meu Deus, eu estou me sentindo assim e o [primeiro] disco ainda nem saiu”.

Que drogas você estava usando?

Não quero dizer. Eram remédios prescritos – para ansiedade e para dormir. Comecei a combinar tudo até um ponto em que eu não sabia mais o que estava tomando durante o dia e o que estava tomando de noite. Era só uma rotina. A minha mochila parecia um chocalho gigante [com os frascos de pílulas dentro].

Quanto você considera “beber muito”?

Algumas pessoas podem sair, tomar dois drinques, continuar ou ir embora. Eu não conseguia prever onde ia acabar no fim da noite. Acordava em uma casa desconhecida, em um sofá. Eu não me lembrava [de como]. Era um apagão completo. Estou tentando ficar sóbrio desde 1997, bem na época do [disco] Nimrod. Mas eu não queria fazer nenhuma reabilitação. Às vezes, quando você é bêbado, pensa que pode encarar o mundo todo sozinho. Esta foi a última gota. Eu não tinha mais escolhas.

A bebida era uma parte importante da imagem do Green Day – três caras fazendo música punk ao redor de garrafas de cerveja.

Ou fumando. Nós éramos totais maconheiros – e daí que vem [o nome] Green Day. Nós sempre bebemos. Nossas bandas preferidas bebiam. Por termos sido criados perto de Gilman Street [casa de shows de Berkeley que é uma ONG e não serve álcool], nós bebíamos no matinho até termos idade para entrar em bares.


Eu já toquei muitas vezes totalmente bêbado. Tomava entre duas e seis latas de cerveja, mais um par de doses de qualquer coisa, antes de subir no palco. Daí fazia o show e passava o resto da noite bebendo no ônibus. Caía no sono, acordava, me sentia uma merda, fazia a passagem de som... Era a mesma coisa todo dia. Desse modo, eu era um alcoólatra funcional.

Houve algum sinal de alerta antes disso?

Houve um incidente na Inglaterra. Estávamos fazendo alguns shows por lá. Eu estava no meu auge de tomar comprimidos, me medicando até não poder mais porque não conseguia dormir.

Uma noite, liguei para um amigo que estava no hotel, no quarto vizinho. Eu disse: “Venha aqui, vamos tomar um café”. Eram 7h da manhã, eu fiquei tipo: “Acabei de tomar um monte de coisa, não consigo dormir”. Era uma conversa normal, igual à que estamos tendo agora. Depois, eu estava no meu quarto e recebi uma mensagem de texto do meu empresário: “Desça aqui, precisamos conversar sobre o Reading Festival”.

Eu desci, ele estava lá sentado e disse: “Vamos embarcar em um avião. Vamos cancelar o resto desta turnê e você vai para uma clínica de desintoxicação”. Eu fiquei tipo: “O quê? De que porra você está falando? Não vou fazer isso”. Chegamos ao teatro de Londres em que íamos fazer o show e eu disse: “Não quero cancelar estes shows. Isto simplesmente não pode acontecer. Vou dizer como vai ser. Assim que chegarmos em casa, quando acabarmos com a imprensa e tudo o mais, depois do I Heart Radio, na semana seguinte, eu vou para a desintoxicação. Mas não posso cancelar nenhuma destas merdas agora”. Acontece que eu me adiantei uma semana à agenda.

Uma semana antes, eu vi o Green Day em Nova York. Foi um show ótimo – 40 músicas em três horas. Você também parecia estar bebendo muito, e me lembro de pensar: “Ele facilmente poderia perder o controle aqui”.

Era o friozinho na barriga que dá em Nova York. Virei quatro ou cinco cervejas antes e devo ter tomado quatro ou cinco enquanto tocávamos. Depois, bebi o equivalente ao peso do meu corpo em álcool. Acabei de ressaca estirado em uma pracinha.

Há muitos shows em que com certeza fico no limite do que é controle e do que não é. Eu gosto da sensação, é como se estivesse caminhando no ar. É igual a voar. Mas aquele show também foi no dia do 30º aniversário de morte do meu pai. [Andrew Armstrong morreu de câncer em 1982, quando Billie Joe tinha 10 anos.] Aquilo estava pesando. Terminamos com “Wake Me Up When September Ends” [escrita a respeito do pai dele]. Foi uma noite bem pesada.

Mas, em Las Vegas, você perdeu o controle.

Assim que pousei lá, eu já estava de mau humor. Para ser sincero, boa parte disso estava relacionada a definir o set list. Eu devia ter pensado naquilo como se fosse um programa de TV, não um show. Eu perguntava a Adrienne: “O que você acha deste set list?” Aí eu mandava uma mensagem de texto para Mike: “O que você acha disto?” Eu me lembro da sensação de: “Que porra eu estou fazendo aqui?” Fiquei puto da vida. Fui ao lugar onde [o guitarrista] Jason White estava almoçando e tomando uma taça de vinho. Eu estava tentando não beber. Mas eu já estava cheio de remédios. Falei: “Acho que vou tomar um pouco de vinho”. E, em certo ponto durante aquele período, eu simplesmente [estalava os dedos] fui. Apaguei.


Lembro-me de coisas minúsculas: de chegar ao lugar do show, de estar no backstage, de tentar clarear as ideias. Eu me lembro de ver o sinal de 15 minutos clicando na minha frente... clique, clique, clique. Então saí e passei o resto da noite enchendo a cara. Na manhã seguinte, acordei. Perguntei para Adrienne: “Foi muito ruim?” Ela respondeu: “Foi ruim”. Liguei para o meu empresário. Ele disse: “Você vai entrar em um avião, vai voltar para Oakland e vai para uma clínica imediatamente”. Eu respondi: “Tudo bem”.

Quanto tempo você achava que devia tocar?

Eu ouvi 15 minutos, Adrienne parecia pensar que era meia hora. Nós costumamos tocar duas horas e meia, três horas. Eu mal fico suado em 15 minutos. Eu devia só ter tocado algumas músicas e ido embora.

Minha irmã, Anna, estava assistindo [pela internet]. Ela ligou para a minha mãe, que estava lá. Ela ficou tipo: “O que está acontecendo?” A minha mãe respondeu: “Ele está bêbado!” [ri, envergonhado]

Você se lembra do que fez ou disse no palco?

Não. As pessoas ficam me lembrando um pouco ou vejo fotos. E isso me deixa muito enjoado. O que eu disse ou fiz... não é o que me incomoda. É o fato de que não era eu. Não sou aquela pessoa. Não quero ser assim.

Eu bebo e apago. Foi basicamente isso o que aconteceu. Às vezes as pessoas falam sobre o assunto, e eu respondo: “É, é”. Mas é como se fosse amnésia.

Você pensou em assistir às imagens como parte da desintoxicação?

Não. Não posso fazer isso. Aquele foi meu último gole. E isso é bom... o fato de estar documentado. Sempre que eu tiver vontade de beber, posso pensar naquilo.

Seus filhos compram discos? Ou eles baixam música e usam serviços de streaming?

Eles mexem com esse negócio do iTunes. Mas tive a melhor das experiências com o meu filho mais novo. Eu estava instalando uma vitrola nova. Tirei a velha e disse: “Ei, Jakob, quer uma vitrola?” Ele respondeu: “Quero!” Ele adora o Strokes, então eu peguei um disco deles e fomos para o quarto. Ele pegou o disco, levantou a agulha e perguntou: “Por onde eu começo? São essas linhas pequenas no meio?” [ri] Ele larga a agulha, a música começa... [Sorri] Foi tão bacana. Aquilo fez o meu ano.

Relate os primeiros dias de desintoxicação.

Eu fiquei com síndrome de abstinência. Foi pavoroso, ficar lá deitado no chão do banheiro, me sentindo igual a... [faz uma pausa] Eu não percebi o quanto aquilo tinha me afetado. E não são as coisas que estão imediatamente no seu sistema. Remonta a todo o tempo que você usou. Estava tudo saindo. Passei por tanta merda. Até quando começou a segunda semana, fiquei tipo: "Eu não pertenço a este lugar”. A parte mais doente é que eu queria que todos os narcóticos saíssem do meu corpo para eu poder começar a beber. Mas essa é a insanidade da coisa toda. Você inventa desculpas. Você racionaliza.

Você falava com Mike ou Tré enquanto estava em desintoxicação?

Havia um semicontato. Acho que Tré ficou assustado. Durante um tempo, a vida ficou séria de verdade. Mike estava muito puto. Bem quando eu cheguei em casa, depois de tudo, ele disse um monte de coisa: “Você está me assustando. Você está fodendo sua vida. Está fodendo a vida de todo mundo. Precisa tomar jeito”. O melhor de tudo é que nós nos conhecemos há tanto tempo que podemos ser assim com o outro sem partir para força física. Depois de mais ou menos três semanas e meia [de desintoxicação], comecei a ir a uma loja de donuts para tomar café. E, claro, um dia aparece ali Mike Dirnt, caminhando pela rua. Nós nos sentamos e tivemos uma conversa ótima. Somos amigos desde os 10 anos. Às vezes o Green Day fica no meio disso, por girarmos tanto em torno da banda.


Foi difícil para a sua mulher e filhos assistirem à sua síndrome de abstinência?

Eu consegui ficar bem afastado dos meus filhos. Os meus cachorros ficavam me olhando, imaginando como eu estava. Eles são capazes de sentir essas coisas. Eu poderia ter me internado, mas assim eu podia ficar perto das minhas pessoas queridas. E a minha mulher não bebe. Nunca bebeu. Ela não gosta do gosto nem do cheiro.

Ela também foi a sua enfermeira?

Não. Contratei uma enfermeira para ir lá e ter certeza de que eu não estava tendo convulsões e coisas assim. Mas Adrienne é uma mulher forte. Ela sabia o que estava acontecendo. Tenho certeza de que foi difícil para ela me ver passar por isso. Ao mesmo tempo, acho seguro dizer que houve algumas escolhas que ela precisou fazer.

Como o que, por exemplo?

Será que eu ia ser chutado para a sarjeta? Tenho certeza de que a ideia passou pela cabeça dela – que se eu não ficasse sóbrio, havia a possibilidade de eu perder tudo. Eu também podia ter perdido a banda. Eu não me dei conta do quão destrutivo era. Achei que todo mundo estava entendendo a piada. Mas eu era a piada.

As letras de ¡Uno!, ¡Dos! e ¡Tré! são carregadas de referências a excessos e à crise da meia-idade. “Amy” é sobre Amy Winehouse. Você escreveu “X-Kid” sobre um amigo que nunca descobriu como ser um punk de meia-idade. Você estava escrevendo essas músicas sobre si mesmo de maneira consciente?

Estava. O cara de “X-Kid” morreu dos mesmos vícios que eu tinha. ¡Uno! com certeza representa a noção de: “seja jovem, seja livre”. O segundo álbum é sobre a crise da meia-idade: “quero viver perigosamente, porque ainda não corri perigo suficiente”. E o terceiro é uma reflexão sobre a realidade. Eu tenho vivido assim a minha vida toda, desde os 17 anos.

Você estava sóbrio quando escreveu “Amy”?

Estava usando remédios pesados. Estava sóbrio, mas não com a mente clara. Ver como as coisas aconteceram com ela... algo me levou a escrever aquela música. Não escrevo com muita frequência sobre pessoas que morreram. Acho que fiz isso três vezes: “X-Kid”; aquela sobre o meu pai, “Wake Me Up When September Ends”; e “Amy”. De uma maneira estranha, estou quase dessensibilizado pela morte, porque aprendi sobre ela quando era bem pequeno. Tenho uma família que é bem mais velha do que eu, e muitos amigos que cometeram suicídio, se envolveram em acidentes por estarem bêbados, se enforcaram. A morte sempre esteve presente na minha vida. [Faz uma pausa e sorri] Isso soa engraçado mesmo.

Mas, olhando para trás, eu escrevo sobre vício desde sempre. Tem este outro lado meu que diz: “Eu disse para você que esta merda ia acabar mal. Você não queria levar a sério, porra”.

Você pode citar exemplos em que estava escrevendo de maneira mais autobiográfica do que as pessoas desconfiavam?

“Hitchin’ a Ride” [de Nimrod] é uma. “Lazy Bones”, de ¡Dos! – esta música me faz ficar com os olhos cheios de lágrimas, só de pensar. “Little Boy Named Train” [de ¡Tré!] – esta música é tão eu. É sobre estar perdido. Quando eu era criança, eu sempre saía por aí e não sabia onde estava. Ou me perdia em pensamentos.


Tré Cool uma vez descreveu você como “talentoso e atormentado” – disse que o seu cérebro é “igual a 18 gravadores tocando simultaneamente em um círculo”. Isso significa que você é capaz de compor três álbuns ao mesmo tempo.

Também significa que eu poderia ser um canalha mal-humorado e um bêbado descontrolado. Essa estática é o motivo pelo qual usei drogas: para fazer parar. Agora preciso achar outro jeito de fazer parar.

Há histórico de alcoolismo na sua família?

Na verdade, não quero falar sobre isto. [Longa pausa] Só vou dizer que fui criado em uma casa cheia de amor e de caos. Eu me lembro de ter visto. Eu sabia que existia. Mas, a certa altura, parei de tentar me importar com isso.

Quando você finalmente se sentiu à vontade com o estrelato?

Na época de Insomniac, eu tinha medo de andar no palco. Eu era acanhado assim. Daí, durante Nimrod, comecei a beber de verdade. Eu fiquei tipo: “Que se foda, eu vou mandar ver”. Comecei a erguer as mãos, fazer as pessoas baterem palmas. Percebi que era isso que elas queriam. Elas querem se divertir, e tudo bem ser um animador de torcida. Tudo isso culminou em American Idiot. Demorei 32 anos para realmente falar por mim mesmo e fazer as coisas com confiança.

Hoje é irônico o fato de o álcool ter ajudado?

Parece. Estávamos tocando em Austin, para 2 mil pessoas. Eu estava nervoso. Foi aí que resolvi beber antes dos shows. Começou com duas cervejas. Daí passou para muitas mais depois. Coragem líquida – fazia com que eu me soltasse e não estivesse nem aí.

Como um moleque do punk, como via as estrelas caídas do rock – Hendrix, Janis, Morrison? Você se projetava nos excessos e inseguranças deles ou considerava tudo fraqueza?

Eu adorava o Doors. Acho que Jim Morrison é o primeiro asstro do rock de verdade. Ele levou tudo para um nível superior, por ser poeta, ser detonado de maneira elegante. Ao foder com tudo, ele estava tentando alcançar uma nova consciência. Ele estava cantando [Charles] Bukowski. Mas é um lugar perigoso. Quando escuto aqueles álbuns, me dá vontade de foder com tudo. Principalmente uma canção como “Roadhouse Blues” – “I woke up this morning, got myself a beer” [Acordei hoje de manhã, peguei uma cerveja]. É o “foda-se” máximo para a sociedade, para a vida convencional. E você está fazendo isso por meio do alcoolismo. Houve momentos em que vivi de acordo com essas palavras – e quase morri por causa delas.

Você já voltou a escrever músicas?

Eu componho riffs. Crio melodias e escrevo aqui [ele pega o celular] e vou guardando. Vejamos... [Ele toca na tela do iPhone. Um riff de violão tosco sai do alto-falante] Coisas assim. Eu sempre escrevo letras.

Há diferença no que está escrevendo por causa de sua experiência recente? Existe algum tipo de álbum da “desintoxicação” a caminho?

É cedo demais. Não quero entrar de cabeça e me sobrecarregar. Só consigo lidar com uma música de cada vez. Só quero escrever boas canções que as pessoas adorem, e isso é algo difícil de fazer. Seria ótimo fazer outra ópera-rock, mas usando tecnologia mais low-fi. Adoro gravações com som ruim [sorri]. Adoraria fazer mais coisas com o Green Day que sejam 100% ao vivo. Às vezes fico achando que gostaria de ter gravado nossos últimos álbuns assim – aquela sensação de Exile on Main St., em que você só encontra alguns timbres bons e manda ver.

Uma coisa que não consigo é fazer algo meia-boca. Quero ter certeza de que está tudo certo, que a canção se realizou completamente. Acho que os primeiros discos do Ramones e do Clash... aquelas músicas são completamente executadas, bem tocadas.

Então você é capaz de se imaginar no Green Day... aos 50 anos.

Sou.

Aos 60?

Ah, sim. Sem parar!

Por acaso você, Mike e Tré estabeleceram regras e mudanças – como nada de álcool no camarim – para que você continue sóbrio?

Precisamos falar sobre isso. Todo mundo sabe que vai rolar... e o que vai impedir que eu volte a enfiar o pé na jaca, e que faça com que todo mundo fique contente ao mesmo tempo. Às vezes, não tenho certeza se estou pronto. A obsessão pelo álcool continua existindo. Tem também as noites sem sono. Mas eu preciso trabalhar nisso todos os dias. Porque eu sei o que acontece por aí. O que eu faço é oferecer uma festa enorme para as pessoas. Pelo menos 70% a 75% do público andou bebendo. Eu preciso olhar onde piso.

Da próxima vez que você ficar com vontade de beber, o que vai escolher no lugar do álcool?

Provavelmente vou sair correndo, pegar um táxi, voltar para o quarto do hotel e tomar um refrigerante. Provavelmente uma root beer. Eu adoro root beer.