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Roger Daltrey relembra a experiência de lançar Tommy

“As pessoas me chamavam de Tommy”, relembra "enchia meu saco”

ANDY GREENE Publicado em 15/12/2013, às 16h18

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Roger Daltrey suou a camisa - AP
Roger Daltrey suou a camisa - AP

Roger Daltrey contou à Rolling Stone EUA que The Who vai lançar a “última grande turnê” em 2015. Há também rumores de um novo álbum para o ano que vem. Mês passado, mas a esta altura, seus únicos planos são de lançar a versão de luxo de Tommy, que contém um novo mix do álbum, demos inéditas de Pete Townshend e uma série de gravações da turnê da banda em 1969 que nunca foram lançadas. Falamos com Daltrey sobre o legado de Tommy, o estado de sua voz e o contínuo trabalho caridoso com a Teen Cancer America.

Conte sobre suas primeiras lembranças de ouvir que Pete queria escrever uma ópera rock.

Nós tínhamos sido influenciados pelo nosso empresário em transformar músicas pop de três minutos em algo a mais. Nós fizemos uma mini-ópera [“Teen Cancer America”] em A Quick One. Então fizemos outra faixa estendida [emThe Who Sell Out] chamada “Rael”. Essa música está cheia de backing e vocais – uma faixa realmente interessante.

Quando voltamos para o estúdio, tínhamos feito um sucesso medíocre com “I Can See For Miles”. Eu achei que era um single brilhante, provavelmente um dos melhores que já fizemos. Mas sendo uma banda de singles, estava se esgotando. Pete estava se desgastando, quase exausto. Ter que criar hits o tempo todo, essa é a parte difícil da indústria da música. Mas criar música? Isso é bem mais fácil. Bem, não sei se mais fácil... Era mais artisticamente atraente para ele.

Então ele veio com essa ideia de como seria a vida se você tivesse que vivê-la apenas através de vibrações de sentimentos. A ideia era, “Imagina se você fosse cego, surdo e mudo. Como seria experimentar certos momentos da sua vida?” E tínhamos uma música chamada “Amazing Journey". Esse foi o começo de tudo. Minha lembrança é que gravamos uma música sobre um menino cego, surdo e mudo e cresceu daí. Basicamente, Pete foi para casa depois que gravamos e voltou com outras músicas que gradualmente combinavam e iam formando o esboço do que seria Tommy.

Pediram para que John Entwistle escrevesse sobre o lado sombrio das coisas. Havia personagens obscuros como Uncle Ernie, com o qual nos divertimos na época. Nós sempre nos divertimos com isso. John escreveu essa faixa e “Cousin Kevin”, que é a maldosa. Pessoas falam sobre o Tommy de Pete Townshend, mas na verdade é o Tommy do The Who.

Como você cresceu e mudou como cantor enquanto fazia Tommy?

Bem, pela primeira vez depois de “My Generation” – quando eu fui expulso da banda – nós fizemos singles muito estranhos. “I’m a Boy” e “Pictures of Lily” – essas músicas são interessantes. Eu acho que “Pictures of Lily” é uma música ótima, mas eram muito diferentes em relação ao vocal a que eu estava acostumado e senti dificuldade. Estava pisando em território desconhecido. Eu comecei a melhorar com “I Can See For Miles”, mas não havia chegado lá ainda.

Uma vez que começamos a fazer todas as músicas de Tommy, como vocalista percebi que elas exigiam uma interpretação mais forte. Me deu uma abertura grande para realmente, realmente tentar coisas diferentes. Uma vez que caímos na estrada e eu cantei ao vivo, decolou sozinho e minha voz cresceu com isso.

Eu ouço uma confiança na sua voz que não estava lá antes da turnê.

Acho que criei essa confiança porque tinha um significado maior. Eu estava tocando as pessoas de maneira diferente, não do jeito supérfluo que havíamos feito antes, do jeito que “My Generation” havia tocado. Músicas como “Happy Jack” e “Pictures of Lily” eram legais, mas eram...

Muitos fãs veem a turnê de Tommy como amostra do Who como banda ao vivo. Você concorda?

Se eu tivesse que escolher entre Quadrophenia, Who's Next ou Tommy, escolheria sempre Tommy. É a obra mais completa. Não que, musicalmente, seja melhor que os outros. É só mais completo. Bom, pelo menos para mim, como cantor.

Quando você vê outros shows de rock antes da turnê Tommy, a maioria das bandas se apresentavam em quarenta minutos ou menos.

Nós costumávamos fazer quarenta minutos de outras coisas antes de sequer começarmos Tommy! E no final, fazíamos sessões de jam nas quais tocávamos todo o tipo de coisa, quase ao ponto de estender o show para duas horas e meia, algumas vezes três horas. O que era extraordinário era que à medida que tocávamos a primeira parte, a plateia era uma plateia de rock. Mas uma vez que começamos a tocar Tommy, as pessoas se sentavam. [Risos] E quando aconteceu pela primeira vez, pensamos, “Ah, merda”! [Risos] Faz você ir além como performer, o fato de eles estarem se sentando. Você tem que ir além para levantá-los. O lance todo tinha uma química muito estranha, mas simplesmente funcionava.

A história mais contada é a de que você gravou um monte de shows no final de 1969, mas que Pete queimou todas as fitas. Mas há material inédito de outubro de 1969 nesse novo set.

Nós temos centenas e centenas de shows ao vivo. Mas, infelizmente, estão registrados em apenas dois canais. Não há muita coisa que você possa fazer com elas em relação a mixagem. Mas é uma boa gravação do trabalho que estávamos fazendo.

Você chegou a se preocupar de Tommy ficar tão grande que ofuscasse qualquer outra coisa que o grupo fizesse?

Nossa preocupação foi quando fizemos o filme [em 1975]. Eu nunca tinha percebido a diferença entre o que se chama de estrela de cinema e estrela de rock. Era absurdamente diferente. Foi muito difícil de lidar até um, dois anos depois daquilo. Mas no final das contas, eu estava determinado a ficar com o The Who durante toda a montanha-russa da época. Foi uma loucura. Pessoas te tratam diferente e você pensa “Eu não quero ser tratado diferente. Eu só quero estar em uma banda de rock”. Foi difícil. Apenas muito, muito difícil.

Suponho que o público visse você como Tommy.

Eles me chamavam de Tommy, isso enchia meu saco.

Cinema é um veículo poderoso.

Eu sempre vi Tommy como um lance no qual todo mundo era Tommy. Para mim, a jornada era interna. Não era neste mundo ou deste mundo. Era o nosso potencial interior – espiritual. E era disso que eu gostava nele. Eu gostei disso no filme de certa maneira, também, apesar de ser, vagamente, baseado neste mundo. Era completamente louco, se desenvolveu sozinho.

O The Who ficou competitivo quando começou Tommy por causa do Sgt. Pepper e do que o The Kinks estava fazendo?

Não, porque Sgt. Pepper nos deu confiança de que o público estava aceitando novas ideias. Não há dúvidas em relação a isso. O trabalho de George Martin com os Beatles e as músicas que estavam escrevendo nos deu confiança de que o público fosse aceitar qualquer coisa, se fosse boa.

Andei ouvindo as demos de Pete do novo box. É impressionante ouvir as músicas em seu formato original, e depois ouvir o que aconteceu quando banda se apoderou delas.

Durante algum tempo, as pessoas não conseguiam reconhecer o que o Who estava acrescentando nas músicas de Pete.

Essas músicas teriam sido radicalmente diferentes se não fossem pela sua voz, a bateria de Keith e o baixo de John.

A fórmula completa. E ficou bem claro a partir do primeiro dia de Keith na banda. Qualquer música que havíamos tocado até então ficou imediatamente diferente depois de Keith entrou. A química mudou e ficou claro desde o primeiro dia.

É bem incrível que vocês quatro tenham se juntado. Vocês são tão diferentes entre si.

A matemática dos nossos cérebros apenas combinou. Digo, a música é basicamente matemática de um jeito divertido. Nesse sentido, éramos o perfeito quebra-cabeça.

Eu vi a turnê Quadrophenia há, mais ou menos, um ano. Parece que você está cantando melhor do que nas turnês anteriores. Você sentiu isso?

É. Eu tenho tido problemas com a minha garganta há anos. Eu tenho um problema no qual tenho que ficar de olho. Mas uma vez que descobri esse problema e tive de ficar de olho, Deus, foi um alívio. E foi incrível cantar de novo.

Você precisa lembrar que no começo do The Who nos anos 70, eu tinha que gritar para conseguir me ouvir. Foi muito, muito difícil. Eu danifiquei muito a minha voz, mas a fortaleci, também. Tivemos que encontrar uma nova maneira de trabalhar, porque o volume estava destruindo Pete. A audição dele estava no fim, e a minha também está indo.

Eu fui fazer minha própria banda e, inicialmente, fiz a mesma coisa que o The Who sempre fez, com monitores e médicos e todas essas coisas. Então, de repente, pensei: “Isso é loucura. Eu não posso continuar. Isso é um beco sem saída. Não tem como continuar assim”.

Felizmente, encontramos uma nova maneira para lidar com isso. Eu comecei a usar monitoração no ouvido, que diminui bastante o volume. Todo mundo conseguiu trabalhar em cima do próprio som perfeitamente, em vez de travar uma guerra entre o volume da guitarra e do baixo. Bateristas sempre tocam alto demais. De repente, você conseguia criar um universo próprio no qual você estava sempre confortável e conseguia se ouvir enquanto tocava. Isso fez uma diferença enorme para mim enquanto cantor. E salvou o The Who. Bom, manteve Pete e eu juntos até a turnê do Quadrophenia. Ele não teria conseguido se fosse de outra maneira. Nenhum de nós teria.

Gostaria de falar da Teenage Cancer Trust e Teen Cancer America. Quais os seus objetivos em relação a essas instituições para os próximos anos?

A Teen Cancer America nasceu do meu apoio ao Teen Cancer Trust, que temos no Reino Unido há 24 anos. A ideia é que as idades de treze a vinte três representam um período completamente diferente da infância ou da idade adulta no sistema de saúde. Não tem nada a ver com medicina, mas com o fato de que as pessoas querem estar com pessoas da mesma idade.

O sistema vigente – pelo menos até a Teen Cancer America entrar em cena – era agrupar pessoas de treze a trinta e nove anos. Eu não sei o que uma pessoa de treze anos tem a ver com uma de trinta e nove, além do fato de ambas respirarem. É um período completamente diferente da vida. É uma vergonha que os médicos não percebam que estar psicologicamente confortável em um grupo da sua idade faz uma diferença enorme na hora de sobreviver ao tratamento.

Eu sei que você abriu alas do Teenage Cancer nos Estados Unidos. Qual o próximo passo?

Espero espalhá-lo pelos Estados Unidos. Agora, temos duas unidades na UCLA. Temos alas sendo construídas em Yale. Estamos negociando com mais 25 hospitais, mas precisamos do dinheiro. Temos uma ala no hospital do câncer de Cleveland. Então, considerando que só entramos em cena há dois anos, estamos indo incrivelmente bem.

Sua voz é, obviamente, o elemento chave. Não era uma causa sobre a qual eu havia ouvido falar até você tomá-la para si.

Uma das coisas estranhas da nossa sociedade é que é fácil levantar dinheiro para crianças por conta do "efeito Bambi". Quando você está falando de adolescentes, opa, problema. Mas o sofrimento deles é terrível. A isolação que eles podem sofrer – quando chegam ao período da vida em que eles finalmente iam fazer tudo o que sonhavam e são atingidos pelo câncer – pode causar um isolamento terrível. Então o melhor terapeuta para um adolescente com câncer é outro adolescente com câncer.