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Garota do interior

Em 1998, antes de se casar com Tom Cruise e ser a mãe de Suri, Katie Holmes despontava para o mundo na série Dawson’s Creek

Jancee Dunn | rollingstone.com.br | Tradução J. M. Trevisan Publicado em 16/10/2012, às 10h25 - Atualizado em 17/10/2012, às 10h46

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Reportagem publicada originalmente na edição 795 da RS EUA (setembro de 1998)
Reportagem publicada originalmente na edição 795 da RS EUA (setembro de 1998)

A pior parte de assistir ao Discovery Channel é aquele instante antes do ataque-surpresa. Um antílope mastiga seu almoço calmamente enquanto o narrador diz: “Este rapazinho está aproveitando para fazer uma boquinha matinal nas planícies africanas”. Você sabe que o fim está próximo. Lembro disso quando me sento com Katie Holmes. Piedosamente, o ataque não demora para acontecer.

Katie está conversando sobre garotos e tudo mais. “Normalmente gosto de homens de cabelo escuro”, diz a estrela de 19 anos. “Não sei, é o que eu gosto. Alguém inteligente, mas que não seja exibido. Especialmente neste ramo. Você lida com tanta gente que tem essa necessidade de ser o centro das atenções, e é nauseante.’” Ela está relaxando em um restaurante em Wilmington, Carolina do Norte, que é um ponto frequentado habitualmente pelo elenco de Dawson’s Creek .

“Minhas amigas e eu conversamos sobre nossas histórias com caras pavorosos.” Ela hesita por um segundo. “Na verdade, tive muita sorte no ano passado e passei por uma experiência maravilhosa, incrível.” É aí que é hora de partir para o ataque. O que pode ser divertido quando você está armado com rumores de chiliques e outros comportamentos ridículos. Não é bom fazer isso com uma garota legal de Toledo, Ohio, questionando sobre sua “maravilhosa, incrível experiência”. Mas é preciso.

“Pelo que sei, essa sua experiência foi com Joshua Jackson, também conhecido como Pacey Witter (um dos personagens da série, melhor amigo de Dawson)”, digo, enquanto Katie encara o nada e depois enterra o rosto em suas mãos. Ela ergue a cabeça e dá uma inspirada trêmula.

“Só vou dizer que encontrei alguém no ano passado”, ela começa. “Me apaixonei, foi meu primeiro amor, e foi algo tão incrível e indescritível que vou guardar para sempre.” Ela pausa. “E que me sinto muito sortuda por tê-lo hoje como um dos meus melhores amigos. É estranho, agora é uma relação quase como a de Joey e Dawson.” E isso é tudo o que Katie vai dizer a respeito. Não, espera, tem mais uma coisa. “Ele está nesse ramo há tanto tempo, e me ajudou muito. Respeito-o como amigo e profissional.”

Certamente, o ano passado foi cheio para Katie Holmes, uma das quatro jovens estrelas de Dawson’s Creek. O drama adolescente, estrelado também por James Van Der Beek (Dawson), Michelle Williams (Jennifer) e Jackson, rapidamente se tornou o preferido entre garotas de 12 a 17 anos – e ajudou a audiência do canal Warner a subir 19% na última temporada. A série tem breves – mas francas – conversas sobre sexo (o piloto incluía uma discussão sobre a relação entre o comprimento do dedo e o tamanho do pênis dos garotos), uma porção de referências à cultura pop e tramas atuais.

Katie, que interpreta Joey Potter, a vizinha amiga de Dawson, é a estrela. Em uma série que não passa muito longe de ser uma versão de Knots Landing para adolescentes, Holmes traz uma nuance inesperada para o papel – sua personagem é alta e magra, vagamente consciente do poder de sua beleza, às vezes cruel e um pouco melancólica. Espantosamente, Dawson’s Creek é apenas seu segundo trabalho profissional como atriz, depois de sua estreia cinematográfica em Tempestade de Gelo, de Ang Lee. Hoje, Katie é uma veterana das telas.

Durante sua última temporada, ela não fez um, mas três filmes: Comportamento Suspeito, Tentação Fatal e a produção indie Vamos Nessa . Para ter uma ideia mais precisa do que este ano tem sido para Katie, considere que se fossemos consultar sua agenda há apenas um verão atrás, encontraríamos sua formatura na Notre Dame, uma escola de ensino médio católica só para garotas, em Toledo. Hoje, ela é tão ocupada que comprou uma casa em Wilmington sem sequer ver o imóvel.

Parte do apelo de Katie é que ela tem uma beleza clássica, muito mais adorável pessoalmente do que em fotos. Ela está sentada em frente do hotel em Wilmington, esperando uma visita para ir com ela ao shopping na cidade. Está de pernas cruzadas na grama, vestindo jeans, uma camiseta masculina com gola em V e um All Star cano baixo que deixa exposta uma faixa de sua canela bronzeada. Cabelo bagunçado e sem maquiagem, ela contrasta com a procissão de jovens atrizes cheias de laquê do circuito atual, jovem e saudável. “Oi”, ela diz, sorriso largo, levantando-se com seu 1,73 de altura. “Derrubei alguma coisa na minha camiseta. Deus, sou tão nerd.”

O que nos traz ao outro segredo do charme dela. Katie tem o tipo de virtude que parece fora de moda nestes tempos em que vivemos: modéstia, empatia, honestidade. É tão gentil e genuína que parece vinda de uma outra era, em que a mamãe ficava em casa e em que o papai gentilmente a ensinou a diferenciar o certo do errado, famílias ajudavam umas às outras e as pessoas iam à igreja aos domingos.

Kate Noelle Holmes nasceu em uma família barulhenta e unida, com pais que eram rígidos, mas carinhosos. “Fiquei de castigo algumas vezes”, conta, “mas só de gritarem comigo eu já ficava arrasada.” Sua mãe, Kathy, é dona de casa, e seu pai, Martin, é um respeitado advogado em Toledo. “Eu era a pequenininha que não desgrudava deles”, ela diz sobre suas três irmãs e um irmão. Ela está em um momento de folga em um dos sets de Dawson’s Creek que é basicamente um campo meio pantanoso nos arredores de Wilmington. Surrealmente, estamos sentados dentro da “casa de Joey”, que tem fotos verdadeiras de Katie criança espalhadas por todo lugar. “Eu adorava ser o bebê da casa”, ela afirma.

A garota teve uma infância feliz. Tão tranquila que, ao contrário de muitas outras crianças de sua idade, não teve pressa de crescer. “Costumávamos dormir na casa uma da outra”, diz a melhor amiga dela, Meghann Birie. “Brincávamos de Barbie o tempo todo. Lá para a 5ª, 6ª série, eu parei, mas Katie tinha um quarto cheio delas. Uma vez, ela deu uma festa para meninos e meninas e eu disse: ‘Sabe, talvez seja hora de deixar as bonecas de lado’. Nunca vi uma expressão tão triste na vida”.

“Sei que cresci muito inocente e protegida, mas gosto disso”, diz Katie, que até dois anos atrás tinha as paredes do quarto cobertas com pôsteres de Leo DiCaprio e Dean Cain. “Fico triste quando vejo crianças que passaram por muita coisa ainda muito jovens. Ainda estou aprendendo. Fico grata por ter tido a chance de esperar todo esse tempo para lidar com a realidade.”

Katie estudou na já citada Notre Dame, uma escola paroquial só para garotas. Em aulas sobre saúde, as freiras diziam que, para as garotas, sexo significava amor, e que para os garotos, amor significava sexo. “Tivemos aquela conversa sobre sexo e meios de prevenir a gravidez”, diz a atriz, “mas foi um dia só, e estava tudo escrito em transparências e você tinha que anotar. E elas ficavam dizendo que o melhor jeito era a abstinência. Ficamos todas perdidas. Lembro que minha amiga Mary disse: ‘Qual o sentido? Não entendo isso de tirar antes da hora. E todo mundo tirou sarro dela, inclusive eu, mas na verdade eu pensava, ‘Mary, também não entendo’.”

Ela sempre foi bem na escola, mas “havia muita pressão por notas”, diz. No primário, Katie desenvolveu interesse pelas aulas de dança, peças de teatro escolares e garotos. “Eu tinha uma queda por todos os amigos do meu irmão Martin”, diz ela. “Havia um em particular – fiquei a fim dele até os 17 anos. Ele acabou de casar. Dancei com ele no casamento da minha irmã.” O nome do quase pretendente é Sean Koscho. “Claro, eu sabia”, o próprio ri Koscho sobre a história. “Conheço Katie desde que ela tinha uns 10 anos. Ela era muito madura para a idade dela, muito sociável. O mais estranho foi quando me dei conta de que ela não era mais uma garotinha. Foi em um casamento, essa vez que dançamos juntos.”

Aliás, quer ver algo saudável? Katie só foi a um show musical na vida. “Da Whitney Houston”, diz ela. “Fui com a minha mãe e minha irmã. Não me lembro de ter ido em nenhum outro – ah, espera, não, fui também em um da Natalie Merchant. E só.” Quando ela fala sobre a festa de encerramento das filmagens de Tentação Fatal , diz que ficou até as 3 da manhã, “mas é melhor você colocar que foi uma da manhã” (por causa dos pais dela, você sabe). A expressão que ela mais usa? “Eu sou tão nerd.” Hobbies não convencionais? Nenhum: “Sou meio entediante.” E medos irracionais? “Hum. Não.” Idiossincrasias? “Na verdade, não”. Um amigo imaginário na infância? “Não. Mas eu tinha muitos ursinhos.”

No começo da adolescência de Katie, a mãe a colocou na escola de modelos de Margaret O’Brien, em Toledo. “Você aprende boas maneiras e tudo mais, e ela achou que seria legal”, explica Katie, enquanto o maquiador tenta camuflar as imaginárias bolsas sob seus olhos. Do lado de fora da “casa da Joey”, a equipe está preparando uma cena. Periodicamente alguém mata um pernilongo. Cigarras cantam nas árvores e quebram o silêncio.

As estudantes da escola de O’Brien participam da convenção anual da International Modeling and Talent Association em Nova York, onde dúzias de agentes ficam de olhos nas jovens esperanças. Katie Holmes foi ao evento pela primeira vez aos 14 anos, como modelo. Alguns anos e muitas aulas depois, voltou para competir como atriz. “Ela interpretou um monólogo [de O Sol é Para Todos] e recebeu 30 ligações de agentes”, relembra Margaret O’Brien, “o que é muita coisa. Mas o pai dela foi contra, porque ela ia ser médica”, conta Margaret. Na verdade, Katie havia acabado de ser aceita na Universidade de Columbia.

“Todo mundo em Toledo estava tentando convencer meu pai a me deixar ir”, diz Katie. “Minha mãe disse: ‘Se não deixarmos que faça isso, ela vai passar o resto da vida pensando em como seria e nunca conseguiu”. “Foi um momento delicado – educação sempre foi algo importante para nós”, diz o pai. “Tanto eu quanto minha esposa viemos de famílias operárias. Tive a felicidade de conseguir cursar uma faculdade, e todos os nossos filhos se formaram, exceto Katie.” Ele se rendeu e a aspirante a atriz e sua mãe voaram até Los Angeles para se reunir com agentes em potencial. A primeira audição de Katie para um filme foi para Tempestade de Gelo .

“Estávamos fazendo os testes, e só precisávamos de alguém para ler as falas junto com um ator”, relembra James Schamus, coprodutor e roteirista do filme. “Alguém foi no corredor e a trouxe. Ela leu por uns minutos, e depois que foi embora, eu virei para o diretor e disse: ‘É isso, temos uma estrela de cinema’.”

Pouco tempo depois, ela se candidatou a um papel em Dawson’s Creek por meio de um vídeo gravado na sala de costura de sua mãe. “Eu tinha uma câmera, e minha mãe lia as falas do Dawson”, conta Katie. O pessoal da série imediatamente pediu que ela voasse para fazer um teste. O que aconteceu a seguir parece um enredo saído de algum antigo filme de Mickey Rooney e Judy Garland.

“Eu disse que não podia”, ela conta. O teste era no mesmo dia da estreia de Damn Yankees! , peça que fazia no colégio. “Bem, ficamos todos chocados”, diz o empresário dela, David Guillod. “O estúdio ficou tipo: ‘Como ela ousa? Quem ela pensa que é? Mas ela disse: ‘Me recuso a deixar meus amigos na mão’.”

“Meu pai disse: ‘Filha, eles são seus amigos. Não importa o que aconteça, você cresceu aqui e seu nome significa muito neste lugar’”, conta Katie, dando de ombros. O estúdio remarcou a audição. E ela ganhou o papel. Era sua terceira audição na vida – isso se você contar Damn Yankees! . Quanto à faculdade, o pai diz: “Katie promete que vai se formar em algum ponto. Sempre enfatizamos que eles devem sempre dar seu máximo, buscar o melhor. E ela acertou em cheio. E até o momento isso não a afetou”. Sua voz fica emocionada. “Ela ainda é a mesma garota incrível”, diz ele, “e sentimos falta dela”.

A atriz segue por uma rua de Wilmington, que cheira agradavelmente a frango frito por causa do restaurante Taste of Country um pouco mais abaixo. Katie voltou à cidade há poucos dias, trabalhando na nova temporada de Dawson’s Creek . “É tão estranho pensar no ano passado”, ela conta. “Tivemos uma semana para procurar apartamento. Eu morava a dois quarteirões da locadora de vídeo que aparecia na série.” Ela aponta para um apartamento que fica sobre um restaurante. “James e Josh moravam lá; Michelle morava há alguns quarteirões. Era tão divertido – saíamos juntos o tempo todo, e era tudo muito legal. Éramos novos na televisão e não tínhamos ideia de no que estávamos nos metendo.”

Os quatro companheiros, jogados em uma nova situação, criaram um elo muito forte. “Jantávamos juntos quase todas as noites”, relembra Joshua Jackson, “e quando entrava alguém novo, nós sugávamos o sangue e levávamos para jantar”. Aliás: sobre seu recente relacionamento com Katie, a única coisa que ele diz é: “Ela será sempre uma das minhas amigas mais queridas, mas qualquer coisa sobre minha relação pessoal com ela não é da conta do público”.

Katie aponta o apartamento de Michelle. “Os rapazes eram muito protetores”, diz. “Eles nos faziam companhia no caminho para casa, o que era sempre legal.” Ela para e olha para a rua ao longe, a calçada ornamentada pelas magnólias. “E agora é tudo tão diferente. Tivemos todas essas experiências juntos e crescemos um pouco, eu acho.”

Havia muito carinho na sala quando os quatro se reuniram recentemente. “Vim para cá uma semana antes para me preparar e fiquei o tempo todo me sentindo meio desconfortável”, conta Jackson. “Aí, Katie chegou, e assim que entrou pela porta minha energia subiu até o teto. Encontramos os outros dois para jantar, e assim que o quarteto se completou foi a coisa mais incrível: a dinâmica voltou exatamente a ser como era no ano passado.”

Depois da sequência de três filmes, Dawson’s provavelmente parece férias para Katie Holmes. Afinal ela faz parte de uma safra de atrizes de TV que também pularam para o cinema – assim como Neve Campbell, Jennifer Love-Hewitt e Sarah Michelle Gellar – que trabalham sem parar antes que sua fama acabe. Nesta era infestada de filmes adolescentes de baixo orçamento, seria tentador explorar o apelo atual da estrela ascendente.

Comportamento Suspeito não é um bom sinal. “É uma merda”, ouviu-se um adolescente dizer durante uma exibição. E o filme de fato é um ruim. O papel de Katie como uma gostosa de piercing não caiu muito bem com seu pai. “Oh, meu Deus, foi terrível”, ele diz. No fim, Comportamento Suspeito faz parte de um esquema bem pensado. O empresário Guillod explica: “Queríamos dar a Katie um papel que não exigisse que ela carregasse o filme, que ela sentisse como é fazer um longa- metragem. Depois, tentamos fazer com que ela experimentasse outra área, por isso a colocamos em Vamos Nessa , um filme independente dirigido por Doug Liman. A esta altura, ela já estava pronta para ser a atriz principal, e a pusemos com um diretor com quem já estava acostumada, Kevin Williamson. Agora, no ano que vem? Ela só vai fazer um filme.”

É uma boa coisa o fato de Dawson’s Creek ser filmado em uma cidade isolada na Carolina do Norte em vez de em algum estúdio em Los Angeles, embora o único cinismo que Katie tenha desenvolvido seja dirigido justamente a La-la Land. “Sabe o que é moda por lá e eu não suporto? Ninguém em L.A. quer mais casar. Quero dizer, não pretendo me casar agora. Mas quero envelhecer com alguém!” reclama. “Conheci um casal que era mais jovem que eu, ateístas e muito convictos quanto a isso. Ser tão jovem e não dar sequer uma chance a uma religião é... não sei se concordo com isso.” Aparentemente o perigo de Katie ser sugada pela máquina hollywoodiana é pequeno.

“Ela jamais vai sucumbir a isso”, diz firmemente a melhor amiga, Birie. “Não com a criação que ela teve.” E, certamente, a hipótese de ela desapontar os bons cidadãos de Toledo é nula. “Katie é uma fonte de orgulho para as pessoas desta comunidade”, diz Herb Tooman, da câmara de comércio local. “Ela é, creio, o retrato da jovem norte-americana. Alguém de quem você pode se orgulhar de ter vindo da sua cidade natal.” Sério, como Katie Holmes seria capaz de desapontar este homem?