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De Recife para o mundo

Segundo dia do evento Porto Musical, na capital pernambucana, teve mercado internacional e política como temas centrais

Por Antônio do Amaral Rocha, de Recife Publicado em 28/02/2011, às 10h24

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Luisa Maita em sua primeira apresentação no Nordeste, dentro da programação do Porto Musical, em Recife - Tiago Calazans/Usefoto
Luisa Maita em sua primeira apresentação no Nordeste, dentro da programação do Porto Musical, em Recife - Tiago Calazans/Usefoto

Não haveria ambiente mais adequado para repercutir negativamente a decisão da prefeitura de Recife de ter incluído grupos de pagode e axé para animar shows na cidade e região durante o Carnaval, deixando de priorizar as manifestações locais como em outros anos. Não se falava em outra coisa, entre músicos e produtores participantes desta edição do Porto Musical, que acontece o Centro Cultural dos Correios, no Recife Antigo. As conferências marcadas para a última sexta-feira, 25, constaram de discussões sobre as experiências de diversos produtores convidados, de como fazer a música de Pernambuco atingir outros mercados, especialmente o internacional, já que há demanda para isso.

Clique aqui para saber como foi o primeiro dia do Porto Musical 2011.

Introduzindo uma discussão política no encontro, a advogada Deborah Sztajnberg fez um relato minucioso da causa que defende atualmente, representando os músicos, que preconiza o fim da Ordem dos Músicos. Sua exposição indignada traçou um panorama sobre a atuação dessa entidade, que, segundo ela, "mais atrapalha que ajuda", há mais de quatro décadas, os profissionais da música no Brasil. A ação está parada no Supremo Tribunal Federal e será julgada em algum momento por exigência legal. Causou surpresa entre alguns participantes, saber que essa entidade foi tomada por não-músicos desde a sua fundação, à margem de qualquer marco legal, e se transformou em um dos braços da ditadura após o golpe de 64.

O japonês Makoto Kubota, um estudioso e apaixonado pela brasileira, especialmente a nordestina, contou sobre suas pesquisas da música tradicional japonesa e suas manifestações que muito lembram o carnaval de rua do nordeste brasileiro. Documentou a sua palestra com um documentário que está realizando na ilha de Myaka, no sul do Japão, sobre a música feita naquele lugar e que faz uso da percussão e flauta, traçando um paralelo com as festas de rua brasileiras.

O norte-americano Bill Bragin, produtor e programador do Lincoln Center de Nova York, deu sua visão do que é necessário para o artista brasileiro tentar conquistar o mercado dos Estados Unidos. Enfatizou que um dos primeiros pressupostos é a qualidade do trabalho e que ele deve ser necessariamente diferente daquilo que os norte-americanos já sabem fazer. Nesse sentido, não adianta querer fazer rock para quem já consome rock de qualidade. A música brasileira que já tem penetração nesse mercado (Bragin já programou Gilberto Gil, Lenine, Hermeto Pascoal e muitos outros) sempre terá esse espaço, mas é um terreno a ser conquistado com ações de investimento sem retorno imediato para o artista iniciante.

A conferência mais concorrida entre todas foi a de Charles Gavin (ex-Titãs), que relatou a sua experiência na recuperação do acervo da música brasileira, especialmente os discos esquecidos e relegados de jazz samba, projeto que não foi assumido pelas gravadoras detentoras dos direitos, por não apresentarem retorno comercial. Mas contou sobre o seu grande êxito: a remixagem e relançamento em CD dos primeiros vinis dos Secos e Molhados, um sucesso de vendas. Esse acerto lhe abriu as portas para a criação do programa O Som do Vinil, do Canal Brasil.

A programação musical da noite, no palco na Praça do Arsenal da Marinha, trouxe o Pouca Chinfra, de Recife, bem humorado grupo de dez integrantes, que fazem o samba tradicional e que poderia ter surgido em qualquer lugar do Brasil. Instrumentistas competentes, cantam composições próprias com letras bem humoradas, e assumem uma certa influência de Adoniran Barbosa e de outros bambas do gênero. A banda que já tem sucesso de público em Recife e região, poderá facilmente conquistar o sudeste se investir na empreitada.

A Orquestra Brasileira de Música Jamaicana, de São Paulo, cujo ponto forte é o naipe de metais, tem repertório vasto, passando por Chico Buarque, Mutantes, Tom Jobim e até Adoniran - tudo transformado em reggae, em versões dançantes e sincopadas. A reação da plateia não é outra a não ser a dança. Foi o que ocorreu entre as cinco mil pessoas presentes na praça, em meio a um forte cheiro de canabis e muita cerveja.

O encerramento da noite se deu com a apresentação marcante de Luisa Maita. A cantora paulistana, que tocou pela primeira vez no Nordeste, trouxe um som que tem tudo a ver com a moderna música paulistana, assumindo influências do samba, do funk, do soul, num canto ora contido, ora gritado, e sempre com muito suingue.