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Filme Tolkien é essencial para fãs de O Senhor dos Anéis, mas ingenuidade atrapalha os não-iniciados [Análise]

Vida de J. R. R. Tolkien, criador de personagens como Gandalf e Frodo Bolseiro, ganha cores, dramas e carne e osso

Pedro Antunes Publicado em 28/05/2019, às 19h29

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Nicholas Hoult interpreta Tolkien na sua versão adulta (Foto: Divulgação / Fox)
Nicholas Hoult interpreta Tolkien na sua versão adulta (Foto: Divulgação / Fox)

Em dado momento, sentado na traseira de uma carroça, o jovem John Ronald Reuel Tolkien (interpretado por Harry Gilby) sacoleja ao sabor da estrada de terra enquanto olha para o pequeno vilarejo, onde viveu entre os primeiros anos na África e a adolescência na cidade inglesa de Birmingham.

A semelhança é tanta que chega a dar arrepios em quem leu a trilogia O Senhor dos Anéis e o livro O Hobbit: é Hobbiton, a vila dos Hobbits, os simpáticos personagens que protagonizam as histórias mais famosas do já crescido J. R. R. Tolkien.

Ainda são os primeiros minutos da cinebiografia Tolkien, já em cartaz nos cinemas do Brasil, mas o recado dado pelo diretor Dome Karukoski e os roteiristas David Gleeson e Stephen Beresford é bastante claro. Embora a narrativa do filme se concentre na vida do escritor e especialista em línguas fora do contexto da fantasia dos seus livros, as referências são muitas - e inevitáveis. Quando notadas, são como um abraço dado com casaco de moletom num dia frio.

Tolkien, o filme, possui suas formas de ser absorvido. A primeira é por aquela pessoa conhecedora do universo da Terra-Média, continente fictício onde habitam magos, anões de barbas longas, guerreiros de espadas enormes e seres malignos. A outra, bom, por aqueles que desconhecem a literatura do inglês e/ou os filmes baseados nela.

Há uma chuva de easter-eggs discretos, como o padre que se torna tutor de John Ronald e seu irmão, com diálogos e atitudes que lembram o mago Gandalf, e outros escancarados como, por exemplo, quando o jovem Tolkien e brincava com os amigos com galhos como espadas - neste momento, flashes de batalhas de cavaleiros adultos são inseridos nas imagens da criançada.

Tudo é delicioso para quem sabe como essas as experiências de vida de Tolkien se expressaram na literatura criada depois. Tolkien, por exemplo, integrou um grupo de amigos chamado de sociedade, tal qual a Sociedade do Anel que dá nome ao primeiro livro da trilogia O Senhor dos Anéis - o fato de serem quatro colegas também remete ao quarteto de hobbits que embarca na viagem fantástica dos livros. Enfim, são inúmeras as referências.

Tolkien, o filme de Karukoski, contudo, não se baseia na ficção. Embora os easter-eggs sejam parte importante nessa narrativa afetiva, eles não são determinantes. Trata-se da jornada do jovem, órfão de pai e mãe ainda cedo, que conhece o amor da sua vida e se vê impedido de viver essa relação até ter 21 anos.

É também a história de um jovem incompreendido, inteligentíssimo, mas sem um tostão no bolso, inserido em uma alta sociedade inglesa de gostos refinados. Principalmente, trata-se na trajetória esse personagem que, já adulto, é arremessado, como tantos outros milhões de jovens, nos horrores da Primeira Guerra Mundial.

O que Karukoski faz, neste caso, é aliviar os terrores da guerra com os devaneios fantasiosos do seu Tolkien, cuja versão adulta é interpretada por Nicholas Hoult (de X-Men e Mad Max). Bombas e lança-chamas são transformados em um dragão na ilusão do personagem, febril, em uma suicida jornada por encontrar seus amigos de infância (um daquela tal sociedade).

O problema se encontra na falta de profundidades nas relações entre os personagens principais e em seus diálogos, cabrestos que os impedem de sair do estereótipo mais básico. Sem o apoio das memórias afetivas criado pelas referências à obra de Tolkien, o marinheiro  de primeira viagem talvez não se interesse em buscar os livros de um autor cuja paleta de sentimentos mostrada no filme seja tão limitada.

O que Tolkien, o filme, cria, no fim, é um sentimento ambíguo. E é preciso - e possível, também - relevar os pecados cometidos ali. Parece ser um típico caso no qual existe paixão e devoção ao biografado.


E, nesse caso, Karukoski comete seus excessos, embora os faça na tentativa de tornar mais lúdica a dura história de derrotas vividas por Tolkien até o seu desfecho.

Karukoski tinha a opção de se manter na realidade, e mostrá-la como é (dura e cruel com Tolkien), ou brincar mais escancaradamente com a ficção e com a fantasia que se abriam na mente de Tolkien durante a vida. Decidiu fazer as duas, mas acabou não acertando em cheio em nenhuma.

A princípio, dá-se a entender que os easter-eggs seriam um carinho no coração dos fãs da obra de Tolkien, mas ao longo do filme, as questões outras, como a falta de profundidade, fragilizam o roteiro. São as referências, por fim, as responsáveis por aquecer o filme. Com isso, Tolkien se transforma uma produção muito mais convidativa aos já iniciados no mundo dos hobbits. 

E para quem conhece bem esse universo tão detalhadamente descrito pelo autor inglês, cada cena da vida dele exibida na tela faz pipocar um tanto de imagens e palavras vindas diretamente dos livros - e isso, por si só, é lindo. 

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