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Tim Bernardes precisou perder o medo de se expor para fazer um dos melhores discos de 2017

Vocalista d'O Terno mostrou faceta emocionalmente vulnerável pouco conhecida em Recomeçar: “Estou mais confiante para me expor”

Lucas Brêda Publicado em 26/01/2018, às 14h13 - Atualizado em 03/02/2018, às 17h30

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<b>Cara a Tapa</b><br>
Tim Bernardes: mais pessoal do que nunca
 - Marco Lafer
<b>Cara a Tapa</b><br> Tim Bernardes: mais pessoal do que nunca - Marco Lafer

“Mais uma música de amor, será que precisa?” O pensamento tão autocrítico quanto pertinente foi o que barrou Tim Bernardes de compor abertamente sobre os próprios sentimentos durante anos. Enquanto líder d’O Terno, ele inventa histórias amalucadas ou reflete sobre o mundo a seu redor, só que, no último mês de setembro, pegou de surpresa fãs e gente que nem conhecia seu trabalho com Recomeçar, um disco que é solo não apenas na assinatura – é uma obra sobre a solidão, feita quase inteira por uma única pessoa. É também um álbum tão íntimo e (des) apaixonado que revelou uma faceta emocionalmente vulnerável pouquíssimo conhecida de Bernardes.

Mas, para seu autor, e para os fãs mais atentos, Recomeçar não é exatamente novidade. Ele começou a trabalhar na leva de canções que acabaria no disco solo por volta de 2013, antes do segundo e autointitulado LP d’O Terno. Desde então, ele foi deixando “dicas”, espalhadas pela discografia da banda, do que estava indiretamente preparando. Faixas como “Eu Vou Ter Saudades” (O Terno, 2014), “Vamos Assumir” e “Minas Gerais” (ambas de Melhor do Que Parece, 2016) chegaram a figurar nas tracklists de Recomeçar rascunhadas por Bernardes nos últimos anos. “Foi só no terceiro disco que eu fiz uma lista das músicas que eu tinha, separei-as e me liguei que o álbum solo já estava meio pronto”, revela. “Ficou mais uma questão de quando eu ia ter um tempo para gravar – e calhou de ser no começo deste ano.”

Melhor do Que Parece, o mais recente trabalho d’O Terno, abriu algumas portas para a chegada de Recomeçar. “Eu ainda não bancava o nível de exposição”, confessa, falando de quando começou a trabalhar nas canções solo. “É mais fácil você fazer uma música ‘freak’, como as d’O Terno, que são esquisitas e geram estranhamento, mas você tem uma persona para se esconder atrás. Sempre quis tratar de coisas improváveis, mas aí comecei a me ligar que não tem problema falar da ‘história mais velha do mundo’: amor, desilusão. O Melhor do Que Parece foi importante para perder o medo e o fato de as pessoas terem curtido as [músicas] ‘mais coração’ deu um pouco de coragem também.”

“Volta”, uma das “mais coração” e mais queridas do álbum d’O Terno, tem toda a atmosfera do LP solo, com uma diferença crucial. “Cara, o Melhor do Que Parece é certamente um disco ‘in love’. Claramente, eu estava namorando, sabe?”, ri, evidenciando o fato de que Recomeçar é uma obra sobre separação. “Até dá para interpretar assim, mas, em ‘Volta’, na real, ela estava viajando, sabe? Para mim, é uma faixa sobre amor correspondido. Na hora de mixar [oRecomeçar], eu já estava sozinho de novo”, recorda. “Foi meio foda, porque eu ficava ouvindo essas músicas tristes pra caralho o dia inteiro [risos]. Às vezes eu estava focando em um violino, concentrado, e de repente: ‘Nossa, olha o que eu estou cantando! Que bosta, que bad’.”

“Não gosto de ouvir com as pessoas, prefiro que elas ouçam sozinhas, fico meio constrangido até”, Bernardes admite sobre Recomeçar. Até pelo caráter pessoal, ele preferiu realizar o álbum por conta própria, com a ajuda de amigos apenas para a inclusão de harpas e cordas e do produtor Gui Jesus Toledo, amigo de longa data e espécie de “parceiro de crime” – pois as sessões foram quase “secretas” – nos três meses que o cantor passou em estúdio registrando quase tudo que é ouvido no disco. O processo solitário não só casou com a emoção das canções, como é sentido até nos silêncio das gravações. “Gravamos com ganho alto, dá para ouvir até a baba, sabe?”, ele explica. “Queria que fosse assim.”

Tim Bernardes começa a apontar para trás enquanto indica o caminho até o Estúdio Canoa, em São Paulo, local onde ele grava praticamente tudo que produz atualmente. Estamos em um boteco que costuma ser frequentado nas pausas para almoço das sessões de gravação, e Bernardes está tomando uma água sem gás. Em 2017, ele dá a impressão de ser até mais jovem do que cinco anos atrás, quando O Terno lançou 66, o disco de estreia. Antes, graças às botas, cintos e os cabelos longos e soltos, parecia algum roqueiro da virada dos anos 1960 para os 1970 que parou no tempo. Hoje, de calças apertadas, um tênis baixo, bigode e o cabelo preso, é muito mais a cara de um moleque dos anos 2000, tão desleixado quanto interessado pelo vintage.

Bernardes está mais inserido em uma geração do que imagina. Ele é mais um entre diversos compositores autodidatas e muito interessados pelo passado, que cresceram com acesso rápido e irrestrito à internet. Esta mesma geração consegue funcionar à margem da indústria convencional, sem financiamentos de gravadoras e sem atingir as massas, mas gravando com investimento baixo e distribuindo o som online. Mac DeMarco, do Canadá, e Kevin Parker (mente por trás do Tame Impala), da Austrália, são referências para Bernardes e trabalham de um jeito muito parecido com o dele: produzem álbuns sozinhos, em um estúdio pequeno ou em casa.

“A minha viagem é o pacotão. Quero poder fazer o arranjo, a composição, o intérprete, o instrumentista, a mixagem, tudo. Cada vez tenho menos tesão em fazer só um pedaço. Quero me comunicar com cada coisa, desde o uso de um reverb até a palavra que eu escolhi”, conta Bernardes, que compôs até os arranjos de corda em Recomeçar (ele assina “voz, coros, violões, guitarras, pianos, bateria, baixo, órgão, mellotron, percussões, autoharp, metalofone”). “Uns anos antes, quando a gente começou, ainda tinha um pouco disso. Você ia ao estúdio e tinha um velho que ia mandar gravar assim e assado e ‘cale a boca, moleque’. A partir do segundo disco d’O Terno, já éramos ‘donos’ de tudo.”

Ele é também de uma geração que leva a astrologia muito “a sério”. “Dizem que geminiano é meio indeciso, né?”, abre uma risada enquanto desvia o olhar para o vai e vem do barzinho. “Sou Gêmeos com [ascendente em] Virgem, seja lá o que isso quer dizer. Virgem parece que é mais organizado, mas nasci no mesmo dia [18 de junho] que Paul McCartney e Maria Bethânia.” Ele também sabia que Brian Wilson, ex-Beach Boys, Chico Buarque e o rapper Kendrick Lamar são geminianos. “Acho que Gêmeos tem uma coisa de comunicação do não concreto. E acho que música é isso. Na imagem, Gêmeos é tipo um moleque com as asinhas nos pés, e ele comunica o Olimpo com o mundo. É meio isso: o sagrado com o profano; o sentimento da vida de uma maneira prática, em uma canção. Tem sentido? [risos]”.

“Sete anos atrás, sofri um acidentão, o ônibus virou no meio da estrada, morreu um monte de gente, eu quase morri”, Bernardes começa a contar uma história para tentar explicar as próprias crenças. “Ali me deu uma onda que não é religiosa – é sobre o tamanho da vida. Podia ter encerrado, e não encerrou. Lembra aquele conceito de delta da física? De variação [risos]? Enquanto vivos, nós estamos na inércia de estar vivo. O que senti nesse rolê foi um ‘delta vida’. Fiquei: ‘Que louco, se tivesse acabado, não teria mais existência’. Me veio um lance de otimismo”. Músicas como a faixa-título de Melhor do Que Parece são indiretamente derivados desta experiência. “Não é tipo: ‘Ah, gente, a política tá uma bosta, mas tá tudo bem’. Não está tudo bem. É só que, se você olhar de cima, a humanidade é uma coisa bem louca. É legal estarmos vivos, vendo as paradas. E daí sim: não está tudo bem, vamos resolver.”

É interessante ouvir Bernardes refletir com certo entusiasmo sobre a vida, especialmente depois da densidade sentimental de Recomeçar. Ele encara a tristeza do álbum como um tipo de esperança, daquela que só é alcançada quando se tem coragem suficiente para enxergar profundamente os próprios demônios. “Hoje está todo mundo lindo no Instagram, é todo mundo bem-sucedido no Facebook. Às vezes eu olho e fico pensando que queria alguma coisa que fosse real, que tivesse falhas”, teoriza. O disco solo, além de um passo importante na “perda do medo” de Bernardes, ratifica-o como um dos compositores em maior ascensão no país. “São engraçadas as reações, a galera [postando] tipo: ‘Puta merda, vou chorar [ouvindo Tim Bernardes]’. Todo mundo comovido de um jeito ‘meme’”, diz. “Já passou a fase inicial de ter aquele cagaço – vai ter gente no show? Se tiver, vão gostar de mim ou vão me achar idiota? Agora, não precisa ficar tão preocupado. Já lotou, eles querem te ver. Isso te deixa mais à vontade, você consegue falar da vida como a gente está fazendo agora, na mesa do bar. Antes, era tipo: ‘Não sei o que falar, melhor tocar a próxima música’. Estou mais confiante para me expor.”