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Adaptação de Cinquenta Tons de Cinza torna a história mais palatável para o público masculino, mas não faz milagre

Direção de Sam Taylor-Johnson filtra clichês do livro, enquanto a ótima atuação de Dakota Johnson melhora a chatice da protagonista Anastasia Steele

André Rodrigues Publicado em 11/02/2015, às 07h34 - Atualizado às 09h39

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Anastasia Steele (Dakota Johnson em <i>Cinquenta Tons de Cinza</i> - Divulgação
Anastasia Steele (Dakota Johnson em <i>Cinquenta Tons de Cinza</i> - Divulgação

“Pronto, meninos. Vocês já podem conhecer os cinquenta tons de cinza sem se aborrecerem tanto.” Bem que esta poderia ser a frase usada pelos marqueteiros da adaptação cinematográfica do estrondo literário Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James.

Outra visão: sexo chocho e um Christian Grey sem carisma destroem o apelo de Cinquenta Tons de Cinza.Por Bruna Veloso

Com 100 milhões de exemplares vendidos no mundo, quantos homens de fato se arriscaram na leitura desse best-seller por prazer? A narrativa em primeira pessoa da estudante de literatura Anastasia Steele se derrama por infinitas páginas, quase todas trazendo as mesmas perguntas e uma adoração meio patética pelo megaempresário – e sadomasoquista – Christian Grey. É fácil perder o interesse no inocente “mimimi” da mocinha virgem. Resumindo: a Anastasia do romance é bem chatinha.

Ainda que seja literatura barata, Cinquenta Tons de Cinza estimula o mercado a olhar para a pornografia voltada à mulher.

Mesmo assim, parece que o perigoso conto de fadas vivido pela protagonista ativou os hormônios femininos, principalmente por causa de extensas cenas de sexo em que observamos uma mulher atingir o orgasmo sucessivas vezes. Apesar de frágeis (é muito difícil escrever cenas de sexo), são as melhores partes do livro. Portanto, sucesso merecido. A ex-executiva de televisão e hoje milionária E.L. James apareceu na hora certa e deu o que o povo queria.

Naturalmente, a adaptação do primeiro livro da trilogia gerou um frisson entre as leitoras e uma preocupação em relação aos homens: será que eles assistiriam a um título que foi tão malhado como "mommy porn" (“pornografia para mamães”)?

Pois três mulheres são as responsáveis por deixar o filme palatável e interessante também para o universo masculino. A direção de Sam Taylor-Johnson consegue trazer certa elegância e humor para diversos momentos absurdamente bregas e cheios de clichês (reparem como ela usa a luz para salvar a reunião sobre o contrato de submissão). Claro, fica difícil fazer algo brilhante com um amante tocando piano depois da transa, mas os momentos mais ridículos passam rápido. E a beleza de Seattle e arredores é bem explorada pelas tomadas aéreas, que contaminam o longa com um clima de aventura e esportes radicais - bem propício para os machos.

Quanto ao sexo, nada de rígidos falos masculinos, ereções comprometedoras ou o uso de apetrechos mais curiosos. O filme se afasta de qualquer provocação sobre os perigos e poder do sexo e poderia tranquilamente passar na faixa erótica do canal Multishow, com cenas adequadas ao clima de Seattle: molhado, mas frio. Como sempre, o corpo feminino é muito mais explorado do que o masculino.

Kelly Marcel, responsável pelo roteiro, conseguiu algumas proezas. Ao eliminar qualquer vestígio de uma narração em off de Anastasia nos poupou dos comentários da tal “deusa interior”, que simplesmente destruíam dezenas de páginas da obra literária. Também há uma limpeza nos trejeitos mais insuportáveis de Christian Grey, como a obsessão dele por comida. Porém, depois de uma hora de filme, encontramos o mesmo problema do livro: fica difícil acompanhar alguma coisa quando parece que a história já acabou e estamos sendo enrolados.

Por fim, Dakota Johnson é uma revelação. Ela parece ter tudo o que Anastasia não possui na literatura: é irônica, inteligente, sagaz, emotiva sem ser maluca, comum e graciosa. Por vezes ela exerce um fascínio parecido com aquele que Julia Roberts mostrou em Uma Linda Mulher.

Nem vale a pena gastar teclado para comentar a performance de Jamie Dornan e seu risível senhor Grey. É um personagem que não convence, sendo tratado com condescendência pelas meninas. Apesar de ser o dominador, ele claramente é manipulado por Anastasia. Mais um motivo para os homens encararem o filme. É uma rara chance de se observarem como meros objetos sexuais.

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