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Exclusivo: visitamos o set de Narcos, série protagonizada pelo brasileiro Wagner Moura

“Existe o Pablo que conhecemos, que como ator não faz sentido julgar ou seria muito difícil interpretá-lo, e existe o homem de família”, diz o ator; o nascimento do narcotráfico é tema da série da Netflix, que estreia em 28 de agosto

Roberto Larroude, de Bogotá Publicado em 11/07/2015, às 10h17 - Atualizado em 12/07/2015, às 18h57

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Wagner Moura como Pablo Escobar em <i>Narcos</i> - Reprodução
Wagner Moura como Pablo Escobar em <i>Narcos</i> - Reprodução

Impossível falar em tráfico de cocaína e não pensar em Pablo Escobar. “El Padrino”, conforme define o personagem de Johnny Depp no filme Profissão de Risco, “era o cara, o chefe de tudo, O Mágico!”. Em Narcos, série da Netflix sobre o nascimento do narcotráfico, ele certamente será um dos protagonistas. Coube ao brasileiro Wagner Moura a missão de interpretá-lo neste projeto internacional, com dez episódios que chegam ao serviço de streaming em 28 de agosto. “É um ótimo personagem, muito contraditório. Existe o Pablo que conhecemos, que como ator não faz sentido julgar ou seria muito difícil interpretá-lo, e existe o homem de família, o ser humano”, conta o ator. Ele aceitou o convite do diretor e velho amigo José Padilha, com quem trabalhou nos dois filmes Tropa de Elite, antes mesmo de ler o roteiro. A partir daí, já começou a preparação. “Não sabia quando seriam as filmagens, então tive aulas de castelhano por conta própria, me mudei para Medellín e me matriculei na universidade local. Também visitei o bairro que leva o nome dele e foi muito intenso. Tem um mural com a cara [de Escobar] pintada ao lado de Jesus Cristo. Ele é idolatrado”, explica.

Do alto de seu jeito de garoto, ele é um dos grandes atores brasileiros de todos os tempos e o mais popular de sua geração. Com a farda preta do Capitão Nascimento, deu vida ao maior anti-herói do nosso cinema. Leia o perfil de Wagner Moura, capa da edição 49 da Rolling Stone Brasil.

Segundo os produtores, o projeto começou como um filme tradicional, mas tiveram a sorte de se envolver com a Netflix e expandir a duração para mostrar enfoques inexplorados, assim como aspectos econômicos e judiciários relativos ao tema, além de relações humanas, militares e até governamentais: “As melhores séries te levam para um mundo que você não conhece, com o qual não é familiarizado. Acho que estamos tentando mostrar a versão mais absurda, e até humorística, do que aconteceu aqui. Pablo Escobar foi candidato a deputado federal. Suplente, é verdade, mas foi eleito! Seu plano era ser presidente, e na época não parecia tão irreal”, conta o produtor executivo e roteirista Chris Brancato. Mas o famoso traficante colombiano não é tema principal da série, como outras obras na televisão e cinema. Sob o ponto de vista do DEA [agência anti-drogas dos EUA], a história foca especialmente em dois agentes, além de outros traficantes: “Muitos filmes falharam ao tentar humanizar Pablo Escobar. Nós não [fizemos isso], ele é um sociopata, um terrorista. Achou um produto perfeito e que foi entregue para o mercado perfeito, os Estados Unidos”, explica o produtor executivo Eric Newman. “Ninguém se aposenta do narcotráfico. Ele acabará morrendo e o Cartel de Medellín será derrotado pelos colombianos. Então, poderíamos seguir acompanhando o Cartel de Cali e depois o Cartel Peruano. A série examina o narcotráfico em diversos países”, completa Brancato.

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Luz, câmera, cocaína e violência

O ambiente tipicamente cinza de um estacionamento em Bogotá, capital da Colômbia, não precisou de muito para ficar com o visual do aeroporto em Miami nos anos 1980 e servir de locação para uma importante cena do primeiro episódio de Narcos. Amontoados no canto, esperando a hora de aparecer para as câmeras, algumas dezenas de grandes pacotes de cocaína cenográfica chamam atenção por entre carros de época norte-americanos que estão estrategicamente posicionados. Uma Kombi anda lentamente enquanto outro carro se aproxima e pisca os faróis. De repente, “Corta”, grita o diretor José Padilha. Enquanto preparam luzes e câmeras para outra parte da cena, Boyd Holbrook (Steve Murphy) tem alguns minutos para conversar com Rolling Stone Brasil: “Essa é uma cena muito crucial. Estamos vendo a cocaína entrar no país e trazer junto o crime e a violência. Um acontecimento faz com que meu personagem decida ir atrás da raiz do problema, na Colômbia. Mas é mais complexo do que ele imagina e, para acabar com esse cartel, ele terá de ‘jogar’ como eles. Às vezes temos que fazer o mal para fazer o bem”, analisa Boyd. Ele conta que é o principal narrador da série (seu parceiro, interpretado por Pedro Pascal, faz isso algumas vezes) e tem a função de guiar o espectador, quase educá-lo, sobre tudo que aconteceu naquela época. Pouco antes de ser chamado de volta ao trabalho, alguém da produção pergunta se quer entregar a arma cenográfica: “Deixa ela comigo, só por precaução. Tem muitos jornalistas aqui,” brinca Holbrook.

Galeria - Brasileiros em Hollywood.

Horas antes, no hotel onde o elenco estava hospedado, a atriz britânica Joanna Christie, que vive Connie Murphy (esposa do agente do DEA) falou sobre a própria personagem, que é baseada em uma pessoal real que ela teve oportunidade de conhecer. “Em meia hora de conversa percebemos que somos muitos parecidas, temos atitudes e pensamentos parecidos. Ela encarou se mudar para a Colômbia como uma aventura e foi exatamente o que pensei quando consegui o papel”, conta. “Estava achando que minhas cenas seriam todas domésticas, mostrando quando o marido chega em casa frustrado do trabalho, mas acabei de ler as cenas dos próximos episódios que vamos gravar e vai ficar bem mais agitado”, comemora.

O outro narrador, o agente do DEA Javier Peña, é interpretado por Pedro Pascal, que havia recentemente encerrado de forma brutal sua passagem por Game of Thrones. “Acho que participar de uma série como aquela, adorada pelo público e aclamada pela crítica, com certeza faz diferença na carreira. Não vejo as empresas [Netflix e HBO] como concorrentes diretas, elas competem com filmes. Pode ser um clichê, mas trabalhar na Netflix é a realização de um sonho”, elogia o ator. Para ele, gravar nas diversas locações na Colômbia, como La Candelaria – prisão construída pelo próprio Escobar para que cumprisse pena quando decidiu se entregar para as autoridades –, é diferente de tudo que já se viu na televisão. “O país é um personagem da série”, diz. A preparação de Pascal envolveu aulas e simulações táticas em Quantico (Centro de Treinamento da CIA e DEA), além de conhecer o verdadeiro Peña: “Ele acabou de se aposentar, ainda é muito popular. Por onde passávamos as pessoas o cumprimentavam, foi chefe de muita gente em Porto Rico, São Francisco e Houston. É muito adorado. O que faz com que me sinta bem, já que estou interpretando um cara bacana.”

Ainda no set de filmagem, entre um take e outro, Paul Eckstein, um dos produtores e roteiristas da série, também conversa com a imprensa. Quando questionado sobre o fato de os dois filmes Tropa de Elite terem frases marcantes, que ficaram muito famosas (“Pede para sair”, “Missão dada é missão cumprida”), ele analisa as falas de Narcos. “Quando escrevemos o roteiro não sabemos de quais frases o público vai gostar. Mas tem uma cena que envolve uma imagem de arquivo da campanha anti-drogas da Nancy Reagan “Just Say No”, que depois corta para o Pablo lidando com um inimigo, que pode ser marcante [risos]”.

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Outros personagens

O nascimento do narcotráfico pode ser comumente atribuído a Escobar, mas ele não fez tudo sozinho. Um dos personagens mais desconhecidos que terá destaque é Gustavo Gaviria, primo de Pablo Escobar e o único que talvez conseguisse controlar os rompantes de violência do traficante. Para interpretá-lo, a produção escalou uma “prata da casa”, o ator colombiano Juan Pablo Raba. Assim que soube que trabalharia com Wagner Moura, escreveu para ele: “Já era fã e avisei: ‘Em primeiro lugar, te amo e estou muito empolgado em trabalhar com você! Seu trabalho foi muito importante para minha carreira, amei o que fez em Tropa de Elite’. Também perguntei o que estava fazendo relacionado ao visual, se estava ganhando peso”, conta, empolgado.

Como teriam muitas cenas juntos, muitos diálogos, precisavam de entrosamento. E nada como muitas horas dentro de um carro para quebrar o gelo: “Nosso primeiro contato foi uma viagem até a Fazenda Nápoles [antiga propriedade de Pablo Escobar] e fomos conversando o tempo todo. Foi um grande risco, podíamos nos odiar e nunca mais olhar na cara um do outro, mas nos entendemos bem. Fico feliz em dizer que fiz um novo amigo”, celebra. Além do apelo profissional, Juan tinha motivos pessoais para querer participar da série e mostrar como todo o país foi afetado pela violência e narcoterrorismo imposto por Pablo Escobar. Entre os atos brutais mais conhecidos do traficante estão a tomada do Palácio da Justiça, em 1985, e a “bomba no avião”, em 1989. “Meu tio morreu no atentado do voo HK 1803, então essa história atinge a todos. Meus amigos de escola tiveram que se mudar, eu fui embora para a Espanha. Não pudemos crescer em nosso próprio país de tão aterrorizante que ele era naquela época” conta.

Outro personagem terá um interprete conhecido dos brasileiros. André Mattos, o Deputado Fortunato de Tropa de Elite 2, dá vida a Jorge Luis Ochoa e entende muito bem a relevância da série: “É um assunto delicado pra a Colômbia, sofreram muito. Nosso papel como artistas é mostrar para as novas gerações como foi essa época, a história real”, contextualiza. “Meu personagem tinha muito dinheiro. Quando Pablo precisava de grana era para ele que pedia. Não era tão violento, era um homem de família. Ele não ‘tocaria fogo’, mas tinha a gasolina e daria para alguém acender, e essa contradição é boa para o trabalho de um ator”, explica. Sobre a experiência de filmar no exterior, ele faz piada e elogios: “O elenco é muito mais jovem que eu, sempre querem sair para se divertir depois das filmagens. Só peço para me deixarem dormir de tão cansado que fico [risos]. Mas tivemos uma coisa especial aqui. E acho que muito disso vem do Padilha, que sabe como nos deixar felizes enquanto trabalhamos. É um ótimo roteiro, muito sofisticado e com muita ação, algo que o José sabe fazer muito bem. E há um bom balanço entre violência e humor”, diz Mattos.

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Completando a lista de principais fundadores do Cartel de Medellín está Gacha, interpretado por ninguém menos que o porto-riquenho Luiz Guzmán, velho conhecido de Hollywood. “De todos os líderes, ele provavelmente era o mais impiedoso. Cuidava bem de quem gostava, mas era uma pessoa ruim com os inimigos. Um ‘hijo de puta’, como dizem.” O ator brinca que, para se preparar para o papel, vendeu drogas pela internet, mas não deu muito certo: ”Pediram o dinheiro de volta quando perceberam que era talco. Cresci em Nova York, comprar drogas era tão fácil quanto comprar uma bala”, relembra o eterno Pachanga de O Pagamento Final.

Ficção x Realidade

Diferente do que acontece em uma rede de televisão, que tem compromissos publicitários e limites do que podem mostrar, o esquema na Netflix é outro: “Além da ausência de comerciais que permite contar histórias em episódios de uma hora sem pausas para intervalos, podemos usar a violência inerente à trama, palavrões que normalmente seriam cortados e cenas mais ousadas. Resumindo, podemos mostrar personagens humanos como realmente são, sem ofender ninguém”, diz Chris Brancato. A ascensão e queda do narcotráfico colombiano têm muitas histórias e situações que, se não estivessem documentadas pela imprensa, seriam inacreditáveis: “Vamos mostrar todos os absurdos da melhor maneira possível. Mas não temos o mesmo orçamento que Pablo Escobar”, brinca Eric Newman.