Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

O Rock Morreu

O nascimento, a morte e a vida inesperadamente longa de 30 Rock, a série de TV mais estranha e engraçada do século 21

Brian Hiatt | Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 08/02/2013, às 17h03 - Atualizado às 17h07

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
<b>QUEM RI POR ÚLTIMO</b> Tracy Morgan, Jane Krakowski, Alec Baldwin, Tina Fey e Jack McBrayer, em Nova York - MARK SELIGER; PRODUÇÃO DE RUTH LEVY
<b>QUEM RI POR ÚLTIMO</b> Tracy Morgan, Jane Krakowski, Alec Baldwin, Tina Fey e Jack McBrayer, em Nova York - MARK SELIGER; PRODUÇÃO DE RUTH LEVY

Para tudo há uma temporada final. durante sete anos, 138 episódios, 14 prêmios Emmy e o que seus roteiristas estimam ser 23 mil frases de efeito arduamente trabalhadas, foi isso que 30 Rock e Liz Lemon, sua desleixada heroína, ensinaram-nos (outra lição preciosa: cuidado com caras brancos que “injetam Aids em nossos nuggets de frango”). O último episódio da série foi ao ar em 31 de janeiro nos Estados Unidos, então, para Jack, Liz, Tracy, Jenna e Kenneth este é o fim dos tempos. No entanto, em um dia em meados de novembro no Silvercup Studios, em Long Island City, Queens, tudo ainda está no lugar. Desde 2006, este espaço parecido com um armazém, a 5 km e um bairro de distância da sede real da emissora NBC no 30 Rockefeller Center, é o segundo lar/prisão do elenco e da equipe 14 horas por dia. E ainda falta um mês.

A NBC não estava implorando pela oitava temporada de um programa que nunca teve mais de 8 milhões de telespectadores, mas, essencialmente, 30 Rock parece estar terminando porque Tina Fey se cansou. “Já chega”, diz Tina, criadora, estrela e manda-chuva da série (em conjunto com Robert Carlock, ex-roteirista de Friends e Saturday Night Live). “Amo nossa equipe de paixão e odeio estar na posição de dizer: ‘Desculpe, estamos fechando este lindo lugar onde vocês trabalharam por sete anos’, mas, sabe, a audiência estava caindo.”

Alec Baldwin passou de tentar sair do seriado há algumas temporadas a fazer lobby por mais uma temporada, oferecendo até uma redução no próprio salário. Ele está convencido de que o nascimento da segunda filha de Tina, em 2011, possa ter sido o ponto de ruptura. “Vi uma diferença real nela”, diz Baldwin. “Ela sempre esteve de antena ligada, mas este ano foi a primeira vez em que chegou e deitou no sofá no set, e dava para perceber que era uma mãe. Está esgotada.”

Agora, a leitura do episódio final pelo elenco está se aproximando e os atores estão ficando emotivos – especialmente a pessoa que, há pouco tempo, ia a programas matinais prometendo engravidar todo mundo. Tracy Morgan está sentado ao lado da mesa do bufê em um imenso corredor, ao lado de uma senhora que está fazendo hambúrgueres. Quando um R&B das antigas toca no aparelho de som de alguém, Morgan começa a chorar. Ainda está vestido como Tracy Jordan, o alter ego mais maluco de 30 Rock, o que significa que está usando um colar de diamantes com as iniciais TJ sobre uma camiseta amarela e camisa xadrez desabotoada. Alguém lhe dá um lenço. De olhos molhados, Morgan aponta para um integrante da equipe, possivelmente aleatório, e diz: “Passo mais tempo com este cara do que com minha própria família!” Eu rio e ele parece magoado. “Nas horas boas, ruins, terríveis”, ele devaneia. “A diversão nas premiações, a espera pela primavera. Isso nunca mais vai acontecer. Não dá para explicar.”

Na sala fictícia dos roteiristas, Tina está rodando uma cena no escritório de Liz Lemon que encerrará o antepenúltimo episódio, em que ela recebe a boa notícia que levará ao final da série. Depois de finalizar uma tomada, ela sai da personagem e sua postura muda – ainda usa o blazer de Liz Lemon, mas se porta como Tina Fey, com a coluna tão mais ereta, que ela cresce alguns centímetros. Remete ao Clark Kent de Christopher Reeve, endireitando a coluna para se transformar em Superman.

“Incrível”, ela diz mais tarde, quando menciono isso. “Talvez eu estivesse atuando esse tempo todo!”

Para Tina, o maior triunfo de 30 rock é a sobrevivência: a persistência improvável de uma série maluca que, entre outros absurdos, fez a monstruosamente narcisista Jenna Maroney, interpretada por Jane Krakowski, consumar sua autoadoração ao se casar com o próprio imitador; e ter Avery Jessup, personagem de Elizabeth Banks, sequestrada pelo ditador Kim Jong-Il como uma consequência infeliz da iniciativa “Loiras Gostosas em Lugares Estranhos”, da NBC. “Sinto que fizemos muitos bons episódios do tipo de série que normalmente é cancelada”, afirma Tina. “O tipo que tem 20 episódios e do qual ‘só eu e meus amigos hipsters sabemos’. Essa parte ainda é verdade – mas fizemos 140 episódios!”


O que é realmente louco em 30 Rock é a velocidade verbal – as frases são ditas tão rapidamente, que até pessoas inteligentes podem precisar voltar um pouco (um blogueiro especialista em TV calculou que um episódio de 2010 tinha, em média, 9,57 piadas por minuto). “Ele exige que você preste atenção de uma forma que nem sempre quer ao final de um longo dia”, diz Tina, “e entendo isso. Sou uma profissional da comédia e havia dias em que pensava: ‘Amo Arrested Development, mas não quero assisti-lo agora’.”

Tina nunca havia escrito um piloto de seriado de comédia antes do de 30 Rock, assim como nunca havia escrito o roteiro de um filme antes de Meninas Malvadas. Apesar de todas as piadas que a série faz sobre as ideias de executivos de TV, foi Kevin Reilly, vice-presidente da NBC, quem sugeriu a Tina escrever um programa sobre a vida nos bastidores de um programa ao estilo do Saturday Night Live. Inicialmente, ela hesitou. “Parecia preguiçoso escrever a respeito de escrever.” Só quando pensou em usar Tracy Morgan no seriado fictício é que ela mudou de opinião. “Pensei: ‘Ah, pode dar certo’. Estava escrevendo o piloto, o roteiro de um filme e tentando engravidar, e pensei ‘Vamos ver o que dá certo’, e o que deu certo foi o piloto e que fiquei grávida.”

Fique à vontade para confundir Tina Fey com Liz Lemon – ela praticamente faz isso ela mesma. “Não quero que ela faça qualquer coisa que eu não faria”, Tina afirma, sentada em um bistrô falsamente parisiense no Upper East Side, em que acabou de pedir um almoço impressionantemente no estilo de Liz (um hambúrguer com fritas e as primeiras Cocas não dietéticas que qualquer celebridade já consumiu na minha presença). “Em um episódio, escreveram a Liz como sendo superfã de Harry Potter, e falei: ‘Rapazes, eu parei em Star Wars’.” De algumas maneiras, Liz é uma Tina antes de ser autorrepresentada: é Tina na época em que era roteirista do SNL, mas ainda não era âncora do quadro “Weekend Update”. “Liz é uma pessoa que opera como se ninguém a visse”, afirma Tina. “Ela não tem boa postura nem usa sutiã com bojo se não precisa. Ficávamos sentados à mesa dos roteiristas no SNL e uma das atrizes ia à estreia de um filme, com o vestido emprestado, cabelo e maquiagem feitos, e nós lá, como a Cinderela, tirando alpiste das brasas. De alguma forma é bem libertador, porque você não tem de se preocupar com essas coisas, mas todos querem ser artistas. Como os reality shows provaram, 97% de todas as pessoas acham que são especiais, e todos estamos errados – exceto por Meryl Streep e Honey Boo Boo, todos estamos errados.”

Bem no começo de 30 Rock, Tina enfrentou o tipo de dilema que poderia ter escrito para Liz: no piloto, a amiga e companheira de SNL, Rachel Dratch, fazia o papel de Jenna, mas a NBC tinha certeza de que ela não era a atriz certa para o papel. “Foi devastador para ela”, conta Lorne Michaels, produtor executivo de 30 Rock e lendário criador do SNL. Só que Tina não tinha escolha. “Se eu tivesse me demitido, eles teriam respondido: ‘Tudo bem, tchau’”, ela lembra. Então, percebeu que, apesar de todo o talento de Rachel, ela havia sido mal escalada. “Foi um experimento que falhou, porque peguei a Rachel, que é essencialmente doce, e falei: ‘Vamos escrever o extremo oposto para ela, ter essa pessoa com olhos de desenho animado fazendo o papel de uma diva e dando pitis’ e foi um pouco demais para o que a série precisava.” Acabaram dando o papel a Jane Krakowski, de Ally McBeal. De alguma forma, o tipo de mudança de elenco corriqueira na indústria da TV se tornou algo público e desconfortável. “Houve muita divulgação sobre isso”, conta Jane, “o que não foi fácil para mim, e não foi nada fácil para a Rachel.” O personagem adquiriu uma parte do histórico real de Jane na Broadway e, à medida em que Tracy Jordan ficou mais fofo, ela se tornou mais sociopata. “O que uso para Jenna é cada história e estereótipo horrível que você já ouviu sobre qualquer ator”, afirma. “Foi uma amálgama de maus comportamentos.”

Com a rotina em 30 Rock e duas filhas, incluindo uma de 1 ano e meio que ainda acorda à noite, Tina Fey normalmente dorme menos de seis horas por noite. “Odeio isso”, diz, parecendo cansada e, mesmo assim, estranhamente mais jovem e magra do que há sete anos e zero filhas. Seu cabelo agora é um loiro cor de mel. “Todas as norte-americanas de todas as raças acabam ficando com cabelo loiro cor de mel”, afirma. Saímos do restaurante e caminhamos pelos quarteirões cinzentos do Upper East Side sob uma chuva fria. Ela ainda está tentando se acostumar com o final de 30 Rock e diz ter visto muitos episódios finais recentemente: ela e os roteiristas repassaram os clássicos, incluindo o do The Mary Tyler Moore Show, enquanto trabalhavam no final de duas partes de 30 Rock. “É uma tarefa muito difícil”, diz. “Você quer que pareça um episódio de seu seriado e também deve às pessoas que o assistem desde o começo que alguma emoção seja inserida nele.” Eles sabiam que queriam manter o casamento de Liz longe do último episódio – 30 Rock não é esse tipo de seriado – e Tina decidiu não usar um vestido de noiva. “Achei que estava velha demais, ficaria suada e não é disso que trata o programa. Quando decidimos fazer a fantasia de Princesa Leia, fiquei muito feliz. Parecia a coisa certa.”


Tina ainda não sabe ao certo o que vem pela frente – gostaria de atuar em mais filmes, desde que não sejam rodados muito longe da família. “É engraçado como você sonha em ser estrela de cinema, então te dizem ‘A filmagem é em Budapeste’ e você responde ‘Não, deixa pra lá...’” Ela diz não estar pronta para escrever outro livro e não está interessada em dirigir filmes. A única coisa da qual tem certeza é a de que ela e Robert Carlock vão passar algum tempo criando outro seriado – desta vez com várias câmeras, o que pode significar menos piadas por minuto, mas dias de trabalho mais curtos e mais horas de sono. Fugimos da chuva e entramos em uma loja de conveniência, onde Tina inspeciona detalhadamente os doces de Natal e começa a falar sobre detalhes do capítulo final. Ela se diverte quando eu abaixo o tom de voz para evitar estragar a surpresa das pessoas ao nosso redor.

“Acredite”, Tina diz, “eles não estão nem aí.”

É difícil imaginar, mas, nos primeiros dias de 30 Rock, Alec Baldwin estava apavorado. Aos 48 anos, achava que estava ficando sem opções. “Sabia que os filmes começariam a diminuir”, diz. “Você tem sua chance nesta indústria e, se os filmes não geram bilheteria, você é transferido para a terra indie, onde ganha 10% do que ganhava nos grandes estúdios.” Enquanto conta a história de tempos incertos, Baldwin irradia autoridade e conforto, sentado no Grand Havana Room, no 39º andar de um arranha-céu no centro. Jack Donaghy se sentiria em casa aqui, embora pudesse acusar Baldwin de se vestir como um hippie em um blazer levemente enrugado e camisa polo. Como se não fosse um astro, ele encantadoramente solicita, em vez de mandar, um acréscimo de caranguejo à salada que pediu (o que não está no cardápio), dizendo ao garçom: “Se ele não quiser, não tem problema”.

Baldwin tinha sido extraordinariamente engraçado nas várias vezes em que apresentou o Saturday Night Live, mas, quando passou para seu primeiro papel de verdade em comédias, ficou intimidado com os colegas. “Queria que você soubesse, quando relembro, o quão apavorado eu estava”, diz. “Todas essas pessoas eram faixas pretas no nível máximo em talento cômico. Foi como entrar no ringue com Royce Gracie e toda a família Gracie no MMA: eles vão acabar comigo.” Além disso, havia aquela sensação de última chance. “Há o clichê de ‘Se isto não der certo, eu morro’”, lembra.

Baldwin está quase convencido de que sempre foi destinado a papéis cômicos, apesar dos papéis de protagonista aos quais sua beleza o levou. Ele compara isso à mudança de Liam Neeson para filmes de ação no final da carreira. “Sempre soube que Liam Neeson era um homem durão”, diz. “Se você o conhece, sabe que é algo que ele poderia ter feito facilmente há décadas. Depois que começou a fazer filmes de ação, você pensa: ‘O que há de surpreendente nisso?’ Há uma variação dessa história para todo mundo.” Embora Baldwin tenha estrelado a subestimada comédia de humor negro O Anjo Assassino e feito papel de bobo em Os Fantasmas Se Divertem, Michaels foi o primeiro a reconhecer o quão divertido ele poderia ser. “Alec tem um poder verdadeiro”, diz, “então a parte sempre fascinante é ver sua rapidez na comédia.”

Foi a fé de Baldwin em Lorne Michaels (bem como sua admiração por Tina) que o levou a 30 Rock – embora Baldwin tivesse acabado de negociar sua própria ideia para a TV, um drama, para o canal FX. Michaels comentou que o seriado do FX poderia não dar em nada, enquanto 30 Rock tinha uma garantia de 13 episódios. Baldwin observa que Michaels “muito inteligentemente” se esqueceu de mencionar que a NBC também passaria Studio 60, um seriado com tema semelhante criado por Aaron Sorkin que todos estavam certos de que ofuscaria 30 Rock (em vez disso, foi cancelado após uma temporada). O fato de que Baldwin estava brigando pela custódia da filha – e os produtores concordaram em deixá-lo trabalhar só três dias por semana para que pudesse visitá-la em Los Angeles –, também não prejudicou.

Há mais do que um pouco de lorne Michaels no Jack Donaghy feito por Alec Baldwin, embora Tina Fey possa se esquivar em admitir isso. Uma frase como “abraçar é tão étnico” não pareceria algo que o famosamente distante criador do SNL poderia dizer? “Ele não diria isso”, Tina afirma, e faz uma pausa. “Ele poderia pensar isso.” Baldwin relembra a já clássica piada sobre por que Donaghy estaria usando smoking uma certa noite. “Já passaram das 6. O que acha que sou, um fazendeiro?” Isso seria tipicamente ao estilo de Lorne Michaels, embora, quando converso com o próprio por volta das oito da noite de outro dia, ele esteja usando um simples suéter com gola V. “Mas não estrague a piada”, ele mesmo diz.


Baldwin estava pronto para deixar o seriado durante o que considerou uma quinta temporada fraca. “Foi o fundo do poço”, diz, “embora, mesmo anêmico, o roteiro de 30 Rock seja melhor do que tudo o que escreviam por aí. Daí, a quinta temporada terminou e falei: ‘O ano que vem é meu último’. Só que voltei e a sexta temporada foi muito boa, todos nos divertimos novamente.” Então, Baldwin conheceu a segunda esposa e, de repente, estava pronto para ficar para sempre em Nova York. Na verdade, ele até assinou contrato para uma possível oitava temporada. “Não acho que me queriam aqui, só queriam saber que tinham a opção de me ter.” Enquanto se prepara para ir embora do restaurante, ele cuidadosamente guarda o recibo junto com vários outros dentro da carteira. “Sou um ávido guardador desse tipo de coisa”, ele explica, “para não acabar como meu irmão [Stephen Baldwin, que foi preso em dezembro por evasão fiscal].”

Baldwin para no saguão do edifício e pondera sobre o futuro. “Vou fazer uma peça, que para mim serve como um botão ‘atualizar’”, conta. “No teatro, você tem o dia livre, pode meditar e pensar: ‘Quem sou agora?’ Durante sete anos, fui este cara, o coquetel que formava este cara, e tinha de ser ele 12 horas por dia, dia após dia de filmagens. Era um cronograma muito generoso, mas essa era minha vida criativa.”

Então, Baldwin sorri e diz algo que nunca sairia da boca de Jack Donaghy: “Agora, eu não tenho a mínima ideia do que vou fazer”.