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Marina De La Riva

Álbum sensível de família

Ademir Correa Publicado em 01/03/2007, às 00h00 - Atualizado em 11/09/2007, às 11h39

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Marina buscou suas raízes cubanas para fazer música brasileira - Marcos Hermes
Marina buscou suas raízes cubanas para fazer música brasileira - Marcos Hermes

Canto como resultado de uma revolução. A família do meu pai fugiu de Cuba e veio para o Brasil. Ele acabou se apaixonando e teve frutos aqui. Na minha casa, a música era uma placenta que transferia alimento intelectual e emocional. Ouvíamos canções cubanas como forma de estancar uma dor." Essas frases recém-ditas, que poderiam retratar o sofrimento de um artista latino-americano em uma situação-limite no cinema, adquirem força de vida real na voz de Marina de la Riva, 30, tanto no palco quanto na sinceridade da mesma ao telefone.

A carioca une a sonoridade dos gênios do país de Fidel - das décadas de 1930, 40, 50 e 60 - com um suingue genuinamente nacional. "O resgate é como uma dívida que você tem que pagar, senão ela fica sendo cobrada e acaba se transformando em um espinho. Pego um clássico cubano, por exemplo, e coloco a maresia da bossa nova. E a parte afetiva dessas composições ainda faz muito sentido hoje, porque a humanidade permanece com emoções inalteradas. Acredito que a arte perdura através do tempo, a visão que você tem dela é que muda."

O álbum de estréia de Marina de la Riva (homônimo, previsto para abril) levou três anos para ser produzido e começou a ser criado, no imaginário da intérprete, em um show do pianista Bebo Valdés. "Transbordei de tal forma que entendi o que precisava fazer. Era a hora de olhar para trás e procurar o que deixei", explica. Para escolher o repertório da sensível biografia, a artista chegou a gravar 23 pérolas (entre elas, versões emocionadas de "Te Amare Y Después", de Silvio Rodriguez, "Ta-Hi", de Joubert de Carvalho, e "Central Constancia", de Enrique Jorrín): "Colocava a voz e ficava ouvindo para ver se as músicas também me escolhiam. Quando vi que o sentimento era mútuo, a seleção começou a ser feita", suspira, lembrando que o trabalho foi produzido em uma ponte aérea "física e de idéias". "Fiz por amor. Nunca tinha ido a Cuba, mas essa viagem foi muito importante e significou uma espécie de volta, porque meu coração vivia lá."

Nessa jornada subjetiva, ela imprimiu outros sentidos a sua criação - "Trouxe especiarias, dei perfumes e cores novas, meu disco é uma fotografia de mim mesma" -, que contou com convidados ilustres como Davi Moraes e Chico Buarque de Hollanda. "Precisava de alguém que traduzisse minha brasilidade de uma forma sofisticada, atual, e que não fosse um clichê. Na hora, pensei no Davi. E o Chico [que fez participação especial em 'Ojos Malignos', um bolero do final dos anos 50] veio como um imperador, endossando minhas escolhas. Ele abriu portas e eu entrei nelas", explica. "É difícil quando se faz tudo de uma forma independente, e eu sabia exatamente a textura que queria, a ambiência. Tirei gotas de sangue dos meus músicos."

A resposta do público já está sendo testada em algumas apresentações pontuais. "Fui muito bem recebida por jovens curiosos, pais e avós. É claro que nem todo mundo gosta de amarelo, fica bem de vermelho ou aceita a vibração do verde. As pessoas que se desencontrarem com a minha sonoridade a verão como uma pimenta - talvez tenham a curiosidade de conhecer o sabor diferente que imprimi", dá a receita a "cantante" meio brasileira, meio cubana, que é apaixonada por Chet Baker, Nina Simone, Ella Fitzgerald, Carmen Miranda, Billie Holliday, Omara Portuondo, Ernesto Lecuona, Chano Pozo, Maysa, Tom Jobim, Cartola e Maria Bethânia.

Preocupada com uma verdade artística, a cantora filmou todo seu processo criativo na Ilha. "Além de organizar meu disco, eu era responsável por todos os profissionais que agreguei ao meu projeto. Não podia simplesmente sentar e chorar. E virei uma espécie de confidente para aquele povo heróico de lá. Não queria falar de política, mas eles sim... No último dia de gravação, a mulher que fazia o café no estúdio veio me abraçar e começou a chorar muito. Eu disse: 'Querida, vai dar tudo certo', e ela respondeu: 'Sim, vai dar tudo certo porque você vai embora e eu continuarei aqui...' Minha cara ficou no chão."