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Genialidade & Paranoia: os bastidores desconhecidos de OK Computer, obra-prima do Radiohead

“Eu estava basicamente catatônico”, lembra Thom Yorke. “Uma claustrofobia – simplesmente sem sentido nenhum de realidade”

Andy Greene Publicado em 15/07/2017, às 14h42 - Atualizado em 26/01/2018, às 14h43

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<b>Luta interna</b><br>
O Radiohead em Nova York, em 1997: Colin Greenwood, Ed O’Brien, Jonny Grenwood, Thom Yorke e Phil Selway
 - Danny Clinch
<b>Luta interna</b><br> O Radiohead em Nova York, em 1997: Colin Greenwood, Ed O’Brien, Jonny Grenwood, Thom Yorke e Phil Selway - Danny Clinch

Thom Yorke tem um conselho para o paranoico e inquieto rapaz de 20 e poucos anos que ele era quando gravou OK Computer, disco do Radiohead que acaba de completar duas décadas. “Relaxa um pouco, porra”, diz, rindo muito. O vocalista, que fez 48 anos no último mês de outubro, há muito tempo passou da época de se esconder em ônibus de turnê e desabafar dor e medo em cadernos de espiral. Agora, ele dança no palco e até dá uma de DJ em clubes.

No momento, Yorke está sentado no restaurante italiano Little Dom’s, em Los Angeles, usando uma jaqueta jeans desbotada com o colarinho levantado, uma camiseta branca fina e o que parecia ser uma calça de couro. Seu cabelo longo está preso em um coque minúsculo e ele tem uma barba grisalha. O Little Dom’s é um de seus lugares preferidos – jantou aqui na noite passada, mas agora estamos no meio da tarde e o restaurante abriu mais cedo só para ele. Pede um chá preto e, mais tarde, um expresso. Na mão, segura um iPhone com um adesivo no verso que resume a reação dele a praticamente toda pergunta concebível: “Foda-se o que você ouviu dizer”.

Yorke passou muito tempo confrontando seus velhos pesadelos – e seu velho eu – recentemente. Neste 20º aniversário do inovador OK Computer, ele tem vasculhado antigos diários, cadernos de rascunho e demos da época para incluí-los em uma edição de luxo do LP. “Tem sido muito, muito, muito insano revirar tudo isso”, afirma. “Voltar para onde minha cabeça estava [naquela época] – é muito louco.” As pilhas de papel – que incluem letras escritas à mão em papel timbrado de hotéis, instruções para uso de um inalador (“Tente não entrar em pânico”) e desenhos de aviões, helicópteros, carros, escadas rolantes e outros meios de locomoção – revelam os pensamentos mais profundos de um rapaz de 27 anos que estava começando a passar por diversos problemas depois de viver em um ônibus de turnê por quatro anos seguidos. “Eu estava basicamente catatônico”, conta. “Uma claustrofobia – simplesmente sem sentido nenhum de realidade.”

Para a maioria dos ouvintes, letras sobre acidentes de carro, desastres de avião, androides paranoicos e abduções por alienígenas abordavam uma sensação geral de inquietude sobre o século 21 que se aproximava – e a velocidade assustadora e exponencialmente maior das inovações tecnológicas, enquanto bipes deram lugar a celulares e computadores se tornaram veículos para notícias e pornografia. “Eu estava entrando nessa sensação de sobrecarga de informação”, relembra Yorke. “O que é irônico, já que agora é muito pior.” As letras também falavam dos demônios pessoais do líder do grupo, das lutas de estar em uma banda de rock que nunca se deu um momento de descanso e também das inseguranças mais profundas que remetiam à infância dele.

Lançado no segundo trimestre de 1997 – um momento em que a música estava se fragmentando em diversos subgêneros e a relevância das guitarras parecia estar desaparecendo –, OK Computer foi a última obra-prima do rock alternativo e um lembrete de que ainda havia espaço para que bandas de rock continuassem a missão dos Beatles em meados da carreira, de usar o estúdio para criar grandes declarações artísticas com sons não ouvidos até então. “Foi o álbum em que eles jogaram tudo pela janela”, diz Michael Stipe, amigo de Yorke. “Eles reimaginaram e descontextualizaram o que era ser uma banda. Era um anseio, uma vontade emotiva e sólida de criar algo real.”

“Tínhamos muita autoconfiança e estupidez”, afirma o baixista, Colin Greenwood. “‘Estupidez’ é a palavra errada. Falta de experiência. Quando você tem 24 ou 25 anos, não sabe o quanto as coisas podem dar errado porque acha que pode fazer de tudo. E é fantástico!”

OK Computer transformou o Radiohead de uma banda cult britânica para a banda de rock mais importante do planeta, mas, do jeito típico dos anos 1990, o sucesso do quinteto só deixou Yorke mais esquivo. “Na época, a pessoa que eu via no espelho ficava dizendo: ‘Você é um merda. Tudo o que faz é merda. Não faça isso. É merda’.” Por um minuto, ele se perdeu nessa sensação.

O guitarrista Jonny Greenwood ainda lamenta por todos aqueles jovens fãs de Alanis Morissette. A cantora, que adorava o segundo álbum do Radiohead, o celebratório e repleto de guitarras The Bends, de 1995 (“Amava cada linha de baixo, cada nota de teclado, cada linda nota tocada por Thom”, ela diz agora), tinha convidado a banda para abrir sua turnê do disco Jagged Little Pill (1995). Durante os shows, os britânicos enfrentaram jovens inquietos e indiferentes que os queriam fora do palco para poder ouvir “Ironic”. “Minha principal lembrança daquela turnê é tocar solos intermináveis de órgão Hammond para uma plateia cheia de adolescentes silenciosamente desesperadas”, recorda Jonny.

No entanto, a banda usou aqueles palcos de anfiteatros como um local improvável de ensaio para OK Computer, testando complexas faixas inéditas, cheias de desespero e anseio – “Karma Police”, “Let Down”, “Paranoid Android”. “Estávamos muito adaptados a tocar para pessoas que não davam a mínima para nós”, diz Yorke. “Eu gostava muito daquilo. As pessoas estão sentadas jantando frango. Estávamos tentando fazê-las engasgar com os ossos.”

Foi só mais uma sequência de shows, depois de quatro anos de um ciclo brutal que começou em 1992, quando a banda de amigos de escola (Yorke, o baterista, Phil Selway, o baixista, Colin, e os guitarristas Ed O’Brien e Jonny) de Oxford, Inglaterra, conseguiu sucesso mundial com “Creep”. A canção era um hino de autodesprezo que ameaçou transformar o Radiohead em mais uma banda de um sucesso só dos anos 1990 – igual a Marcy Playground e Spacehog. E eles estavam cientes de grandes bandas britânicas, como Stone Roses, que nunca se dispuseram a colocar o pé na estrada e entrar nos Estados Unidos.

Então, o Radiohead se enfiou em um ônibus e foi para todos os cantos do país promovendo The Bends. Somente em 1995, fez 177 shows, parte de uma sequência quase suicida de turnês e gravações entre 1993 e 1998, com apenas um mês de folga. Para a maior parte da banda, foram anos gloriosos. “Algumas das minhas melhores lembranças do Radiohead foram naquele ônibus percorrendo os Estados Unidos”, conta O’Brien. “Jogávamos cartas ou víamos filmes. Eu me lembro de passar pelas Montanhas Rochosas e ouvir Glen Campbell.

A certa altura em 1996, os integrantes estavam matando tempo no ônibus ouvindo uma versão em áudio do clássico livro cômico de ficção científica O Guia do Mochileiro das Galáxias, escrito por Douglas Adams em 1979. No meio do livro, o computador de uma espaçonave diz ser incapaz de desviar mísseis que se aproximam. “Ok, computador”, responde o presidente Zaphod Beeblebrox, “quero controle manual total agora.”

Yorke rabiscou a expressão “OK Computer” – que na narrativa de Adams marcava o ponto em que os humanos se salvavam, retomando o controle das máquinas – em seu recheado caderno de letras. Muito se disse sobre as referências aos efeitos desumanizadores da tecnologia espalhados por aquelas músicas, mas Yorke insiste que as viagens inconstantes eram o que realmente estavam em sua mente. “A paranoia que senti na época tinha muito mais a ver com como as pessoas se relacionavam umas com as outras, mas usei a terminologia da tecnologia para expressar isso”, ele explica. “Tudo o que eu escrevia era, na verdade, uma maneira de tentar se reconectar com outros seres humanos quando se está sempre em trânsito. Era sobre isso que eu tinha de escrever porque era o que estava acontecendo, o que em si injetou em mim uma espécie de solidão e desconexão.”

Algumas das letras mais tecnológicas, Yorke admite, eram apenas sinais de seu nerd interior surgindo. “O álbum inteiro é geek pra caralho”, diz. “Eu era admitidamente meio nerd quando criança. Daí, estou nesta banda de rock famosa por tomar chá e nunca se socializar, sendo que a verdade é um tanto diferente.” Yorke não fala muito, mas com certeza estava bebendo naquela época. No entanto, Selway argumenta que a reputação dos integrantes foi merecida. “A imagem do Radiohead na estrada é a de um mosteiro sobre rodas. E na maior parte do tempo era isso mesmo.”

À medida que as turnês começaram a se misturar umas com as outras, Yorke lutou contra fobias – uma vez, falou de imaginar o ônibus do Radiohead caindo de um penhasco. “Minha família quase sofreu um acidente horrível [de carro]”, conta. “Meu pai falava muito comigo sobre isso. Acho que estava tentando ensinar a ideia de que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento e você não tem controle disso, o que levou a uma leve paranoia, talvez justificada.” Seu ódio por carros estava ligado a seu desdém em geral por uma sociedade em que, disse uma vez, “as pessoas se levantam cedo demais para sair de casas onde não querem morar, para ir até trabalhos onde não querem estar, em uma das mais perigosas formas de transporte na Terra. Nunca me acostumei a isso”.

A alienação era natural para Yorke. Ele nasceu com o olho esquerdo fechado e passou por cinco cirurgias antes de completar 6 anos. Os médicos cometeram um erro em uma das últimas, forçando-o a usar um tapa-olho durante um ano e deixando-o com a pálpebra permanentemente caída. O emprego instável do pai como fornecedor de equipamentos de engenharia química fez a família se mudar muito e o menino novo com o olho estranho era um alvo fácil para valentões. “Tenho uma sensação invasora de solidão desde que nasci”, ele disse em 1995. “Talvez muitas outras pessoas sintam o mesmo, mas não vou correr pela rua perguntando a todos se estão tão solitários quanto eu.”

St. Catherine’s Court fica em quatro hectares de terra cerca de 180 km a oeste de Londres, na sonolenta cidade de Bath. A mansão elizabetana de nove quartos foi construída por um monge no ano de 950 e se expandiu nos mil anos seguintes até se tornar uma das residências particulares mais arquitetonicamente impressionantes do Reino Unido. Era um local apropriadamente grandioso para o Radiohead gravar OK Computer. A indústria musical pré-Napster ainda estava nadando em dinheiro e as vendas constantes de The Bends na Inglaterra, aliadas aos crescentes elogios da crítica nos Estados Unidos, persuadiram a EMI a dar uma grande verba ao Radiohead. “A gravadora disse: ‘Façam o que quiserem e apoiaremos totalmente’”, conta Yorke. “Foi empolgante.”

O Radiohead passou um total de seis semanas morando e trabalhando em St. Catherine’s Court, onde rapidamente se familiarizou com uma lenda sobre a propriedade: ela pode ser assombrada. Ethelreda Malte, filha ilegítima do rei Henrique VIII, supostamente morreu em um dos quartos em 1599 e nunca foi embora. Jonny acabou dormindo no quarto de bebês, “cercado por bonecas quebradas assustadoras e cavalos de balanço”, conta. “As pessoas sempre ouviam sons.”

Para Yorke, foi pior. “Fantasmas falavam comigo enquanto eu dormia”, diz, com um curioso toque de deslumbramento na voz. “Teve uma vez que levantei de manhã após uma noite escutando vozes e decidi que tinha de cortar o cabelo.” Ele tentou espontaneamente fazer um corte raspado na lateral com “as tesourinhas de um canivete”. Não acabou bem. “Eu me cortei algumas vezes. Virou uma bagunça. Desci as escadas e todos ficaram tipo ‘ahn, você está bem?’ Perguntei: ‘O que há de errado?’ O Phil muito gentilmente me pegou e raspou tudo.

No entanto, o fenômeno sobrenatural mais duradouro foi a música que a banda estava fazendo. “Foi um momento de magia”, afirma Ed O’Brien. “Realmente acredito que as estrelas estavam alinhadas. Tudo meio que entrou em foco.” Eles tiraram inspiração de uma lista díspar de alguns dos maiores discos já gravados: Pet Sounds (1966), dos Beach Boys, What’s Going On (1971), de Marvin Gaye, e especialmente Bitches Brew (1969), de Miles Davis, um dos preferidos no ônibus da turnê. “De certa maneira, éramos realmente pretensiosos”, diz Jonny, “a ponto de ouvirmos um disco como Bitches Brew e ficarmos tão influenciados por ele que nos fazia querer fazer igual. Não nos importava que ninguém havia tocado ou tocava ou queria ter um trompete. Ainda assim, tínhamos um tipo de arrogância para dizer: ‘É, meio que podemos ir por esse caminho’.”

Eles desprezavam a tendência prevalecente do rock de guitarras na Inglaterra – antes mesmo de os irmãos Gallagher, do Oasis, começarem a menosprezar o bem educado Radiohead em entrevistas. “Para nós, o britpop era só uma recriação dos anos 1960”, diz Jonny. “Isso só leva a pastiche. É você desejando que fosse outra era.” Yorke é mais direto: “A coisa toda do britpop me deixava com uma puta raiva. Odiava aquilo. O britpop olhava para o passado e eu não queria fazer parte daquilo”.

Nigel Godrich, um engenheiro de som que havia gravado The Bends, estava, pela primeira vez, a bordo como produtor, ainda que não fosse nomeado como tal (assumiria esse título em todos os álbuns posteriores do Radiohead e também com artistas como Beck e Paul McCartney), além de ser o único engenheiro. Godrich era pelo menos tão destemido e ambicioso quanto a banda e viu grandeza no Radiohead. “Era a banda dos meus sonhos”, afirma. “Não havia restrições. Não era um rock pré-histórico. Era um pensamento de nível muito alto, conceitual, seguindo em frente em termos de som e canções. Foi algo perfeito. Muita gente, muitas ideias e todos conseguimos empurrar as coisas na mesma direção.”

O Radiohead era coletivamente hostil ao rock progressivo da década de 1970 (“Nem gostava de Pink Floyd”, conta O’Brien), mas isso não impediu a banda de reinventar esse estilo em OK Computer, particularmente na faixa de seis minutos e meio “Paranoid Android” – que Yorke notoriamente descreveu como um cruzamento entre “Bohemian Rhapsody” (Queen) e “Happiness Is a Warm Gun” (Beatles). “O problema com as coisas do rock progressivo é que soam como se realmente tivessem sido pensadas. E, como resultado, é cansativo”, diz Jonny. “Todos aqueles discos eram muito pastorais e pregavam sobre unicórnios e dinossauros.”

Em outras faixas, o Radiohead começou a se afastar totalmente da ideia de tocar as músicas ao vivo – a banda baseou a abertura do álbum, “Airbag”, em torno de um loop distorcido da bateria de Selway. Yorke acabou ampliando ainda mais os limites na assombrosa “Karma Police”. Uma noite, ele e Godrich estavam tomando cerveja quando o vocalista confessou não gostar da segunda metade da música. Sem nenhum outro integrante da banda presente, os dois pegaram samples e loops e criaram uma nova base com os vocais de Yorke por cima, chegando ao clímax em um redemoinho de barulho que era quase o equivalente eletrônico de “A Day in the Life” (Beatles). Era uma nova maneira de trabalhar que levaria diretamente às incursões eletrônicas de Kid A (2000) e além – e também a discos solo e conflitos dentro da banda.

Em “Fitter Happier”, Yorke gerou o vocal principal em um Macintosh LC II que lia textos em um tom monocórdico e sem emoção, cheio de pronúncias erradas. Gravou uma série de conselhos práticos (“Chega de comida de micro-ondas e gorduras saturadas”) e perturbadores (“Nada de matar mariposas ou jogar água fervente em formigas”) e achou que o resultado ressaltava bem os temas do álbum.

O LP termina com a lamentosa “The Tourist”, com o “Ei, cara, vá devagar” em repetição. “Tudo tinha a ver com velocidade quando compus essas músicas”, diz Yorke. “Tinha uma sensação de olhar pela janela e as coisas se moverem tão rapidamente que eu mal conseguia enxergar. Uma manhã na Alemanha, eu estava me sentindo particularmente paranoico porque não havia dormido bem. Saí para comer algo, mas não consegui encontrar nada e esse maldito cachorro estava latindo para mim. Olho para ele e todo mundo segue em frente. É daí que vem ‘ei, cara, vá devagar’. Soa como se tudo fosse sobre tecnologia e tal, mas não é.”

No final, o investimento não rendeu exatamente o que a gravadora esperava. “Os executivos achavam que o álbum seria um monte de singles feitos para as rádios”, diz o empresário Chris Hufford, que se lembra de ouvir a palavra “decepcionados”. “Falei: ‘Esqueça os malditos singles, só escute... você perceberá que obra de arte incrível é esse disco’.”

A exaustão de Yorke finalmente o derrubou em novembro de 1997, quando a turnê chegou a uma arena em Birmingham, na Inglaterra. “Saí da passagem de som, desapareci, desviei da segurança e tentei sair do recinto”, revela. Depois de vagar por um tempo, ele acabou em um trem cheio de fãs do Radiohead a caminho do show. “Não havia para onde ir, então me escondi no trem. E foi o mais perto que cheguei de tentar fugir.”

Ele pode ter começado a perder a cabeça, mas seus colegas o mantiveram afastado da beira do precipício. “Pessoalmente falando”, diz O’Brien, “e para meu próprio sofrimento, passei muito tempo cuidando do Thom. Tudo era questão de garantir que ele conseguiria aguentar o show. Eu tinha de estar ao lado dele como um irmão”. Além disso, outros amigos forçaram Yorke a fazer coisas normais como ir ao pub, mesmo enquanto Stipe o fazia entrar aos poucos no mundo da fama ao levá-lo a jantares onde havia gente de bandas como o U2.

Em algum ponto do caminho, Yorke desenvolveu um senso de perspectiva – a pausa que a banda finalmente fez entre OK Computer e Kid A ajudou. “‘Tudo bem ficar ansioso com as coisas’”, ele diz, mais uma vez se voltando para o Thom mais jovem. “‘Se você está escolhendo fazer algo tão incrível quanto isso, em algum momento terá de escolher deixar as coisas simplesmente acontecerem. Escolha ter um tempo para si mesmo, vá embora quando puder. Este monólogo interno que está acontecendo é completamente debilitante e nada saudável. Você não está enlouquecendo. Só está fazendo isso há tempo demais e precisa se afastar e aprender a amar a razão pela qual você ama tudo isso e lembrar por que faz tudo isso’. Demorei muito tempo [para me dar conta disso].”

Vinte anos depois de OK Computer, o Radiohead ainda está junto, com a formação original intacta. O que não significa que não houve sérios problemas. Yorke reconhece ter dificultado as coisas para a banda quando mudou a direção de Kid A. “Os outros não sabiam com o que contribuir”, relembra. “Quando se está trabalhando com um sintetizador, é como se não houvesse conexão. Você não está em uma sala com outras pessoas. Deixei a vida de todos quase impossível.”

No entanto, a evolução contínua que começou com OK Computer garantiu o lugar do Radiohead como uma das bandas mais inovadoras do século 21. Essa jornada levou o quinteto ao ponto em que Jonny, por exemplo, rejeita não apenas o termo descritivo “rock” mas também a palavra “banda” – e, assim, a ideia de que é um “guitarrista”. Ele vê o Radiohead como “um tipo de arranjo para formar canções usando qualquer tecnologia adequada a elas. E essa tecnologia pode ser um violoncelo ou um laptop. Tudo é meio que um maquinário quando você olha do jeito certo. É assim que penso”.

Atualmente, a banda está em turnê para divulgar o nono álbum da carreira, A Moon Shaped Pool, lançado de surpresa em maio de 2016, sem terem falado com imprensa e com pouca divulgação.

Diferentemente do que aconteceu em OK Computer – e na maior parte do restante do catálogo do Radiohead –, a banda entrou nas sessões para A Moon Shaped Pool com poucas gravações demo frescas de Yorke para elaborar. “Não houve ensaio”, conta O’Brien. “Fomos direto para a gravação. Muitas das músicas existiam fazia um tempo. O som emergiu enquanto gravávamos.”

De forma peculiar, a turnê de apoio ao álbum mais triste do Radiohead se tornou uma experiência alegre. “Realmente estou me divertindo”, diz Yorke. “A sensação é muito libertadora, e não digo isso com frequência.”

Ainda assim, os planos para depois que a turnê acabar em Tel Aviv em meados de julho ainda estão em suspenso. “Queria que tivéssemos feito mais shows”, afirma Colin. “E queria que tivéssemos passado mais tempo em uma sala tocando, elaborando juntos as coisas.”

Colin pode ficar surpreso em ouvir Yorke dizer que está disposto a pensar na ideia de gravar ao vivo como uma banda – pela primeira vez desde 1997. “Sempre fui extremamente resistente a sermos uma banda guitarra-baixo-bateria”, afirma o vocalista, “mas, se é isso o que as pessoas querem tentar, estou velho demais para ficar ali com um martelo dizendo: ‘Devemos fazer isto, devemos fazer aquilo!’ Quero que todos se sintam livres”. Ele sorri. “Só que, sabe, não é fácil.”

Outras Dores

O mais recente disco do Radiohead também nasceu de um período difícil

A Moon Shaped Pool, o mais recente disco do Radiohead, foi lançado de surpresa em maio de 2016, com pouca divulgação. “Não estávamos na posição de realmente falar sobre ele quando saiu”, diz Ed O’Brien. “Não queríamos falar sobre como foi difícil gravá-lo. Estávamos muito frágeis e precisávamos encontrar nosso chão.” Ele faz uma pausa. “Não quero mais falar sobre isso, se não for problema. Sinto que a poeira ainda não baixou. Foram tempos difíceis.” Ele se refere delicadamente ao fato de que Thom Yorke tem enfrentado uma tragédia que faz tudo o que ele passou nos anos 1990 parecer trivial. A ex-mulher dele, Rachel Owen, mãe de seus dois filhos adolescentes, morreu em dezembro de 2016 após uma longa batalha contra um câncer. Eles tinham se separado no ano anterior, mas ficaram juntos por 23 anos. A tristeza de Yorke permeia quase todas as faixas do álbum. “Havia muitas coisas difíceis acontecendo na época e foi um momento complicado para nós como pessoas”, diz o vocalista. “Foi um milagre o disco ter sido feito.”