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O Pearl Jam é uma das bandas mais imprevisíveis dos últimos 20 anos. Mas como os integrantes ainda assim conseguem se manter no topo, agradar aos fãs e simplesmente não sucumbir à pressão de uma indústria tão opressora? Eles mesmos explicam

Paulo Terron Publicado em 14/03/2013, às 11h58 - Atualizado em 15/03/2013, às 13h49

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O Pearl Jam na capa da <i>Rolling Stone Brasil</i>
O Pearl Jam na capa da <i>Rolling Stone Brasil</i>

"Tudo começou com uma fita cassete, em um gravador de quatro canais”, reflete o baterista Matt Cameron, enquanto dirige em Seattle, indo para um encontro com os companheiros de Pearl Jam. Na reunião, o quinteto começaria a definir o planejamento para as atividades de 2013. Por enquanto, sabe-se pouco: há os shows da América do Sul nas próximas semanas (incluindo um como atração principal da terceira noite do Lollapalooza, em São Paulo) e duas datas na América do Norte, em julho. Fora isso, a banda – completada pelo vocalista Eddie Vedder, pelos guitarristas Stone Gossard e Mike McCready e pelo baixista Jeff Ament – pensa em finalmente terminar de gravar o sucessor de Backspacer (2009), que começou a ser concebido mais de 30 meses atrás. Mas a mente de Cameron está em uma época bem mais distante, em canções e memórias que há tempos já se tornaram parte dos livros de história do rock.

Galeria: conheça os projetos paralelos dos integrantes do Pearl Jam.

No verão de 1990, Gossard e Ament passavam por um momento de desilusão e dor. Apple, o álbum de estreia da banda em que tocavam, o Mother Love Bone, deveria chegar às lojas em abril, por uma grande gravadora, e a expectativa geral era a de que fosse um sucesso. Mas, em março, o vocalista Andrew Wood morreu (vítima de uma overdose de heroína) e levou com ele o sonho pelo qual os integrantes haviam trabalhado nos últimos meses. Devastado, Gossard decidiu repensar seus rumos musicais, gravando uma fita demo instrumental. Convocou o ex-guitarrista do Shadow, McCready, e o também parceiro musical de longa data, Ament. Como não tinham um baterista ainda, o titular do Soundgarden, Matt Cameron, deu uma ajuda aos companheiros. “O Stone tinha umas tabelas gigantes mostrando para onde cada música ia, o Matt achou aquilo engraçado”, relembra McCready. “Gravamos tudo em uns dois ou três dias, no loft dos pais do Stone.”

“Trabalhamos em coisas que acabaram virando‘Alive’, ‘Once’, ‘Even Flow’ – todos esses hits monstruosos”, conta Cameron. “Eu gostava muito do que o Stone escrevia, na época foi uma ótima oportunidade de trabalhar com ele.” A história que veio a seguir ficou famosa: as músicas acabaram nas mãos de um desconhecido de São Diego, um surfista chamado Eddie Vedder, que usou um gravador caseiro para colocar vocais em três canções. Quando a banda ouviu o resultado, mal conseguiu acreditar. O que parecia extremamente improvável havia acontecido: mais do que um cantor, eles haviam encontrado uma alma gêmea. A junção perfeita entre o instrumental pesado (mas radiofônico), as letras confessionais e conturbadas e a voz única de Vedder gerou Ten (1991), primeiro disco do Pearl Jam e uma das pedras fundamentais do rock produzido nos anos 90.

Quase 22 anos depois, em fevereiro deste ano, Ten chegou a 10 milhões de cópias vendidas somente nos Estados Unidos. Mais do que isso, segue vendendo até 4 mil unidades por semana naquele país – um feito invejável em tempos não exatamente favoráveis para bandas de rock. No Brasil foram 140 mil discos comercializados. “É meio surpreendente ter uma coisa assim acontecendo 20 anos depois”, afirma Jeff Ament. “Temos sorte de ainda sermos surpreendidos a esta altura.” Para McCready – que diz ter achado a notícia engraçada, já que fazia anos que ele não pensava em Ten –, atingir a marca representa uma verdadeira e completa realização artística. “Só tenho a agradecer por as pessoas ainda quererem ouvir aquelas músicas e que elas signifiquem tanto para elas a ponto de ainda fazerem o disco ser vendido – em uma situação na qual não se compra mais música”, lembra. “Acho que ele tem algum valor mesmo, significa algo. É tudo o que se quer como artista, sabe? É importante fazer algo que tenha significado.”

Conquistas como essa ajudaram o Pearl Jam a relaxar. Isso e o fato de atualmente o grupo conseguir levar uma carreira quase sem influências externas. No começo, entretanto, isso tudo parecia ser impossível para a banda mais combativa das últimas décadas, como provaram vários conflitos notórios entre os músicos e as grandes corporações. Foram eles que levaram às últimas consequências uma disputa sobre preços com a gigante das entradas de shows Ticketmaster; não cederam quando a Epic Records tentou impor “Black” como single de Ten; recusaram-se por anos a dar entrevistas ou promover novos lançamentos, inclusive sem produzir clipes em uma época em que a MTV era um meio essencial para a divulgação da música de massa. E tudo parece ter valido a pena, mesmo que tenha gerado quantidades enormes de estresse. “Se você quer sobreviver como banda, é preciso lutar pelo que você acha certo”, resume McCready, sem hesitar. “O Ed e o Jeff certamente fizeram isso ao longo da nossa carreira, com nossas gravadoras e todo o resto. E hoje, fazemos negócios com a Ticketmaster. Você tem de fazer o que for necessário para levar as pessoas aos seus shows. Esse é o ponto principal. Você aprende como na vida: errando. Às vezes acha que precisa controlar coisas sobre as quais não tem controle.” O guitarrista dá como exemplo a própria indústria da música, que passou por um número incrível de reviravoltas nos últimos 20 anos – e que ainda não dá sinal algum de estabilidade. “Quem sabe como vão ser os próximos dez anos, como as pessoas ouvirão música? Isso tem mudado a cada dia. Tentamos nos manter atualizados quanto a isso também.”

Em outras palavras, foi preciso que o quinteto evoluísse para ser mais do que uma banda de rock: atualmente o Pearl Jam é uma empresa de porte respeitável, que tem funcionários e até uma sede física, um galpão em Seattle que serve de escritório, área de ensaio e armazenamento de equipamento. Cada integrante vê essa mudança de uma forma diferente, embora todos tenham a mesma conclusão: ela foi essencial para o estabelecimento da banda, além de tê-la ajudado a se manter por cima. “Durante muitos anos, é apenas uma banda”, define Matt Cameron (que apesar de ter tocado naquela primeira fita demo, só assumiu as baquetas do Pearl Jam definitivamente em 1998). “E aí, lentamente, você consegue incorporar o lado dos negócios de ser um músico tocando em uma banda de rock. É algo que exige uma adaptação, mas ficar a par do lado mais técnico é essencial se você quiser ter sucesso na indústria da música.”


“Depende de nós como indivíduos”, acrescenta Ament sobre a estrutura empresarial que cerca a banda. “Tento ir ao galpão pelo menos uma vez por semana para falar com as pessoas que trabalham com o nosso fã-clube, com o setor de design para desenvolver novas camisetas. Você tem de fazer isso, tentar manter as coisas frescas. E tentar se manter atualizado quanto às tecnologias. Nós, por exemplo, temos uma estação de rádio via satélite com a qual contribuímos sempre. Nesse sentido, temos de tratar o Pearl Jam como o nosso emprego. É necessário que mantenhamos a empolgação e que também façamos tudo relacionado ao grupo ter a nossa cara.” O baixista e Eddie Vedder (que por estar em férias não quis dar declarações para essa matéria) são apontados pelos colegas como lideranças no campo de negócios. “Todos na banda sempre sabem o que está acontecendo, temos memorandos e reuniões sobre o que faremos durante o ano, sobre preços de entradas e como barateá-los ou ajustá-los em relação à inflação”, conta McCready. “Quando você consegue sucesso, quer poder mantê-lo. E aí precisa administrar o grupo como um negócio. Tentamos fornecer os melhores produtos, segurança em shows e, claro, música. É uma combinação de banda e business.” Cameron acredita na mesma ideia, dizendo que uma atividade não só justifica a outra mas também a complementa. “Mesmo sendo uma grande empresa, isso acaba nos dando uma grande liberdade como músicos.”

Parte da libertação do Pearl Jam veio com a criação de um selo próprio, em 2009, o Monkeywrench Records. Com isso, os músicos conseguiram fechar um contrato local de distribuição, com a rede atacadista Target (uma das poucas que ainda vendem música em formato físico nos Estados Unidos), e outro mundial, com a Universal. “Aprendemos muito nesse processo [de relacionamentos com gravadoras]”, diz Ament. “Agora estamos do outro lado. Tendo seu próprio selo, você percebe como é trabalhoso e descobre a quantidade de pessoas que precisa contratar para fazer tudo acontecer. Ainda temos alguns dos mesmos conflitos de antes, mas agora eles são menores e lidamos com eles de uma forma mais eficiente. Desde que mantenhamos contato uns com os outros, nada dá errado.” Não que o Pearl Jam ignore completamente as sugestões externas, os integrantes apenas chegaram a um momento das carreiras em que podem se dar ao luxo de escolher o que fazer, como aponta o baixista. “Agora entregamos o disco pronto [para a distribuição]. Claro, eventualmente conversamos [com a Universal] sobre como promover o trabalho, sobre qual música eles gostariam de lançar primeiro. Às vezes é divertido e topamos... Na fase em que estamos, não fazemos nada que não queremos.”

Se experiência administrativa fosse o único fator decisivo para o sucesso musical, certamente veríamos contadores e gerentes de banco liderando bandas. Como esse não é o caso, o Pearl Jam ainda se esforça para criar música que considere interessante e para fazer apresentações ao vivo que justifiquem o valor dos ingressos, como explica Jeff Ament. “A esta altura, o que mais queremos é aproveitar. E fazer música. É onde estamos: queremos fazer bons shows e boas músicas.” Para Mike McCready, o ponto ideal de equilíbrio entre o que os fãs esperam e o que os integrantes gostam de fazer nos shows já se estabeleceu em uma fórmula tão clara quanto improvável. “Temos muita consciência do nosso público e de como ele nos interpreta. Ainda assim, nos entregamos às músicas. Não temos um palco elaborado, então tentamos compensar com algo energético e visceral. O Eddie canta, pula, corre. Eu faço o mesmo tipo de coisa.”

Quando sai em turnê, o Pearl Jam trabalha com um universo amplo de músicas a serem tocadas. “Normalmente temos uma seleção de 120 faixas da qual tiramos o repertório de cada apresentação”, conta o baixista. No caso do novo show no Brasil, em 31 de março, as possibilidades ainda estão em aberto. “Vamos passar mais ou menos uma semana ensaiando e fazer uma lista de músicas possíveis. Também vamos checar o que tocamos na última vez que estivemos por aí para tentar variar. Estas devem ser o nosso foco, as que não tocamos aí ainda. Claro, é um festival grande, então não podemos fazer um repertório esquisito demais.” Esse setlist em constante mutação também serve para manter os músicos interessados. “É divertido para os integrantes quando ensaiamos algumas músicas mais obscuras”, diz Cameron. “Ajuda na hora de formatar a seleção final, é bom poder mostrar algumas faixas que o público eventualmente não conheça.”

Ament aponta duas faixas que não devem ficar de fora do Lollapalooza: “Alive” e “Betterman”, duas favoritas das grandes plateias. “Na primeira vez em que fomos ao Brasil, em 2005, já tínhamos uma história de 15 anos. Chegar aí e ver as multidões nos recebendo de forma tão intensa, sabendo as letras das músicas... Não sei se já havíamos passado por algo semelhante àquilo. E só melhora: na última vez [em 2011] fizemos alguns dos melhores shows da nossa vida.” Ele completa, rindo: “Sabe, se soubéssemos em 1995 que seria como foi em 2005, certamente teríamos ido antes.”

Para Ament, em especial, o show de São Paulo marca o começo de uma nova fase de vida: será a primeira apresentação dele depois de completar 50 anos (ele é o segundo na banda a chegar às cinco décadas, o baterista Matt Cameron foi o primeiro, no ano passado). “É estranho, mas nos últimos dez anos parece que tenho me cuidado melhor”, ele conta. “Quero dizer, sempre me cuidei, agora só é mais intenso. Não me sinto tão diferente, sabe? E tendo mais experiência com a banda, sinto-me mais capaz de fazer decisões melhores sobre como tocar com os outros.” A única barreira física é um problema no joelho: em 2010, Ament precisou passar por uma cirurgia, uma condição que ainda deve se agravar – e que tem mais relação com os esportes praticados por ele (basquete, skate e corrida) do que com a atividade nos palcos. “Nos próximos anos provavelmente precisarei de um novo joelho biônico. Mas, fora isso, estou ótimo.”


A ausência de amarras que o Pearl Jam conquistou ao longo dos anos de existência também se reflete internamente: todos os cinco integrantes constantemente tiram algum tempo para se dedicar a projetos paralelos. Atualmente, Matt Cameron é o que tem de lidar com a maior pressão, depois de retomar a carreira com o Soundgarden em 2010. Dividido entre ambos os repertórios, ele precisa manter quase 200 canções ensaiadas e memorizadas. “É preciso de prática. Como músico fiz isso na minha carreira inteira”, ele minimiza. “Um bom baterista tem de ter a capacidade de reter muita informação, precisa ter uma ótima memória musical.” E completa com bom humor: “Para um baterista, esse é o motivo de sermos contratados na maior parte das vezes!”. Recém-saído de mais uma perna da turnê de King Animal (2012), Cameron teve pouco tempo de descanso até voltar a assumir as baquetas com Vedder e companhia. “Nos reconectamos simplesmente por sermos companheiros de banda, ao trabalhar juntos. Antes de tudo, gostamos de passar esse tempo juntos por sermos amigos. Isso é o principal.”

Os outros integrantes passaram por experiências semelhantes nos últimos tempos. Jeff Ament rodou parte dos Estados Unidos com um novo grupo, o RNDM (pronunciado “random”, randômico em inglês), enquanto Eddie Vedder apresentava shows solos em outro canto do país, divulgando o disco Ukulele Songs (2011). “No ano passado e na primeira parte de 2013 o Matt tinha compromissos com o Soundgarden, então montei uma agenda ao redor daquilo. Consegui gravar o disco do RNDM [Acts, 2012] e fazer alguns shows. Minha teoria é a de que, caso adiemos o andamento do Pearl Jam neste ano, voltarei a trabalhar mais com o RNDM.” O guitarrista Stone Gossard também aproveitou a brecha do começo deste ano para colocar o Brad – que já tem 20 anos, mantendo uma carreira realmente paralela ao Pearl Jam – na estrada, retornando de uma turnê europeia a poucos dias do início previsto para a preparação do show do Lollapalooza.

“Neste mês, o plano do Pearl Jam é ensaiar e tentar escrever umas músicas novas”, define o baixista. “Essa é a ideia inicial. O Matt e o Stone acabaram de voltar para casa agora, nos últimos dias, e logo começaremos a fazer algo.”

Mike McCready não viajou em turnê, mas também fez outros trabalhos (como a preparação do relançamento de Above, único trabalho do Mad Season, o supergrupo que ele teve com Layne Staley, do Alice in Chains, no meio dos anos 90) – e se aproveitou, como admirador, da retomada do Soundgarden. “Fiquei feliz com a volta deles. Na verdade, fiquei rondando os ensaios o tempo todo. Fui meio que o ‘fã número 1’ durante um tempo. Todos temos outras coisas para fazer, mas sempre podemos voltar para o Pearl Jam. Faço trilhas de filmes, como a de Fat Kid Rules the World, todos damos uns passeios e depois voltamos. O Matt disse que queria gravar um disco com o Soundgarden e concordamos, não controlamos uns aos outros. Esse é provavelmente um dos motivos pelos quais ainda estamos juntos. Fiquei feliz em ouvir um disco novo deles. Meu Deus, é tão bom! Eu ainda fiz umas jams com eles em shows, foi ficando cada vez melhor.”

Segundo os músicos, retornar ao Pearl Jam nunca exige cuidados especiais, mesmo quando causa alguma estranheza – algo que não dura depois do primeiro reencontro, segundo Ament. “É engraçado: sempre fico um pouco nervoso quando tiramos muito tempo longe da banda. Fico pensando se ainda vai ser divertido na volta, se ainda vamos ter a mesma química. E toda vez tudo parece se encaixar perfeitamente. Então, a minha ansiedade já não é tão intensa quanto a de alguns anos atrás. Isso ficou no passado. Faz muito tempo [que não nos encontramos], quero muito rever todo mundo e retomar as gravações das novas músicas.”

McCready diz passar por momentos de sentimentos distintos durante as retomadas de atividade do Pearl Jam. “Da minha parte, há um pouco de ansiedade, mas é mais tipo: ‘Estou pronto, aqui estão as minhas ideias’. Fazemos as mesmas piadas, é como se reunir aos seus irmãos ou algo assim. É divertido, é criativo, é cansativo. E também é o que amamos fazer. Já senti ansiedade, mas agora é mais empolgação mesmo.”

Ele faz uma pequena pausa para pensar e reflete sobre o processo de composição de novas canções – como devem fazer ainda neste mês, em Seattle, antes de descerem para a América do Sul pela terceira vez em 23 anos de Pearl Jam. “Não há nada mais legal do que ouvir uma música nascendo, aí ver o Eddie cantando por cima...” Sem contar a parte mais mundana disso tudo. “Temos sorte de nosso emprego ser este. Também vejo dessa forma. Já trabalhei em um restaurante: sei como é servir as pessoas e lavar pratos. Sou grato por não ter de fazer mais isso”